MISSÃO ANCESTRAL
Primeiro bloco afro, Ilê Aiyê chega aos 50 anos com festa na Concha
Hoje é dia de bater palmas para o bloco afro mais antigo da Bahia
‘A minha pele é negra / Tenho orgulho de dizer / Sou do Curuzu / Sou liberdade / Sou do bloco Ilê Aiyê / Abri as portas pro mundo / Sou de descendência africana / Respeito a minha ancestralidade / De Zumbi a Mandela...’ (Chão Sagrado, de Marito Lima, Milton Boquinha e Roberto Moura).
Hoje é dia de bater palmas para o bloco afro mais antigo da Bahia, dia de festejar os 50 anos de tradição e luta do mais belo dos belos, da pérola negra do Curuzu. A partir das 18h30, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, o Ilê celebra o seu cinquentenário com uma grande festa musical.
Vai ter Daniela Mercury, BaianaSystem, Orquestra Afrosinfônica, Carlinhos Brown, Beto Jamaica, Aloísio Menezes, Amanda Maria e Matilde Charles. Vai ter também todo o povo que representa e simboliza este bloco afro que mudou a cara do carnaval de Salvador, combatendo o racismo, valorizando a cultura ancestral da raça negra e introduzindo, sobretudo, uma nova estética visual e sonora à festa momesca.
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Com direção artística e roteiro do baiano Elisio Lopes Jr (Torto Arado, o Musical), 48, Ilê Aiyê - 50 anos promete ser um momento marcante para o povo baiano, não só por reverenciar o primeiro bloco afro do Brasil, mas também as pessoas que tornaram este sonho possível.
Elisio avisa que o espetáculo é um concerto para colocar a música do Ilê em evidência artística. “Existe um preconceito com a música percussiva, como se ela fosse mais pobre, menos importante. Por isso, o espetáculo é um concerto pra enfatizar o nosso olhar de discordância desse lugar”.
“É um concerto preto. Teremos um repertório com grandes sucessos que marcaram essa longa trajetória do Ilê, mas com releituras em parceria com a Afrosinfônica, além de convidados especiais”, detalha o diretor.
Ainda segundo Lopes, o mais belo dos belos faz parte da vida de quase todo baiano, principalmente o pessoal da sua geração. “O Ilê foi o lugar onde eu descobri a minha beleza, o sentido de aquilombar e como isso traz força”.
Resistência e luta
Para Vivaldo Benvindo, diretor do Ilê e irmão de Vovô (presidente do bloco), este cinquentenário representa muita resistência, persistência e luta da agremiação, afinal 50 anos não são 50 dias. “Este é um ano especial. Vamos fazer um grande espetáculo na Concha”.
“Quando decidimos criar o bloco (1º de novembro de 1974), não tínhamos ideia do que estávamos fazendo na época, em plena ditatura militar, em uma cidade racista como Salvador sempre foi e é. Foi uma tacada de mestre”, acredita Benvindo.
“Desde a fundação, o Ilê vem fazendo ações afirmativas de combate ao racismo através de suas músicas. Nós fizemos uma verdadeira revolução cultural aqui nesta cidade e neste País”, pontua o diretor.
Para os próximos anos, de acordo com Vivaldo, a meta do Ilê é conquistar o poder. “Queremos seguir nesta trajetória de conquista, de formação, educação e construção de conscientização de uma juventude que já formamos e pretendemos formar muito mais. Uma juventude negra consciente e potente. O poder é bom e eu também quero, também gosto. Nós podemos, queremos e vamos conquistar o poder”, afirma.
Integrante do grupo de artistas convidados para se apresentar, o cantor e compositor baiano Aloísio Menezes avisa que vai cantar uma música autoral – Ilê é Ímpar – com a Afrosinfônica, e diz que o Ilê Aiyê surge para fazer uma revolução na autoestima do povo preto.
“A minha primeira composição de bloco afro fiz para o Ilê, que fez muita mudança na comunidade negra baiana. Para mim, é um prazer muito grande estar participando desta confraternização. Só tenho a agradecer. Vamos fazer uma festa muito linda para comemorar 50 anos. E agradecer mais uma vez pela existência deste bloco que mudou a cara da Bahia, do Brasil e do mundo”, sentencia Aloísio.
Branquitude e racismo
Nascida e criada no Curuzu, a jornalista, diretora-executiva do Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu e ekedy de Obaluaê, Valéria Lima lembra que é a partir do nascimento de Mãe Hilda que o Ilê vai sendo nutrido.
“É uma semente que foi plantada lá atrás. Ele tem uma missão ancestral que impacta toda a sociedade. É uma das organizações que mantêm viva a cultura africana no Brasil, muito mais do que em outros países das Américas. Principalmente, Salvador consegue manter muito forte suas raízes africanas, tanto em relação à religiosidade, quanto à cultura”, destaca a jornalista.
Valéria lembra também que, mesmo já tendo passado 50 anos, os brancos ainda não são admitidos no Ilê porque há um preconceito de cor, estrutural e muito acentuado na sociedade brasileira. “É difícil conscientizar o povo branco sobre o grau de responsabilidade que ele tem em relação ao racismo”, observa.
“A branquitude brasileira não consegue se enxergar como um ser racializado, mas através da música e da estética, o Ilê mostra que ela é diferente. O fato de brancos não serem aceitos no Ilê é reflexo de uma sociedade estruturada a partir do racismo”, reforça Valéria.
“Se somente pessoas negras são aceitas no bloco até hoje significa que a gente tem uma questão social que é muito mais profunda. Infelizmente, isto não toca nas pessoas brancas da forma que deveria tocar. Elas não conseguem se enxergar responsáveis pelo racismo. O Ilê, de alguma forma, planta uma semente para que as pessoas criem consciência da responsabilidade delas dentro desta estrutura de sociedade”, finaliza a neta de Mãe Hilda.
Ilê Aiyê – 50 anos é uma realização do Ilê Aiyê em parceria com a Caderno 2 Produções, e toda a renda obtida com as vendas será destinada à manutenção das ações sociais e culturais da Associação Cultural Bloco Ilê Aiyê.
Ilê Aiyê – 50 anos / Concha Acústica do TCA / 1º de novembro / a partir das 18h30 / Ingressos esgotados / Transmissão ao vivo no YouTube da TVE Bahia
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