COP30
Comida cara na COP? Entre lacre, likes e resultados
Preço dos alimentos é um dos pontos que chamam atenção na conferência

Por Georges Humbert*

Acompanho as Conferências das Partes (COP) da ONU há mais de uma década. De Glasgow a Dubai, passando por Sharm El-Sheikh, ele presenciou debates acalorados sobre emissões, adaptação e, inevitavelmente, as reclamações sobre os preços da comida nos eventos.
Na COP30, realizada em Belém do Pará, Brasil, não é diferente: surgiram críticas sobre os valores “exorbitantes” de lanches e refeições. Mas será que isso é realmente um escândalo único ou apenas um mito alimentado por expectativas irreais?
Primeiro, é necessário contextualizar: as COP são megaeventos globais, reunindo dezenas de milhares de delegados, jornalistas, ativistas e observadores. Na COP28, em Dubai, os menus foram descritos como “caros, pouco saudáveis e, às vezes, insuficientes” por participantes
Um orçamento diário para alimentação variava entre 80 e 100 dólares americanos, incluindo itens como lanches a preços elevados.
Na COP26, em Glasgow, quase 60% dos pratos incluíam carne ou laticínios, e os preços foram criticados não só pela sustentabilidade, mas também pelo custo alto, com refeições simples chegando a valores comparáveis a um jantar em restaurante de luxo.
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Em Katowice, na COP24, opções de carne tinham pegadas de carbono 24 a 35 vezes maiores que as vegetais, mas os preços seguiam o padrão de eventos internacionais, com lanches básicos superando os 10 euros.
Comparando com a COP30, as reclamações iniciais sobre preços – como uma coxinha a R$ 35, água a R$ 20 e cappuccino a R$ 35 – não são novidades. Jornalistas como Márcio Gomes, da CNN Brasil, relataram gastos de quase R$ 100 em um simples salgado e refrigerante, gerando repercussão nas redes. Após as críticas, os quiosques decidiram reduzir os valores, demonstrando responsividade dos organizadores e vendedores.
Mas por que esses preços parecem tão altos inicialmente? A resposta reside nos custos invisíveis de instalação e logística. Para se tornar fornecedor oficial em uma COP, as empresas precisam cumprir rigorosos editais da ONU, incluindo seguros contra intoxicação alimentar, conformidade com padrões de sustentabilidade e higiene, e logística para transportar alimentos frescos para locais remotos como Belém. Custos com transporte, armazenamento refrigerado e mão de obra qualificada em um evento de escala global elevam os preços.
Na COP30, o alto custo de acomodações – até 600 dólares por noite, superior a edições anteriores – reflete um “crunch logístico” geral, que afeta também os vendors de comida. Relatórios sobre logística de eventos destacam que taxas de venues, suprimentos e seguros podem adicionar custos ocultos de até 30-50% ao preço final. Isso não é exclusividade brasileira; em Dubai ou Glasgow, fornecedores enfrentam desafios semelhantes, como importação de ingredientes e conformidade com regras internacionais.
Além disso, os preços variam significativamente dependendo da zona do evento, o que muitas críticas ignoram. A Blue Zone, espaço oficial gerenciado pela UNFCCC para negociações e delegados credenciados, apresenta custos mais elevados devido à segurança reforçada, restrições de acesso e infraestrutura premium. Nessa área, refeições podem ser mais caras, mas há opções gratuitas em pavilhões de países, como degustações em estandes nacionais. Já a Green Zone, aberta ao público e focada em exposições e debates da sociedade civil, oferece opções mais acessíveis, com food trucks e vendors locais a preços próximos do mercado externo, incluindo refeições completas por R$ 40 em alguns pontos.
Eventos paralelos oficiais (Official Side Events) podem ter faixas de preços variadas, dependendo dos organizadores e patrocinadores, frequentemente com opções subsidiadas ou gratuitas para promover discussões temáticas.
Embora reclamações sejam válidas e possam levar a ajustes, como ocorreu na COP30, elas não configuram uma anomalia brasileira, mas sim um padrão internacional de eventos dessa natureza e grandeza. Para mitigar isso, participantes podem explorar opções nas zonas mais acessíveis ou pavilhões nacionais.
Entre lacres e likes, o “mito da comida cara na COP” persiste porque ignora o contexto comparativo com edições anteriores, os elevados custos operacionais inerentes a eventos globais e as diferenças entre as zonas do evento, que o foco permaneça nas negociações climáticas urgentes, e não em lanches superfaturados.
*Georges Humbert é correspondente especial do jornal A TARDE na COP30, em Belém (PA)
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