OUTRO PATAMAR
Bahiafarma atua em várias frentes e busca protagonismo nacional
Estatal passa por reestruturação após anos de sucateamento e aposta em inovação para impulsionar a pesquisa no estado
Por Alan Rodrigues

A pandemia de Covid-19 marcou para sempre várias gerações. O número de mortes, a falta de leitos, enterros coletivos, isolamento forçado. São situações que jamais serão esquecidas e cujos impactos ainda serão sentidos por décadas. Tanto pelas sequelas de quem contraiu o vírus quanto na saúde mental de quem conviveu com a incerteza e o medo por quase dois anos.
Mas a pandemia também deixou ensinamentos e, por que não, um legado. O Brasil aprendeu, da pior forma possível, que não pode ficar à mercê dos interesses internacionais e que investir em ciência é fundamental. Bem como ter uma política de conteúdo nacional, para reduzir a dependência externa e garantir assistência à população.
Além disso, o investimento na produção de medicamentos e insumos pode ajudar a fortalecer a economia nacional. Não por acaso, a Saúde é um dos pilares, o 2º , do Nova Indústria Brasil (NIB), programa de neoindustrialização do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
É nesse contexto que a Bahiafarma, fundação pública de direito privado, que já foi extinta no governo Paulo Souto, recriada no governo Jaques Wagner e totalmente sucateada na gestão do presidente Bolsonaro, encontrou espaço para ressurgir.
Diretora geral da Bahiafarma, a médica infectologista Ceuci Nunes, que por 15 anos dirigiu o hospital Couto Maia, especializado em doenças infecto-contagiosas, viveu a pandemia intensamente e sabe, como poucos, a importância de um complexo farmacêutico capaz de suprir as demandas do sistema de saúde. Não só para combater epidemias, mas, principalmente para prevenir e controlar a disseminação de doenças.
Missão
Quando foi chamada para comandar a reestruturação da Bahiafarma, Dra. Ceuci enxergou a possibilidade de fazer parte de um novo momento de (re)construção da soberania nacional.
“Eu aceitei o desafio por um momento muito peculiar que são as políticas do governo Lula, da Nova Indústria Brasil (NIB), que a 2ª missão é exatamente a área da saúde”, diz a infectologista, citando o programa que estabeleceu cinco pilares para a neoindustrialização do Brasil.
A perspectiva é fabricar, até 2026, 50% do que se usa no SUS e, até 2030, 70%. Para isso, as indústrias públicas de medicamentos são fundamentais, não só para produção mas para a pesquisa e desenvolvimento.
Ao todo, hoje existem 23 em funcionamento no Brasil, com destaque para o Biomanguinhos, que fez a vacina Astrazeneca contra a Covid, o Butantan, que também fez outra vacina de Covid, a Coronavac e Farmanguinhos.
No nordeste, a referência é o Lafepe (PE), que produz há 60 anos sem parar. Mas se depender dos planos da Dra. Ceuci, essa correlação de forças vai mudar em muito pouco tempo.
Histórico
A Bahiafarma já fabricou medicamentos para os programas de saúde pública do SUS, como hanseníase, tuberculose, além de sólidos orais (comprimidos) e injetáveis. A fábrica foi fechada em 1996, no governo Paulo Souto, e reaberta em 2012 na gestão de Jorge Solla à frente da Secretaria de Saúde no governo Jaques Wagner.
Entraves junto ao Ministério da Saúde prejudicaram a operacionalização da fábrica, que acabou interrompendo as atividades. “Principalmente por conta da gestão Bolsonaro, que retirou projetos da Bahiafarma, levou para outros laboratórios, fez uma lambança com essa área”, aponta Ceuci.
Hoje, o parque fabril está sendo concluído e deve começar, já no próximo ano, a produzir embalagens secundárias de alguns medicamentos. É a primeira etapa para as PDP´s, parcerias de desenvolvimento de produto, que fazem parte do programa do Ministério da Saúde para estimular os laboratórios públicos.

“Primeiro você faz a embalagem secundária, que é a caixa grande, depois a embalagem primária, caixa pequena, até você receber a tecnologia e começar a produzir aqui’, explica Ceuci. “Isso é importante porque dá sustentabilidade também econômica, porque no momento que você fecha o contrato de parceria, já pode vender o produto para o SUS”. Isso gera receita.
Os remédios produzidos em PDP são voltados para atender a demanda do SUS junto ao Ministério da Saúde, mas estados e municípios também podem adquirir através de licitação. Os laboratórios públicos só não podem vender para instituições privadas.
Recursos
Logo que assumiu o comando da Bahiafarma, Ceuci Nunes e sua equipe buscaram viabilizar a estruturação física da fábrica e, ao mesmo tempo, se habilitar para a produção de uma variedade de medicamentos.
Um contrato de gestão com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) garantiu R$ 96 milhões para custear a fábrica durante três anos, até o fim de 2026. Paralelo a isso, a direção encaminhou ao Ministério da Saúde 5 projetos de PDCEIS (programa de desenvolvimento do complexo econômico-industrial da saúde), com um valor total aprovado de R$ 222 milhões para a produção de sólidos orais e kit´s diagnósticos, além da instalação de um sistema de captação de energia solar.
