SAÚDE MENTAL
O que a neurociência diz sobre pessoas perfeccionistas — e por que algumas sofrem mais
Cientista brasileiro explica o que acontece no cérebro de quem não suporta falhar

Por Ana Cristina Pereira

Dizer que alguém é perfeccionista é comumente um elogio por seu rigor e detalhismo. Mas esse traço da personalidade também pode trazer sofrimento, quando paralisa as pessoas diante dos erros e desafios cotidianos. “A forma como lidamos com falhas está diretamente ligada à arquitetura cerebral e ao autoconceito”, afirma o neurocientista Fabiano de Abreu, um dos autores de um estudo inédito que explora as bases neurobiológicas do perfeccionismo.
Realizada em parceria com o psiquiatra Flávio H. Nascimento, a pesquisa mostra que o equilíbrio químico no nosso cérebro é determinante para definir se o perfeccionismo será adaptativo ou prejudicial. E está diretamente relacionado à presença ou ausência de dois neurotransmissores ligados ao prazer, compensação e equilíbrio: a dopamina e o glutamato, em determinadas regiões cerebrais.
Nessa entrevista exclusiva, o doutor Fabiano explica como o mecanismo funciona e como manter o equilíbrio é fundamental para aprendermos a tirar proveito da autocrítica e crescer com os fracassos. Para isso, é preciso apostar em um estilo de vida mais saudável - sono adequado, exercícios físicos regulares, alimentação equilibrada e técnicas como meditação e pensamento otimista - e, quando necessário, recorrer à psicoterapia.
Outro aspecto mostrado no estudo é a influência do ambiente em que crescemos, que podem potencializar o lado ruim do perfeccionismo. “Crianças expostas a críticas constantes, validação condicional e cobrança excessiva internalizam padrões de desempenho como condição para o afeto. Isso gera um modelo mental rígido, em que errar equivale a falhar como indivíduo”, alerta o cientista.
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Como a ciência define o perfeccionismo?
O perfeccionismo é reconhecido cientificamente como um traço multidimensional da personalidade, com manifestações que oscilam entre a adaptabilidade e a disfuncionalidade. Neurobiologicamente, ele se ancora em estruturas como o córtex cingulado anterior (ACC) e o córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC), responsáveis pelo controle executivo, monitoramento de erros e tomada de decisões. Quando essas regiões operam de forma equilibrada, o perfeccionismo pode ser funcional. No entanto, alterações neuroquímicas, como baixos níveis de dopamina e excesso de glutamato na amígdala, podem converter esse traço em um fator de risco para sofrimento psíquico. Temos caso de uma mulher perfeccionista, psicóloga, que precisou de tratamento, só para se ter uma ideia.
Quando o perfeccionismo traz benefícios e quando ele prejudica o nosso bem-estar?
O perfeccionismo torna-se benéfico quando há regulação emocional eficiente e flexibilidade cognitiva. Nesses casos, a pessoa mantém padrões elevados sem se paralisar diante de falhas, que são interpretadas como oportunidades de crescimento. Por outro lado, quando associado à hiperatividade da amígdala e desregulação de neurotransmissores como dopamina e serotonina, o perfeccionismo assume uma forma mal-adaptativa ou desadaptativa, como é mais comumente chamado hoje em dia, caracterizada por autocrítica intensa, ansiedade e medo crônico de falhar. Esse desequilíbrio afeta diretamente a qualidade de vida e o bem-estar subjetivo.
O senhor poderia falar um pouco mais sobre o objetivo da pesquisa e como ela foi realizada?
A pesquisa combinou revisão sistemática da literatura, correlação com dados genéticos do projeto GIP (Genetic Intelligence Project) e aplicação de instrumentos qualitativos e quantitativos, como a escala HSPS (Highly Sensitive Person Scale) e o questionário de Dabrowski. O foco foi investigar como a sensibilidade de processamento sensorial (SPS) se relaciona com o perfeccionismo em indivíduos com alta capacidade cognitiva. Foram realizadas entrevistas em profundidade com superdotados, identificando padrões comportamentais e emocionais associados ao traço perfeccionista.
O que a pesquisa revelou sobre a forma como lidamos com os erros e a busca por excelência?
A forma como lidamos com falhas está diretamente ligada à arquitetura cerebral e ao autoconceito. Indivíduos com perfeccionismo adaptativo tendem a reelaborar o erro como parte do processo de aperfeiçoamento, o que ativa mecanismos de resiliência e aprendizagem. Já o perfeccionismo disfuncional interpreta falhas como ameaças, exacerbando respostas emocionais negativas e perpetuando padrões de ruminação. Essas respostas estão associadas a disfunções no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e aumento do cortisol.
Quais os principais traços do perfeccionismo adaptativo e do prejudicial?
O perfeccionismo adaptativo é marcado por autodisciplina, capacidade de planejamento, orientação para metas e senso de responsabilidade. Ele preserva a saúde mental e a espontaneidade criativa. O perfeccionismo disfuncional, por sua vez, se manifesta por procrastinação, rigidez mental, necessidade exacerbada de aprovação externa e baixa tolerância ao erro. Do ponto de vista neurobiológico, esses perfis diferem na ativação de áreas executivas e na regulação do sistema límbico.
Como manter o equilíbrio cerebral para que a busca pelo perfeccionismo não inviabilize a rotina?
É necessário estimular a neuroplasticidade positiva por meio de práticas que favoreçam a modulação neuroquímica. Entre elas, destacam-se a manutenção de sono adequado, exercícios físicos regulares, alimentação equilibrada e técnicas como meditação e pensamento otimista. Essas práticas regulam os níveis de dopamina e serotonina, essenciais para a estabilidade emocional e a flexibilidade cognitiva. Intervenções psicoterapêuticas como a Terapia Cognitivo-Comportamental também auxiliam na reestruturação de crenças disfuncionais ligadas ao perfeccionismo.
O estudo também analisou como o ambiente em que crescemos pode potencializar o perfeccionismo disfuncional. Como isso acontece?
O ambiente familiar e educacional exerce influência decisiva na formação do traço. Crianças expostas a críticas constantes, validação condicional e cobrança excessiva internalizam padrões de desempenho como condição para o afeto. Isso gera um modelo mental rígido, em que errar equivale a falhar como indivíduo. Por outro lado, ambientes que valorizam o processo, encorajam a autonomia e reforçam a autoestima mitigam os efeitos nocivos do perfeccionismo.
Como pais e educadores podem contribuir para que as crianças possam tirar o melhor proveito desse traço da personalidade, tornando-se um adulto mais equilibrado?
A atuação preventiva e formativa de pais e professores é essencial. É preciso reforçar o valor do esforço, permitir a experimentação sem punição pelo erro e incentivar o pensamento crítico sobre metas e expectativas. Ao estimular a metacognição e desenvolver a autorregulação emocional desde a infância, cria-se uma base sólida para que o perfeccionismo se manifeste de forma saudável. A escuta ativa, a validação emocional e o exemplo de equilíbrio são estratégias educativas com alto impacto.
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