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DIREITO DA MULHER

PL do aborto ‘naturaliza a cultura do estupro’, diz advogada baiana

PL também é alvo da OAB, que o declarou 'cruel e indubitavelmente inconstitucional'

Gabriel Gonçalves

Por Gabriel Gonçalves

17/06/2024 - 16:10 h | Atualizada em 17/06/2024 - 17:42
Imagem ilustrativa da imagem PL do aborto ‘naturaliza a cultura do estupro’, diz advogada baiana
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“O projeto de lei naturaliza a cultura do estupro. Evidencia a intenção dos legisladores em agravar a condição de subalternidade de mulheres e meninas, tratando-nos como cidadãs de segunda classe e não sujeitos de direito”.

A crítica acima é da advogada baiana Mariana Régis, especialista no direito da mulher e referência na advocacia feminista. O projeto de lei a que ela se refere é o PL 1.904/24, que equipara o aborto a partir da 22ª semana ao crime de homicídio simples, mesmo em caso de gestação resultante de estupro.

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Proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica, o PL prevê que a pena para a mulher que fizer um aborto após a 22ª semana de gestação seja de 6 e 20 anos de prisão. Já o estupro tem pena mínima de 6 anos caso a vítima seja adulta, mas pode chegar a 10 anos. Caso a vítima seja menor de idade, a pena é de 8 a 12 anos.

Caso seja aprovada, em um caso hipotético no qual uma mulher adulta tenha uma gravidez resultante de um estupro e interrompa a gestação após a 22ª semana, ela pode ser condenada a 20 anos de prisão, enquanto o seu estuprador ficaria entre 6 e 10 anos preso.

“Há um aspecto ainda mais perverso, quando pensamos na aplicação dessa possível lei: as mais prejudicadas serão as crianças. Afinal, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 76% dos casos de estupro registrados no país correspondem a vítimas com idade inferior a 14 anos. Quase 70% dos abusos acontecem dentro de casa, sendo praticados, em sua maioria, por seus pais ou padrastos”, diz a advogada.

Segundo ela, todo esse contexto traria uma enorme dificuldade para que se identifique a gravidez da menor, tornando extremamente difícil que ela consiga autorização para realizar o aborto legal antes das 22 semanas.

“Se pensarmos na população pobre ou que reside longe dos grandes centros urbanos, temos o agravante do pouco ou nenhum acesso à educação sexual, carência de recursos financeiros e distância geográfica dos hospitais onde se realizam o aborto legal como fatores que tornarão esse grupo social de meninas ainda suscetíveis à perda do direito à interrupção da gestação, pelo decurso do tempo previsto no PL”, aponta.

“Segundo as mesmas estatísticas, 20 mil crianças por ano são obrigadas a viver em maternidade forçada em razão do estupro. 70% delas são meninas negras. Logo, o impacto dessa lei, caso aprovada, será diferenciado também sobre a população negra”, acrescenta Mariana Régis.

Mariana Régis entende que o PL é um projeto político de controle dos corpos das mulheres
Mariana Régis entende que o PL é um projeto político de controle dos corpos das mulheres | Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Enquanto advogada atenta às questões de gênero, Mariana entende que o PL é um projeto político de controle dos corpos das mulheres. “A maternidade compulsória é, historicamente, uma forma de dominação masculina. Enquanto nós, mulheres comprometidas com a emancipação feminina, não pudermos participar ativamente dos processos deliberativos sobre as questões que atravessam unicamente a nossa existência, como a nossa vida sexual e reprodutiva, estaremos reféns das decisões de homens conservadores, e mais: da bancada evangélica ou seus aliados”, destaca.

A advogada, inclusive, crava que o projeto de lei é inconstitucional. “Em 2023, a ex-ministra Rosa Weber, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar pela descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação afirmou que: ‘A discussão normativa, diante de valores constitucionais em conflito, não deve violar o princípio constitucional da proporcionalidade, ao punir com prisão a prática do aborto’. Para ela, essa punição seria ‘irracional sob a ótica da política criminal, ineficaz do ponto de vista da prática social e inconstitucional da perspectiva jurídica’”, afirma.

“Como a Rosa Weber também sustentou em seu voto: ‘A tutela do direito à vida, por meio de medida interventiva extrema, como a criminalização, ao acarretar restrição nos direitos fundamentais das mulheres, necessitaria de justificação racional e idônea’. O que não se apresentou no projeto de lei em concreto, sendo, portanto, inconstitucional”, complementa.