Vencida essa etapa, a Bahiafarma entrou na disputa para viabilizar parcerias de produção e de desenvolvimento de produtos. Ao todo são 18 projetos, sendo 15 PDP´s e 3 PDIL´s (Programa de Desenvolvimento e Inovação Local), além do registro na Anvisa de 10 kit´s de teste rápido, do quais 7 já foram aprovados.
Já têm registro e aguardam aprovação do PDP os testes rápidos de dengue, malária e sífilis. Os testes para hepatites B e C, zika vírus e malária têm registro, mas ainda não foram submetidos ao PDP.
Situação inversa a dos testes de HIV e HTLV – doença com alta frequência na Bahia e que provoca paralisia e leucemia – que aguardam registro na Anvisa, mas já têm proposta de PDP encaminhada. O teste de sífilis duo (que afere não só a contaminação, mas a exposição à doença) aguarda o registro e ainda não tem proposta de PDP.
Outros 5 PDP´s em análise são relativos à produção de sólidos orais, em parceria com duas empresas nacionais, a Cristalia e a EMS. Para os testes rápidos de dengue, a parceria é com o laboratório chinês Beijing Hotgen. A expectativa é começar a produzir as embalagens secundárias já em 2026 para, em etapas, iniciar o processo de absorção da tecnologia.
“O registro habilita a Bahiafarma a entrar na comercialização de kit´s diagnósticos e insere a Bahia nesse cenário hoje dominado por Sul e Sudeste”, projeta Márcia Telles, diretora da qualidade da fundação.
Ousadia
As propostas dos 5 PDP´s restantes são consideradas pela Dra. Ceuci uma ‘ousadia’. Trata-se de parcerias para produção de biológicos, anticorpos monoclonais para tratamento de doenças raras e câncer, ‘o que tem de mais moderno na indústria farmacêutica’.
Mas, além de incorporar, produzir e distribuir medicamentos já existentes, a Bahiafarma tem o propósito de desenvolver seus próprios fármacos. Os PDIL´s que aguardam aprovação no Ministério da Saúde podem alavancar a fundação e fazê-la assumir o protagonismo no Nordeste.
São três projetos para produção de hidroxiureia pediátrica, probiótico para neuropatia diabética e um teste rápido de infecção urinária. O primeiro, desenvolvido em parceria com a UFBA e a UNEB propõe suprir uma lacuna no tratamento da anemia falciforme em crianças a partir 8 meses, reduzindo em até 40% o índice de mortalidade.
Outra parceria, com a UFRB, está desenvolvendo um probiótico para tratar neuropatia diabética. E o terceiro projeto, desenvolvido junto ao Senai/Cimatec, promete detectar Infecção urinária em 15 minutos, agilizando o diagnóstico na atenção básica.
Os biológicos em questão serão produzidos em parceria com a farmacêutica brasileira Bionovis e a coreana Samsung. Sim, a marca mundial de eletrônicos é uma das principais farmacêuticas de biosimilares do mundo.
"A produção própria traz uma grande economia para o SUS, uma vez que os medicamentos de alto custo consomem uma grande parte do orçamento e traz a Bahia para outro patamar tecnológico", diz Ceuci Nunes. "A Bahiafarma pode ocupar protagonismo no Nordeste", acrescenta Márcia Telles.
Conteúdo nacional
Além de desenvolver a pesquisa, projetos como esses cumprem o papel de reduzir a dependência externa, um problema que a diretora Ceuci Nunes conhece bem, pela experiência acumulada durante a pandemia de covid-19.
“Nós ficamos ajoelhados para conseguir comprar coisas básicas. Tudo era produzido no exterior, principalmente China, Índia e Estados Unidos. Quem tinha poder aquisitivo saiu comprando tudo, a gente teve dificuldade de comprar luva, máscara, anestésico, então isso foi um choque, porque a gente vinha no caminho da desindustrialização”.
Garantir abastecimento é apenas uma das razões para investir no desenvolvimento de novos fármacos. Os projetos em estudo na Bahiafarma abrem um leque de possibilidades para o desenvolvimento da ciência e da economia locais.
Em 2023, o Ministério da Saúde enviou quatro técnicos para a Coreia, com intuito de estudar biológicos. Isso está ajudando nos projetos. Uma parceria com a Fiocruz está formando 28 profissionais para a indústria farmacêutica, ramo que não é estudado nos cursos de farmácia.
Com a estruturação da Bahiafarma, tão logo comece a produzir, haverá demanda por profissionais e os cursos terão que expandir seus currículos, mas, para isso, os projetos precisam de continuidade, alerta Márcia Telles.
“A própria fabricação, o sistema de qualidade, a indústria farmacêutica é extremamente regulada, isso eleva o custo, e é pra elevar, para garantir eficiência e eficácia do medicamento. Aí você estabelece toda uma planta, um sistema de qualidade e depois isso perde a continuidade”?
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