ENTREVISTA
“Existe só uma maneira para a cultura sólida do vinho: pela educação"
Confira a entrevista com Thiago Aquino, presidente da ABS-Bahia
Por Claudia Lessa
Com mais de 40 anos de atuação, a Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) inaugurou, no último dia 21 de fevereiro, sua sede na Bahia. Para seus dirigentes, a chegada da entidade – a única no país filiada à Association de la Sommellerie Internationale – é um marco na promoção da cultura do vinho e da excelência em serviço de sommeliers no Estado.
Em entrevista ao Caderno Municípios, o presidente da ABS-Bahia (www.absbahia.com.br), Thiago Aquino, aborda, entre outros temas, a disseminação do conhecimento e da apreciação do vinho no Estado; a contribuição da associação para fomentar o consumo da bebida; e o papel que eventos como Páscoa e festas de fim de ano desempenham no incentivo ao hábito do consumo da bebida.
Como a sede da ABS na Bahia poderá contribuir para fomentar o consumo de bebidas produzidas no próprio estado?
Existe apenas uma maneira, na minha opinião, para desenvolver uma cultura sólida de vinho em um país ou em uma região como a nossa Bahia: pela educação. Para beber bem e desfrutar adequadamente dessa bebida de cerca de oito mil anos, é preciso muito mais do que poder aquisitivo para comprar seus rótulos mais caros ou conseguir beber litros dela sem sentir seus efeitos indesejados. É super comum encontrar pessoas de alto poder aquisitivo, envoltas de adegas quase que milionárias, terem bebido vinho durante toda sua vida como obras de arte. Porém, se for pedido que façam uma simples descrição sobre um único vinho que verteram em suas taças, certamente não conseguirão. É um direito de quem compra o seu vinho beber da forma que lhe apetecer? Óbvio que sim, mas um educador de vinhos não pode dizer que ele fez um bom uso das oportunidades que o dinheiro lhe deu, em termos educacionais do vinho. Um simples curso proporcionaria um outro patamar de aproveitamento, certamente muito mais prazeroso, pois sairia da exclusividade dos efeitos da substância química vinho propriamente dita, de relaxamento e sociabilidade, para um prazer também intelectual. E aqui é fundamental dizer que intelecto está relacionado ao uso da cognição e não à superioridade ou à arrogância que costumam ser atribuídas ao consumidor de vinhos. Portanto, este é, efetivamente, o papel da ABS-Bahia: atuar, conjuntamente aos empresários e colaboradores, no desenvolvimento e no conhecimento dos estudos do vinho, do seu mercado, da sua produção, importação... Não somos um grupo criado para beber vinho, comprar mais barato ou uma confraria de amigos. Queremos melhorar a cultura do vinho em nosso estado, baseados em serviço de excelência.
Em que nível se dá a presença de vinhos baianos nos cardápios de bares, restaurantes e hotéis, inclusive para divulgação aos turistas?
Infelizmente ainda é baixo. A nossa produção não é feita de números estratosféricos, mas esta não é a razão. É multifatorial, mas certos pontos têm maior relevância. A falta de conhecimento continua refletindo nesta questão. É mais fácil vender produtos de regiões mais famosas. O preço é outro. O Brasil trata muito mal os seus produtos genuínos. Apenas em tempos mais recentes tivemos uma denominação de origem relacionada a produtos alimentícios nacionais. O pão de queijo mineiro e o queijo canastra estão mais à frente disto. Já pensou como poderíamos ter uma denominação de origem para o delicioso Queijo do Reino, o nosso Pãozinho Delícia, para um dos bolinhos mais famosos do mundo – nosso acarajé – ou para a moqueca baiana? Mas não conseguimos nem nos resolver com o Espírito Santo. Se não sabemos vender bem nossos produtos, com padronização, como vamos oferecer aos turistas? Estas novas vinícolas têm investido em Enoturismo, tenho visto, mas não pode parar nisso. É preciso realizar degustações formais, não apenas com os consumidores finais, mas também com garçons, sommeliers, cumins, bartenders. Eles também influenciam muito nas vendas. É uma engrenagem que não caminha solta. Se retroalimenta.
Eventos como Páscoa e festas de fim de ano desempenham que peso no incentivo ao hábito do consumo de vinhos no estado?
Muito, muitíssimo mesmo. É notório que o consumo de vinho no Brasil ainda se baseia na produção daqueles elaborados por uvas não viníferas, aqueles chamados vinhos de garrafão. Mas não há problema algum nisso. São uma boa forma de iniciar o processo. Diz-se que um país está desenvolvido em termos de vinhos quando ele tem um consumo habitual de vinhos doces, aqueles ditos de sobremesa. Já na outra ponta. Portanto, é como se fechasse um círculo. Começa naquele primeiro, docinho, mais fácil de beber, de baixa complexidade, e o processo se encerra naquele em que consumimos com os pratos doces: tendem a ser mais complexos, caros e cheio de especificidades. Datas como a Páscoa, quando são comuns estes tipos de vinhos, foram fundamentais neste processo, e ainda são. Nossa produção ainda se baseia em vinhos de uvas de mesa. Embora não mais no mesmo nível. O Réveillon, inegavelmente, favorece a questão dos vinhos espumantes. Estas datas são importantes, mas precisamos nos aproveitar, no bom sentido, melhor delas.
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