BRASIL
Demissão nas alturas: Azul acende alerta após perder mais de 14 pilotos
A companhia aérea tem enfrentado ações geradas a partir da revolta dos pilotos após mudanças nas escalas

Por Iarla Queiroz

A Azul Linhas Aéreas acendeu o sinal de alerta depois que um levantamento interno revelou índices recordes de pedidos de demissão entre seus pilotos.
A companhia, que está em processo de reestruturação nos Estados Unidos pelo Chapter 11, vem enfrentando mudanças constantes nas escalas desde o fim de 2023 — fator que tem causado frustração tanto em pilotos quanto em comissários.
Escala de voo em xeque
Pilotos relataram que alterações de última hora no chamado “final de jornada” têm gerado forte estresse. Muitos organizam atividades familiares e sociais durante o período de descanso, mas acabam obrigados a remarcar, já que a empresa altera o horário de início ou fim, prática que, apesar de legal, não é considerada adequada e é mais comum na Azul do que em outras companhias aéreas, nacionais ou internacionais.
Outro ponto de insatisfação é o salário mais baixo, que antes era compensado por benefícios — hoje reduzidos. Além disso, a criação de bases virtuais em cidades menores, com a promessa de mais voos e consequentemente maior remuneração por horas voadas, também não tem agradado.
Entre os comissários, as queixas envolvem a necessidade de manter ao mesmo tempo três habilitações válidas (ATR, Embraer e Airbus A320), o que gera sobrecarga de estudo, sobretudo quando as renovações são simultâneas. Apesar disso, o êxodo ainda não é tão expressivo como entre os pilotos, embora muitos já cogitem migrar para outras áreas fora da aviação.
Redução de pernoites e carreira travada
A Azul também diminuiu os pernoites para economizar em hospedagens, o que obriga tripulantes a retornarem às suas bases em voos noturnos. Isso os faz chegar em casa mais tarde, próximos ao limite regulamentar para assumir outro voo no dia seguinte.
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Outro ponto sensível é a falta de clareza na progressão de carreira, que antes da pandemia era mais previsível. Desde 2023, a empresa aumentou a contratação de pilotos externos para jatos Airbus A320, enquanto aviadores experientes de aeronaves menores, como ATR 72 e Embraer E195, aguardavam promoções há mais de cinco anos.
Embora alguns tenham sido promovidos diretamente para o A330, essa medida desagradou pilotos que já estavam no A320 e esperavam avançar para o modelo maior.
Relatório interno confirma crise
De acordo com um relatório interno obtido pelo AEROIN na última segunda-feira (8), em todo o ano de 2024 foram registradas 113 saídas de pilotos, sendo 83 por demissão voluntária.
Em 2025, apenas até a primeira semana de setembro, já foram 128 desligamentos — média de 14,2 pilotos a menos por mês. Desses, 92 pediram desligamento e 36 foram dispensados pela empresa. Entre os que saíram, 92 eram comandantes e 36 copilotos.
A maioria dos comandantes (60%) tinha mais de 10 anos de empresa e operava aeronaves maiores, como o Airbus A320 e o A330. Já entre os copilotos, quase metade (47%) tinha menos de dois anos de casa.
Os motivos mais citados entre os comandantes foram: salário (41%), progressão de carreira (24%), qualidade de vida (19%) e escala de voo (13%). Entre os copilotos, a divisão foi mais equilibrada: qualidade de vida (28%), salário (27%), progressão (22%) e escala (11%).
Para onde estão indo
A maioria dos pilotos foi para a LATAM (45). Outros migraram para a aviação executiva (9), para a GOL (4), para a Etihad Airways (3) e para a Avion Express (2). Dez não informaram o destino.
Um dos pilotos que deixou a Azul relatou, sob anonimato:
“Entrei pela Azul Conecta e esperava crescer até chegar no Airbus, seja o A320 ou A330. Mas a quantidade de voos variava, havia cancelamentos e o salário era quase igual ao de quem trabalhava no escritório. Colegas que formaram comigo tiveram acesso a aviões maiores, enquanto eu não tinha clareza sobre quando seria promovido. Acabei aceitando proposta da concorrente, minha rotina melhorou e hoje penso até em ir para o exterior. A Conecta parece uma ‘escolinha’, ninguém quer ficar lá voando avião pequeno e ganhando menos que em táxi aéreo, mas com a responsabilidade de uma companhia regular.”
Essa prática de contratar diretamente pilotos para aeronaves maiores tem como objetivo reduzir custos de treinamento, já que a promoção interna exige mais investimentos em cursos e habilitações.
Taxa de demissão recorde
A taxa de desligamento de pilotos em 2025 já alcança 5,2%, superando o recorde de 2023 (5,0%) e quebrando a queda registrada em 2024 (3,8%). No geral, a taxa de demissões da Azul está em 6,4% neste ano, próxima ao recorde de 6,6% registrado em 2022, durante a pandemia.
Um funcionário do RH, que também pediu sigilo, comparou a situação a um relacionamento:
“O piloto é movido por paixão. É como entrar em um namoro e descobrir depois que a pessoa é tóxica. Isso quebra planos. A política de deixar internos apenas para a Conecta gera conflito e desanima até quem já está em aviões maiores. Os novatos, que entram direto nos jatos, também não são bem vistos pelos veteranos. Já tentei alertar a diretoria, mas disseram que é decisão de cima. Agora temos voos em setembro e outubro com escala desfalcada e precisaremos mexer em programações já feitas para não faltar copiloto ou comandante.”
Perspectiva até o fim do ano
O relatório aponta que a companhia deve perder mais 36 pilotos até dezembro, fechando 2025 com saldo negativo de 164 profissionais.
A situação não é ainda mais grave porque, dentro do Chapter 11, a Azul está devolvendo aeronaves e cortando rotas, o que diminui a demanda por tripulantes.
Segundo o próprio documento aponta, a dificuldade está nas pontas: reter os copilotos que entraram há pouco na empresa e manter os comandantes mais antigos. Porém, ainda uma medida efetiva não foi tomada, com vários planos sendo estudados, mas a própria Azul estima que perderá mais 36 pilotos até dezembro, fechando o ano com um saldo negativo de 164 aviadores. A situação na companhia só não é pior exatamente pelo fato de passar pela reestruturação do Chapter 11, que inclui devolução de aeronaves e corte de rotas, que reduz por sua vez a demanda por pilotos.
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