INCLUSÃO
Bahia é pioneira na implementação de cota trans nas universidades
Dentre as universidades que ofertam a modalidade, estão a UFBA, Uneb, UFRB, UFSB, Uesb e Uefs
“A política de cotas é uma reparação, visto que historicamente somos um público vulnerável”, diz a estudante de Serviço Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Camili Nascimento, de 35 anos. Para ela, num país em que as oportunidades acadêmicas e de mercado de trabalho para pessoas trans são escassas, levando muitas para prostituição, a medida de implementação de cotas para pessoas trans, é um avanço, mesmo que a passos lentos.
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Em setembro deste ano, a Universidade Federal Fluminense (UFF), se tornou a primeira universidade do Rio de Janeiro a implementar cotas de graduação e pós-graduação para pessoas trans. A medida começa a valer a partir de 2025.
No entanto, a Bahia é pioneira na implementação de cotas para as pessoas trans nas universidades públicas do Estado. Dentre todas as instituições da Bahia, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi a percussora da implementação de cotas para pessoas trans, em março de 2018. Universidades que se propõem a implementar cotas para as pessoas, tem como obrigatoriedade reservar vagas dos cursos para essas pessoas.
Em entrevista ao Portal A TARDE, o Pró-Reitor de Ações Afirmativas da UFSB, Sandro Augusto Ferreira, explica que a universidade “é obrigada a ofertar uma vaga supranumerária. Não é uma reserva da quantidade de vagas ofertadas, é uma vaga além dessa. Ou seja, se o curso disponibiliza 30 vagas, é necessário frear cada uma para esse segmento, criando uma vaga, independente da quantidade de vagas, e ela é exclusiva para o segmento, ou seja, pessoas trans”. Na UFSB, a quantidade de cursos depende da quantidade de cursos ofertados no edital, mas em média, são de 40 a 50 cursos, segundo Sandro.
Na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) não é diferente. A Pró-Reitora de Ações Afirmativas da universidade, Dina Rosário, afirma que, contudo, a universidade teve algumas mudanças nos últimos anos, para ampliar o número de vagas para pessoas trans. Com a Resolução 1.339, se ampliou o sistema de cotas e foi estabelecido, entre outras medidas, 5% de sobrevagas para pessoas trans.
Já neste ano, com a Resolução 1.663, existe uma especificação com relação às vagas ofertadas para pessoas mulheres trans, homens trans, travestis e não-bináries. “É importante ter essa especificação, buscando garantir que as pessoas que têm direito a essas vagas aplicadas ao sistema de cotas, as ocupem dentro desse espectro”, ressalta Dina.
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Desde o ano de 2019, a universidade oferta vagas em cotas para pessoas trans, independente de cursos e modalidades, seja graduação [bacharelado e licenciatura], pós-graduação [lato sensu e stricto sensu] ou tecnólogo. “A quantidade de vagas varia de acordo com o número de vagas ofertadas em cada um dos processos seletivos”, diz.
Para ingressar como cotista na Uneb, é necessário ter cursado o Fundamental II e Ensino Médio na rede pública de ensino, e a renda bruta familiar precisa ser de até ou menos de quatro salários mínimos. Além de poder ser acessado apenas na primeira graduação ou na primeira pós-graduação.
De acordo com Dina, são 5% do número de vagas para todos os cursos em todas as turmas. “A depender do curso, tem uma entrada prevista, com 50 estudantes e uma entrada prevista para 30 estudantes”, afirma Dina.
Um espaço de pertencimento
O respeito e o acolhimento foi o que fez com que a estudante de Pedagogia, da Uneb, do campus da cidade de Barreiras, Ingrid Barbosa, de 27 anos, escolhesse a universidade como forma de ingresso ao nível superior.
Foi de extrema importância saber que aqui na universidade tinha essa política, e para reafirmar a minha identidade.
“Foi de extrema importância saber que aqui na universidade tinha essa política, e para reafirmar a minha identidade. Eu pensei que como é uma universidade que está garantindo políticas públicas para pessoas trans e travestis, com certeza é uma universidade que vai garantir também o acolhimento”, diz a estudante.
A Uneb tem diversos grupos e políticas públicas voltadas para as pessoas LGBTQIAPN+, como é o caso do coletivo UniTrans, que tem um diálogo com o Conselho Estadual do Direito à Pessoa LGBTQIAPN+.
Para Camili, estudante da UFBA, além de ser uma forma de reparação histórica, também é uma forma de permitir o acesso a um ambiente que desde sua criação foi relegado para pessoas brancas e cisgênero.
