UMA ANÁLISE SEM FILTRO
Look de crente? O que o uniforme do Brasil reflete sobre a moda
Uniforme do Brasil para Olimpíadas e Paraolimpíadas 2024 gerou polêmica
Por Felipe Sena*
De falta de criatividade a “look de crente”, segundo internautas, o uniforme dos atletas do Brasil para as Olímpiadas 2024, reflete a cultura de desvalorização da moda no Brasil, além da falta de investimento na indumentária esportiva. Desde que foi anunciado o uniforme da delegação brasileira para a competição de Olimpíadas e Paraolimpíadas de Paris 2024, o assunto virou polêmica e meme nas redes sociais.
É ESSE o uniforme do Brasil nas Olimpíadas?
— Oscar Filho (@OscarFilho) July 22, 2024
Mas onde serão os jogos? Na Igreja??? pic.twitter.com/DzztH8NQjs
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O uniforme casual feminino, confeccionado pela Riachuelo, que pode ser usado na cerimônia de abertura das Olimpíadas que acontece na sexta-feira, 26, chegou a ser comparado com uma vestimenta que se usa para frequentar uma igreja neopentecostal conservadora. “Quando eles chegam do culto, tiram o sapato e colocam só a havaiana para pegar o ifood na portaria”, brincou um, se referindo ao patrocínio da marca Havaianas, com os famosos chinelos brancos que serão usados pelos atletas.
A partir de uma collab com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), a Riachuelo, uma das marcas patrocinadoras das roupas dos atletas, ficou responsável por confeccionar as peças de viagens, desfile, cerimônia de abertura e dia a dia na Vila Olímpica para todos os brasileiros. Após muita reclamação nas redes sociais, nesta segunda-feira, 22, o Ministério do Esporte já colocou o corpo fora, emitindo um comunicado no qual informa que não é “responsável por confeccionar e fornecer kits de uniforme e equipamentos para a delegação brasileira”.
Um ar de leveza e de descontração, parece a proposta da Riachuelo através da foto mais vista do uniforme. Atletas mulheres com uma saia midi branca de tecido fluido e rodada, uma t-shirt amarela com listras, usada por dentro da roupa inferior, uma jaqueta que custa R$ 600, para aquecer do frio e um par de havaianas brancas.
A jaqueta pode ser encontrada na estampa de leopardo, tucano ou arara na região das costas. Claro, sem abrir mão da sustentabilidade, pauta urgente na moda. O que a Riachuelo quis transmitir foi um ar francês em fusão com a simplicidade brasileira, mas saiu jocoso. É o que a ditadura da internet diz.
A Bahia é a Bahia!
Com a insatisfação da maioria dos usuários das redes sociais, principalmente os da geração Z, quem também entrou na briga foi a Dendezeiro, marca baiana que exalta a beleza e cultura negra, já que vivemos num país com o maior número de pessoas negras depois da África. No início deste mês, a Dendezeiro chegou a se oferecer para refazer o uniforme para as Olimpíadas, como uma jogada de marketing, mas não recebeu devolutiva.
Por isso, decidiu lançar a própria coleção inspirada na essência brasileira, uma nova etapa da coleção já lançada, BRS2, que será divulgada nesta terça-feira, 23. A marca chegou até a publicar um comunicado nas redes sociais. No entanto, reforça que o lançamento não tem relação com o evento esportivo, mas busca refletir a essência das raízes do Brasil.
Para a pesquisadora de Moda e doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA, Gina Reis, a moda nacional é rica em criatividade. “O design de moda nacional assume, cada vez mais, sua expressividade e espontaneidade. Acredito que a moda brasileira é plural, é pop”, diz.
Riqueza criativa
"Mas enquanto cá usamos Riachuelo, Estados Unidos e Itália, usam Ralph Laurent e Emporio Armani, respectivamente”, dizem comentários nas redes sociais. Mas o que parou mesmo a internet, foi o uniforme da Mongólia, feito pelas irmãs Michel & Amazonka, que carregam um luxo e requinte que o difere dos demais. E daí? Não é de surpreender que a síndrome de vira-lata deite e role em comentários nas redes sociais.
De Norte a Nordeste, o Brasil esbanja criatividade através de marcas que surgem a cada ano na cena da moda. Poderia citar uma lista delas que não caberia neste texto. Marcas baianas, cariocas, paulistas, etc, que poderiam formular um uniforme que fosse simples e despojado, mas que não apresentasse um ar de desleixo.
Essa seria uma oportunidade para o Brasil fazer bonito, tanto nos jogos quanto na imagem. “As Olimpíadas são o maior evento esportivo do mundo, capaz de agregar povos em toda sua diversidade. Uma grande vitrine, uma janela para o mundo se abre quando um atleta sobe ao pódio”, explica Gina Reis.
Moda é um ato político
Além disso, a moda é um ato político e a escolha do que vestimos reflete a impressão que queremos transmitir. Não é de hoje que o Brasil flerta com pautas mais conservadoras e neopentecostais.
Não à toa que a marca escolhida para confeccionar os uniformes para as Olimpíadas foi a Riachuelo, loja de departamento que é a “cara do Brasil". No entanto, acredito que podemos esquecer que seu dono, o empresário Flávio Rocha, era aliado de Bolsonaro, e prega “Deus, pátria e família”. Outras marcas que patrocinam as roupas dos atletas brasileiros são a Mormaii e a Peak.
Um país do esporte?
O Brasil, que é conhecido por grandes nomes dos esportes, principalmente do futebol, mas que ao não dar atenção devida ao uniforme que seus atletas vão usar nas Olimpíadas, também não é notável em políticas públicas específicas para esportistas.
Num país em que reina uma ode à meritocracia, já que é onde todos “vencem as adversidades”, o que se resta é arcar com dinheiro do próprio bolso, como disse que vai fazer o atleta da modalidade decatlo, que para execução das provas, precisa de sete sapatilhas. “Estou indo para os jogos olímpicos sem patrocínio de marca esportiva, ou seja, vou investir do meu dinheiro para comprar as sapatilhas, sei que vai me ajudar muito”, afirmou o atleta.
Não que seja falta de dinheiro, a nação brasileira derrama riqueza. Uma pesquisa divulgada pela Folha de S. Paulo, mostrou que nos últimos 20 anos, o Brasil investiu R$ 43,4 bilhões nos esportes olímpicos, período em que conquistou 84 medalhas, 25 delas de ouro. Nas Paraolimpíadas, foram 351 medalhas ao todo, sendo 112 de ouro. Exceto os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas de 2016, realizados no Brasil. Os dados são do Ponto MAP. No final, você se vira daí e eu me viro de cá.
*O texto é opinativo. Estagiário sob supervisão da editora Brenda Ferreira.
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