Para Mariana, a pressa com a qual aprovação de urgência na votação do PL 1.904/24 é um sinal claro da falta de compromisso com a democracia, por parte dos apoiadores do projeto de lei.

“Caso se tratasse de um projeto de lei constitucional - o que não é - ele deveria ser previamente debatido com especialistas, representantes de entidades governamentais e da sociedade civil em audiências públicas para ter legitimidade democrática. Em outras Casas Legislativas também. Esse é o caminho a ser seguido para que uma lei tenha legitimidade democrática. Não parece ser a intenção da bancada evangélica e seus aliados. Esse pedido de urgência é um verdadeiro golpe antidemocrático”, enfatiza.

OAB classifica PL como ‘cruel e indubitavelmente inconstitucional’

Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) da OAB
Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) da OAB | Foto: Divulgação/OAB

A Ordem dos Advogados do Brasil anunciou nesta segunda-feira, 17, o resultado do parecer técnico-jurídico de comissão da instituição criada para analisar o PL 1.904/24. Para a entidade, o projeto de lei é inconstitucional.

Em nota, a OAB informou que o parecer foi resultado de “análise técnico-jurídica, abordando o direito à saúde, o Direito Penal e o Direito Internacional dos direitos humanos, levando em consideração os aspectos constitucionais, penais e criminológicos do texto. Desta forma, o posicionamento do grupo não se confunde com posicionamento contra ou a favor da descriminalização do aborto”.

“O texto grosseiro e desconexo da realidade expresso no Projeto de Lei 1904/2024, que tem por escopo a equiparação do aborto de gestação acima de 22 anos ao homicídio, denota o mais completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do Brasil, além de simplesmente ignorar aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vítima de estupro; da saúde clínica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação e da saúde mental das mulheres que carregam no ventre um anincéfalo. Todo o avanço histórico consagrado através de anos e anos de pleitos, postulações e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”, destaca a comissão em trecho do parecer.

O parecer também pede pelo arquivamento do projeto de lei. O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, destacou que a decisão da Ordem será encaminhado à Câmara dos Deputados.

Através de nota assinada por sua presidente, Patrícia Vanzolini, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP) também se manifestou sobre o projeto de lei e a aprovação do caráter de urgência em sua votação.

“Em primeiro lugar, o projeto estabelece limites mais rigorosos para a interrupção da gravidez decorrente de estupro, restringindo-a até a 21ª semana. Esta mudança impõe uma barreira significativa para as meninas e mulheres que foram estupradas, muitas vezes obrigando-as a levar a gravidez a termo, o que pode ser considerado tratamento cruel e degradante. Além disso, essa previsão ignora a realidade de muitas mulheres brasileiras que sofrem estupro e enfrentam um longo caminho até conseguirem um aborto legal, frequentemente ultrapassando as 22 semanas”, diz a nota.

A nota da OAB-SP destaca ainda que o projeto de lei aumenta consideravelmente as penas para a mulher que realizar um aborto após a 22ª semana de gestação, “algo sem precedentes na legislação brasileira desde 1830”.

“É comprovado que a criminalização severa do aborto não reduz a sua ocorrência, mas empurra as meninas e mulheres, principalmente as mais pobres, para procedimentos clandestinos inseguros e com alto risco de vida, aprofundando a discriminação social”, finaliza.

Protestos contra o projeto de Lei

Protesto foi realizado na Estação da Lapa, na última sexta-feira
Protesto foi realizado na Estação da Lapa, na última sexta-feira | Foto: Gabriel Moura / Ag. A TARDE

Centenas de manifestantes ocuparam a Estação da Lapa, em Salvador, na última sexta-feira, 14, para expor a revolta contra o PL 1.904/24. O ato foi convocado por mulheres de diversos movimentos, organizações e partidos.

Presente no protesto, a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa das Mulheres da Defensoria Pública da Bahia, Lívia Almeida, tratou o projeto de lei como absurdo. “Viola os tratados internacionais de direitos humanos do qual o Brasil faz parte, viola a Constituição, obriga uma menina, uma mulher, a ser punida duas vezes: uma com o estupro e outra com a cadeia", disse.

No último domingo, 16, também foi realizada uma manifestação contra o projeto de lei, em São Paulo.

O protesto, que começou às 15h, em frente ao Masp, atraiu mais de 50 grupos da sociedade civil e entidades defensoras dos direitos humanos. A organização estimou a presença de cerca de 5 mil pessoas, majoritariamente mulheres e jovens, ocupando todas as faixas da Avenida Paulista.

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Tags:

aborto e legislação advocacia feminista direitos das mulheres Inconstitucionalidade protestos sociais violência de gênero

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