SÉRIE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
Ameaças e ataques causam pânico em comunidade escolar na Bahia
Acredita-se que as ações estão sendo orquestradas através das redes sociais
Por Da Redação
Em março de 2023 o Brasil ficou enlutado com a morte da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, que levou cinco facadas de um adolescente de 13 anos. Uma semana depois, outro ataque, desta vez em uma creche de Blumenau, Santa Catarina, vitimou quatro crianças.
>>> Série A TARDE: Crescente violência em colégios faz Brasil ligar o alerta
Na Bahia, o caso de maior repercussão aconteceu no dia 26 de setembro do ano passado, na cidade de Barreiras, no Colégio Municipal Eurides Sant´Anna. Na ocasião, uma jovem cadeirante de 19 anos, identificada Geane da Silva Brito, foi morta por um adolescente que efetuou disparos na unidade. Por causa da dificuldade de locomoção, ela teria virado o principal alvo do agressor, que usou a arma do pai policial, além de uma faca para ceifar a vida da estudante.
No entanto, dois homens, que seriam policiais e estavam nas proximidades, atiraram contra o agressor, evitando que a tragédia fosse ainda maior. Após meses hospitalizado, o adolescente que matou a colega cadeirante terá que passar o resto da vida com dificuldades de locomoção. Segundo a Polícia Civil, ele cumpre medida socioeducativa em casa e está tetraplégico.
Menos de um ano depois, nas últimas semanas, uma onda de violência tomou conta de cidades baianas. Os boatos e as tentativas atingiram, quase que simultaneamente, várias instituições de ensino espalhadas pelo estado com ameaças de ataques que seriam orquestrados através das redes sociais.
Com o objetivo de enriquecer o debate sobre o assunto, o Portal A TARDE traz, neste sábado, 22, a segunda matéria da série "Violência nas Escolas: o que está por trás dos ataques" [veja a primeira aqui]. Em cada reportagem, que conta com produção audiovisual, o especial detalha os casos ocorridos no Brasil e na Bahia e traz uma discussão com especialistas sobre como prevenir novos episódios.
Ameaça recente
Na quinta-feira, 13, um jovem de 20 anos teve que ser contido por colegas e um segurança do Colégio Estadual Luiz José de Oliveira, no bairro de Fazenda Grande I (Boca da Mata), em Salvador. Segundo os relatos dos alunos, o suspeito, que não terá seu nome divulgado para não incentivar outros casos, entrou na instituição com uma faca e com o intuito de causar pânico.
No entanto, graças a ação rápida dos estudantes e do segurança, não houve uma tragédia. "Quando cheguei ele estava com uma faca e dizendo que tinha quatro alvos, porém, não disse quem seriam", disse um aluno de 18 anos, que preferiu não se identificar.
A mãe de um dos alunos relatou que seu filho teve que quebrar a janela para que outros estudantes pudessem escapar da ação.
"Quando o menino [o agressor] bateu na porta duas vezes, meu filho tomou a iniciativa de quebrar a janela. Ele chamou mais dois alunos para quebrar a janela. Ele até machucou a mão. Ele conseguiu abrir uma brecha e os alunos passaram por lá", contou.
Apesar da tentativa ter sido frustrada, o atentado deixou marcas físicas e psicológicas. Durante a confusão, uma das alunas caiu e bateu a cabeça com força no chão. Ela teve que ser hospitalizada e até a tarde de quinta-feira, 20, seguia internada no Hospital Municipal que fica localizado no mesmo bairro da escola.
“Quando cheguei, ele [o agressor] estava no corredor segurando e batendo a faca na perna. Dizia que tinha quatro alvos específicos, mas não disse quem seriam. Então, entrou na primeira sala que viu. Foi uma correria. Eu mesmo me cortei quando tentava escapar. Uma menina ainda caiu e bateu a cabeça, ela está internada até hoje”, contou um estudante.
Após ser preso, o jovem alegou ter sido ameaçado através de uma rede social bastante usada por praticantes de jogos virtuais. Segundo ele, ao baixar o aplicativo, criminosos tiveram acesso a conteúdos pessoais e familiares e o estavam chantageando.
É adequado uma criança ficar até de madrugada sem eu [pai/mãe] saber o que ele está postando, fazendo na internet?
