SÉRIE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
Terror digital sobre ataque a escolas dificulta ações de segurança
Pais, estudantes e professores enfrentam desafio com o 'pânico' gerado nas redes
Por Jane Fernandes
Menos de 1% das mensagens e postagens com ameaça de ataques a escolas e supostas informações sobre ocorrências do tipo se mostraram reais, é o que estima o coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil (Ciberlab), Delmar Bittencourt. O Ciberlab tem avaliado e investigado os conteúdos denunciados ou localizados via monitoramento, atuando para coibir a criação de pânico.
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A atuação da Polícia Civil neste campo levou, até a última quarta-feira, à identificação de 21 perfis de autores de possíveis ameaças na internet. Além disso, 30 adolescentes e dois adultos foram conduzidos a delegacias em decorrência da disseminação de possíveis ameaças e incitação ao crime.
Foi a disseminação dessas mensagens em redes sociais que levaram o filho da professora de inglês Carol Pinho – Luiz, de 15 anos -, a “contar” para ela que na quinta-feira, 20, aconteceriam ataques generalizados às escolas. O mesmo aconteceu na casa da assistente social Sueli da Conceição Oliveira, onde Júlia, 11 anos, estava hesitante em ir para a aula na data citada. Ambos estudam na rede privada.
Reforçando o apontado pelo Ciberlab e argumentação das mães sobre a inconsistência desses conteúdos, a última quinta terminou sem registro de intercorrências do tipo em escolas. Principal data mencionada nas falsas ameaças, o dia 20 de abril provavelmente foi escolhido por conta do Massacre de Columbine, ocorrido em 1999, no Colorado (EUA).
Escola e a educação, como valores, como símbolos de uma sociedade, estão sendo alvo de uma violência que foi nutrida nos últimos anos
Diante do espanto com o dito por Luiz, Carol logo ponderou que era impossível cada escola ter ao menos uma criança disposta a cometer atos violentos contra os colegas. O passo seguinte foi entender de onde vinham essas “notícias” e de que forma tinham chegado a ele, para então assistirem esses vídeos juntos. Ela buscou acolher o medo do filho, mas ressaltando que é preciso observar esses boatos com um olhar crítico, verificando fontes confiáveis.
“A gente precisa olhar de onde está vindo a informação. É de um jornal, é de uma fonte que a gente sabe quem está escrevendo ou é um vídeo que você não sabe quem fez”, defendeu Carol, fazendo paralelo com as notícias falsas sobre as quais comentavam no período eleitoral. Ela também buscou dados concretos que pudessem aumentar a sensação de segurança do filho, como conversar com a equipe da escola sobre o assunto e pesquisar medidas governamentais.
Carol e Luiz foram juntos pesquisar sobre possíveis ataques no dia 20 e encontraram notícias sobre a atuação do Ministério da Justiça, a exemplo da criação do canal Escola Segura para o recebimento de denúncias de ameaças em ambiente virtual. “Está vendo? Eles já estão fazendo uma análise, os adolescentes que estão disseminando isso de maneira maldosa serão responsabilizados”, concluiu.
No decorrer da última semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes defendeu a inclusão na legislação brasileira de um artigo que deixe claro a prevalência das regras do “mundo real” no ambiente virtual. E o governo federal anunciou a promulgação da Convenção sobre o Crime Cibernético, firmada em Budapeste (Hungria), um dispositivo para promover a cooperação internacional na troca de informações sobre crimes cibernéticos.
Fiscalização
A escola de Júlia mandou três comunicados para Sueli, entre o caso de Blumenau e a última semana, apontando as ações internas para manter os estudantes em segurança, mas também pedindo apoio dos pais. “Para que possamos verificar as mochilas, porque muitas vezes a gente pensa que é sempre de fora, mas o próprio aluno pode estar levando algo indevido, e acompanhar as redes sociais também dos filhos”, conta.