É uma reparação para as pessoas trans, travestis e homens trans, que vai permitir o acesso a universidade, que é um local de poder.
“É uma reparação para as pessoas trans, travestis e homens trans, que vai permitir o acesso a universidade, que é um local de poder, então eu acredito que essas medidas é um começo no balanço, porque historicamente esse lugar não é pensado em corpos trans, então ter essa política como forma de inserção na universidade, vai possibilitar novos caminhos, para que a gente consiga, de fato, nos formar e estar num lugar formal”, salienta.
Para o Pró-Reitor Sandro Ferreira, a política de cotas para as pessoas trans tem um poder transformador e de combate à exclusão e ao preconceito no ambiente acadêmico. “Temos uma leitura de que a reserva de vagas tem um efeito prático de possibilitar que pessoas que não tinham a universidade como horizonte, e que inclusive, mesmo que tivessem, com processo de concorrência direta, em outros segmentos, tenham esse papel de criar uma chance de entrar para a universidade”.
Ocupação de vagas
Um dos problemas relacionados a política de cotas para as pessoas trans é a pouca ocupação das vagas. De acordo com o Pró-Reitor da UFSB, todas as vagas não são ocupadas, principalmente em cursos mais concorridos como medicina e direito, que algumas vezes, tem apenas uma vaga.
“Foi disponibilizada no Sisu para medicina, para pessoas trans ter ocupado, em média, 3 ou 4 aprovados na vaga reservada por ano na UFSB, que são comprovados e se matriculam, as vezes, aprovam mais e não se matriculam, mas tem muitos alunos trans que vem por outras vagas, pela ampla concorrência, por outras categorias. Ou até se inscrevem para as vagas, mas passam pela ampla concorrência, porque quando não se tem concorrência, o número de vagas é menor”, explica.
Para a Pró-Reitora da Uneb, para tentar mitigar os problemas de acesso das pessoas trans ao ensino superior, é necessário olhar para a educação básica dessas pessoas, que muitas vezes, terminam desistindo dos estudos, por preconceito, exclusão, entre outros fatores. “Temos historicamente uma redução do quantitativo de pessoas que saem da educação básica para o nível superior”, diz.
As trajetórias acadêmicas das pessoas trans é muito mais acidentada, seja das pessoas trans pobres, que sequer chegam no ensino médio, e quando chegam, vem de uma formação precarizada.
“As trajetórias acadêmicas das pessoas trans é muito mais acidentada, seja das pessoas trans pobres, que sequer chegam no ensino médio, e quando chegam, vem de uma formação precarizada, seja no ensino particular, mesmo de pessoas trans de classe média, porque essas pessoas acabam interrompendo os estudos em razão das violências familiares que sofrem”, ressalta Sandro Augusto.
Permanência
Apesar dos avanços em relação a políticas de cotas para pessoas trans nas universidades públicas, a permanência na universidade ainda é um desafio. Marginalizados socialmente, o grupo trans apresenta dificuldades financeiras para se manter em ambientes acadêmicos.
A Bolsa Permanência de R$ 700 reais oferecidas por algumas universidades, caso da UFBA e Uneb, muitas vezes, não é o suficiente para arcar com os custos mensais. A UFSB tem o Auxílio Permanência - Pessoas Trans (APPT), no valor de R$ 400 reais.
“Para ampliação do ingresso na universidade, temos que avançar na política de permanência, que é o que temos adotado, porque percebemos que a maior parte desses alunos trans não ocupavam as vagas e quando ocupavam abandonavam porque não tinha o apoio de permanência, então mesmo que a pessoa tenha apoio à política de permanência estudantil geral da universidade, as pessoas acabavam não ingressando nessas vagas”, explica.
Com 16 anos de movimento LGBTQIAPN +, Camili afirma que as políticas afirmativas “precisam urgentemente ser favoráveis às pessoas trans, porque não adianta estar dentro da universidade, se a pessoa não consegue pagar o transporte, se não têm como almoçar, se não tem como manter os gastos dentro da universidade”.
A estudante Ingrid realiza pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre estudantes LGBTQIAPN+ em instituições de ensino, e percebeu que um dos maiores desafios é justamente garantir a permanência de pessoas desse grupo nas universidades. “Sabemos que viemos de uma sociedade que nos marginaliza o tempo todo e chegamos na instituição acreditando que vamos ter esse acolhimento para permanência e enfrentamos barreiras para que a nossa permanência seja garantida”, diz.
Também ofertam cotas para pessoas trans na Bahia, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).
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