Em audiência de custódia, no dia 14, a Justiça baiana converteu a prisão em flagrante para preventiva. O aluno ainda responderá pelos crimes de ameaça e dano qualificado.
Mas o terror não havia acabado. No mesmo dia, também na capital baiana, uma bomba junina foi arremessada no pátio do Colégio Estadual Mário Augusto Teixeira de Freitas, no bairro da Mouraria. A instituição era uma das várias que vinham sendo alvo dos boatos relacionados a um possível ataque.
"Estava tudo calmo, quando houve a explosão da bomba. Um aluno caiu do terceiro andar e todo mundo começou a correr. A gente ouviu o baque dele e foi uma correria. Eu arrombei a porta de uma sala, pulei uma janela e depois um muro de cerca de três metros, acabei me ralando pois o muro é áspero. Fiquei com a perna dolorida, pois tentei arrombar outro portão com o pessoal que estava comigo, cerca de sete pessoas".
O relato é de um dos estudantes que estavam no pátio no momento em que a bomba foi lançada. Segundo ele, que não será identificado, a instituição constava em uma lista de escolas ameaçadas de massacre que circulava na internet.
A situação, que acabou caracterizada como uma pegadinha de mau-gosto ao invés de um ataque, acabou instalando o pânico já que alunos e professores andavam em estado de alerta no colégio.
"Teve um aluno que pulou uma janela de vidro e machucou o braço todo. Foi gente pulando do terceiro andar... foi um desespero total, principalmente o pessoal que estava nas salas em aula", completou o aluno ouvido pelo Portal A TARDE.
Segundo ele, o suposto ataque aconteceu justamente na semana de provas, que acabou sendo suspensa, pois vários alunos e professores deixaram de ir às aulas. O caso de 2023, segundo o jovem, não foi o primeiro na escola.
"Acho que as escolas deveriam revistar os alunos. No ano passado teve um caso na minha sala em que entrou um aluno armado. Estavam ameaçando a gente, pois supostamente tínhamos contado à diretora, só que houve uma demora para ela vir, o menino desceu e escondeu a arma. Envolveu polícia e tudo e ele só levou uma bronca. É muito fácil entrar com um 'negócio' desse. No dia que estavam pedindo para mostrar o comprovante e identidade entraram com uma bomba, imagine", contou.
O incidente no colégio na Mouraria, ocorrido pela manhã, causou temor em toda comunidade escolar da cidade e reduziu o número de presentes, já durante a tarde, também em outras instituições, como relata uma professora da rede municipal de Salvador, que preferiu não ser identificada. Segundo ela, mesmo seu local de trabalho não tendo sofrido nenhum ataque, o clima de guerra está instaurado.
"Estamos todos temerosos e cautelosos, observando a situação. Em Salvador, de modo geral, está um caos total", lamentou a docente, que diz ter se deparado com alunos em clima de guerra, se preparando para o pior.
Segundo ela, na quinta-feira, 13, quando a bomba foi arremessada no Teixeira, algumas salas, que possuem entre 28 e 30 alunos, tiveram a presença de apenas três. A professora contou que mesmo com todo clima de medo, a orientação foi abrir as escolas.
"Os alunos estão cientes e observando. Se virem alguma coisa, algum colega com arma ou faca, têm que avisar, falar com o professor. Tem uns pequenos, de 10, 11 anos, que estão fazendo arma de papel ofício, de papelão, teve uma que foi com estilete debaixo da calça para se proteger se a escola for invadida, se alguém pular o muro", relatou.
Outra instituição que também recebeu ameaça de ataque foi o Colégio Governador Luís Vianna Filho, localizado no bairro Cidade Nova, em Feira de Santana. Um adolescente de 16 anos que estuda na instituição afirma que ela vem sendo ameaçada há vários dias. Segundo ele, este é o retrato do mundo nos dias atuais.
"Vários jovens e adolescentes estão sendo impactados por tudo que veem, acreditam e confiam. Então, vários que não têm maturidade se aproveitam para fazer uma confusão mental, o que impacta o estudante, o professor, o diretor, os policiais...", relata.
Ele contou que tem ido à escola, mas vários colegas deixaram de frequentar, com medo do que pode acontecer. As ameaças, segundo sua avaliação, são feitas por pessoas que querem causar pânico na comunidade escolar.