Júlia mudou de ideia sobre faltar a aula após conversar com a mãe, mas a boataria ainda ficou rolando. A estudante disse que colegas estavam fazendo vários planos de como agir diante de um ataque e até falavam em levar spray de pimenta caseiro no dia 20. Embora tenha um grupo de colegas no whatsapp, ela afirmou que tratam apenas dos trabalhos em grupo, e as notícias falsas acabam sendo comentadas pessoalmente, no intervalo das aulas.
Na rede municipal, a rotina em sala de aula foi suspensa no dia 20, dando lugar a atividades direcionadas ao fortalecimento do senso de comunidade e da cultura de paz, realizadas dentro ou fora da sede das escolas, conforme nota da Secretaria de Educação de Salvador.
No Estado, a Secretaria ressaltou, em nota, que “atividades pedagógicas têm sido realizadas em todas as unidades escolares orientando estudantes ao não compartilhamento de mensagens anônimas e mensagens com conteúdo violento e/ou informações não verificadas”.
Professor de duas escolas particulares e presidente do sindicato da categoria, Alysson Mustafa alerta para o “estado de coisas” revelado pela ocorrência de ataques e pela disseminação dos boatos. “A escola e a educação, como valores, como símbolos de uma sociedade, estão sendo alvo de uma violência que foi nutrida nos últimos anos”, analisa, remetendo ao incentivo à filmagem de aulas para fins de patrulhamento ideológico e pedagógico.
A gente precisa olhar de onde está vindo a informação
Cuidados
“Muitas pessoas pensam: ‘ah não, a gente tem que compartilhar para que as pessoas fiquem sabendo que tem uma ameaça’. Mas se essa ameaça não for real, isso gera um pânico desnecessário numa escola, numa comunidade, com adolescentes e com professores”, defende o gerente de projetos da Safernet, Guilherme Alves.
Alves ressalta a importância de a sociedade entender que provocar uma sensação de insegurança faz parte do “modus operandi” desses grupos, organizados em fóruns da deep web e outras comunidades virtuais de acesso restrito, interessados em fomentar essa violência nas escolas”. Ele reforça: “isso já é uma violência! Não é só o ato em si que é uma violência, esse clima de insegurança, essa ameaça também é violenta”.
A orientação da Safernet é sempre resistir ao impulso de passar esses conteúdos adiante e fazer o encaminhamento para o canal Escola Segura (www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura). “Se você tiver acesso a um áudio, um print, um link, alguma coisa que supostamente tem a ver com algum tipo de ameaça a escolas, a melhor coisa que você pode fazer é denunciar esse conteúdo”, defende o gerente.
O impacto do pânico digital na saúde mental é enfatizado pela coordenadora do curso de pedagogia da Unifacs, a especialista em psicopedagogia Sâmia Oliveira. “O cérebro da pessoa não distingue o que é real e o que é virtual, então quando nós somos expostos a uma notícia, a uma foto, a um print de tela... nosso cérebro não entende se é real ou virtual e todo o ciclo de ansiedade, de preocupação, de medo é disparado. Nós nos comportamos como se estivéssemos vivendo aquela situação”, explica.
Menos de 1% das mensagens e postagens com ameaça de ataques a escolas e supostas informações sobre ocorrências do tipo se mostraram reais
Sâmia comenta que às vezes os pais dão explicações detalhadas sobre os ataques ocorridos e criam cenários de fuga para os filhos, o que não considera adequado, pois a criança não consegue “filtrar e elaborar que é uma situação que pode acontecer, uma situação com chance remota”. No seu cotidiano mais recente atuando em escolas, ela testemunhou casos de alunos que passaram o turno chorando e os pais tiveram de buscar.
“Algo que julgo também muito importante é uma comunicação efetiva da escola com as famílias a respeito das medidas de segurança, até para os pais ficarem tranquilos e repassarem essa segurança para suas crianças. Porque quando os pais estão em pânico, as crianças são como esponjas e absorvem isso, então elas ficam em pânico também”, recomenda.
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