DIREITOS
Racismo nas compras é desafio nos 34 anos do Código do Consumidor
Discriminação racial ainda é obstáculo diário para consumidores e vendedores negros
Por Gabriel Vintina*
O Código de Defesa do Consumidor completa hoje 34 anos, marcando mais de três décadas de avanços e desafios nas relações de consumo no Brasil. Apesar das conquistas, uma questão ainda persiste e exige atenção: o racismo nas relações de consumo. Para além das prateleiras e vitrines, a discriminação racial continua sendo um obstáculo diário para consumidores que enfrentam desafios em lojas, bancos, aeroportos e outros ambientes de consumo.
“Nos últimos anos, tem sido crescente o número de crimes nas relações de consumo voltados para a questão racial. As pessoas são discriminadas no ato de comprar, sendo desprezadas, humilhadas, subjugadas e secundarizadas no atendimento ou na forma de tratamento durante a venda. As pessoas também são discriminadas quando estão na condição de vendedores ou fornecedores, pois, muitas vezes, consumidores preferem não comprar quando o vendedor é negro ou quando uma pessoa negra é a empreendedora do negócio”, explica Sérgio São Bernardo, advogado e professor de Direito do Consumidor na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
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Na Bahia, o número de denúncias sobre discriminação racial nas relações de consumo ainda é limitado, conforme explica Iratan Vilas Boas, Diretor de Fiscalização do PROCON Bahia. "Não temos muitas manifestações de consumidores sobre este tema aqui, então não há registros significativos de demandas nesse sentido", afirma.
A escassez de denúncias, no entanto, não significa ausência de casos. Vilas Boas destaca que o racismo se manifesta de forma sutil e difícil de comprovar, o que dificulta o registro e a punição desses crimes. "As dificuldades estão, primeiro, relacionadas ao fato de que as vítimas, na maioria dos casos, se sentem constrangidas e evitam denunciar, evitando a exposição dos fatos. O segundo maior obstáculo é a comprovação dessa discriminação, que muitas vezes ocorre por meio de palavras discriminatórias. Então, os consumidores precisam de testemunhas, de filmagens, para comprovar que, de fato, foram vítimas de discriminação dentro de uma relação de consumo", conta.
Essa realidade é amplamente observada no dia a dia de consumidores negros. “Existem lojas de roupas que, por exemplo, anunciam que pessoas negras estão presentes nas lojas, acendendo um alerta para que os seguranças tenham atenção especial a esse grupo. Ou o que tivemos aqui no caso de uma professora que foi expulsa de um voo. Esses casos são emblemáticos, mas representam um desafio para os órgãos de defesa do consumidor”, completa o diretor.
Beatriz Mota, de 22 anos, relatou sua experiência pessoal ao fazer compras. "No mercado do meu bairro, eu percebi que, quando estava indo para outra seção, o segurança estava indo junto. No começo, pensei que era coincidência, que ele estava indo de seção em seção para poder observar o mercado, mas depois percebi que ele começou a me seguir de uma forma mais direta, me observando”, conta.
Beatriz relatou que, à medida que o tempo passava, a sensação de ser monitorada se intensificava, gerando uma mistura de incômodo e indignação. “No momento, foi terrível, né? Fiquei com muito medo por causa das histórias que ouvimos de pessoas que são constrangidas, são gravadas e até têm coisas colocadas dentro de suas bolsas. Naquele momento, me senti muito mal porque eu sabia que era por conta de ser preta. Isso me doeu bastante, e eu só pensava em sair do mercado, porque estava com medo e, ao mesmo tempo, frustrada pela situação que estava acontecendo. Tanto que nem comprei o que eu queria, eu só saí do mercado e nunca mais voltei”, completa Beatriz.
Para os órgãos de defesa do consumidor (Procon e Codecon), o principal desafio em casos como o de Beatriz é receber e processar essas denúncias de discriminação racial, conforme esclarece Vilas Boas. "A maior barreira é o constrangimento das vítimas em expor o fato em um órgão público ou ao relembrar o constrangimento sofrido", diz.
Mudança no Código?
Embora a legislação vigente já proíba a discriminação de forma geral, há um entendimento crescente de que é necessário um enfoque mais específico para o racismo nas relações de consumo. Pensando nisso, foi elaborado o projeto de lei nº 5.294 de 2020, de autoria do senador Fabiano Contarato, que propõe a alteração do Código de Defesa do Consumidor para incluir dispositivos legais que tipifiquem o tratamento discriminatório por raça. "Se aprovado, o Código teria uma alteração que permitiria uma notificação mais especializada para as pessoas que sofrem discriminação nas relações de consumo", explica Sérgio São Bernardo.
Para enfrentar o desafio do racismo nas relações de consumo, é fundamental que as vítimas denunciem as práticas discriminatórias. Na Bahia, o Procon dispõe de 32 postos de atendimento, tanto na capital quanto no interior do estado, com novas unidades sendo inauguradas para ampliar o acesso dos consumidores. Além disso, os cidadãos podem registrar denúncias por meio do aplicativo PROCON BA Mobile ou pelo e-mail específico: [email protected]. O fortalecimento desses canais de comunicação é essencial para que mais casos sejam reportados e devidamente apurados, promovendo uma cultura de igualdade e respeito.
*Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre
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