Líder de sua turma, ele participou de uma reunião com outros líderes de turma, que foram à direção da escola pedir providências. "Fomos até o diretor da escola e solicitamos a ele pra reativar uma saída de emergência que estava desativada e ele reativou".
Um aluno caiu do terceiro andar e todo mundo começou a correr. A gente ouviu o baque dele e foi uma correria. Eu arrombei a porta de uma sala, pulei uma janela e depois um muro de cerca de três metros
Ele ressalta que os danos, além de impactar no presente, serão refletidos à longo prazo. "O mundo está confuso e estão visando nos deixar sem uma boa educação, sem emprego, sem oportunidades...".
Também em Feira, Alícia Alves tem dois filhos que estudam em instituições de ensino diferentes. Uma delas foi ameaçada em 2018 e outra constou em uma lista recente de locais onde massacres supostamente seriam realizados. Como mãe, ela relata preocupação com a segurança do local onde estão seus filhos e se questiona sobre a atuação do poder público.
"Como muitas mães, estou muito preocupada com o que vem acontecendo nas escolas. E aí me pergunto: onde está o prefeito, governador e os demais envolvidos que podem fazer algo para diminuir ou acabar com isso? Quantas crianças e professores precisam morrer? Quantas pais e mães precisarão chorar a morte de um filho para uma atitude ser tomada?", questiona.
Alícia conta que seus filhos não querem mais ir à escola e se questiona também como os estudantes conseguirão se concentrar nas aulas com o clima de medo no ambiente. Ela também defende o reforço na segurança nas instituições de ensino.
"Estão tomadas por um medo e com motivo, pois as escolas não têm segurança. Precisa ser colocado detector de metal e dois seguranças armados para fazer revista na porta da escola, assim como é feito em show e na porta dos bancos, pois uma vida não tem preço. Então, se os cofres públicos tem que ter segurança as escolas também tem que ter, a final e dali que vai sair os futuros, presidente, médicos, professor, polícias e etc…"
Foi uma correria. Eu mesmo me cortei quando tentava escapar
Polícia
Assim como no caso de Boca da Mata, em outros, houve relatos de boatos sendo divulgados pelas redes sociais. Até a quarta-feira, 19, 21 perfis de autores de possíveis ameaças foram identificados pela Polícia Civil. As forças policiais da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), ainda monitoram atividades nas redes sociais WhatsApp, Instagram, Facebook e Discord.
Acredita-se que as ações estão sendo orquestradas através destas plataformas. O coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil (Ciberlab), delegado Delmar Bittencourt aleta aos pais sobre os perigos dessas plataformas.
"É adequado uma criança ficar até de madrugada sem eu [pai/mãe] saber o que ele está postando, fazendo na internet? Se o seu filho recebeu ameaça ou está repercutindo aquilo? Seria interessante receber informação de ameaça? Por isso, encaminha aos órgãos de segurança para tomarmos as medidas cabíveis, através do disque denúncia ou e-mail disquedenuncia.com".
Também até a quarta, foram registradas 32 conduções de pessoas às Delegacias, decorrentes da disseminação de possíveis ameaças e incitação ao crime.Entre estes, 30 são adolescentes e dois adultos.
Na quinta, 20, a Polícia Civil deflagrou a "Operação Safety Scholars". O objetivo foi intensificar ações preventivas contra ameaças e incitação à violência, voltados à comunidade escolar, em Salvador e Região Metropolitana (RMS).
"Esta situação é passageira, e apesar do susto e do pânico instalado em alguns casos, irá deixar como legado uma relação mais próxima entre a Polícia Civil e as comunidades, por meio das escolas", disse a diretora do Depom, delegada Christhiane Inocência, destacou a aproximação com a comunidade escolar. "Esta situação é passageira, e apesar do susto e do pânico instalado em alguns casos, irá deixar como legado uma relação mais próxima entre a Polícia Civil e as comunidades, por meio das escolas", avaliou.
Informações sobre grupos ou possíveis autores podem ser repassadas através do Disque-Denúncia da SSP, no telefone 181. As informações são tratadas pela Superintendência de Inteligência e imediatamente repassadas para as forças policiais. Fotos, prints e vídeos também podem ser enviados através do site do Disque Denúncia. Outra forma de repassar informações é pela plataforma Escola Segura do Ministério da Justiça.
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