FOLIA!
Carnaval pipoca se mistura com os 40 anos da axé-music
Foliões narram memórias das ruas durante o festejo em diferentes épocas e compartilham os seus planos para a festa momesca de 2025
Por Priscila Dórea
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Uma pitada de samba e reggae, uma porção de ritmos africanos, outras influências de lá e acolá que vão do frevo ao rock... E temos a axé music. O nascimento do ritmo Axé há 40 anos revolucionou o meio musical brasileiro e mudou para sempre o Carnaval baiano. Sua introdução na festa momesca foi uma das grandes mudanças que ocorreram ao longo da história do Carnaval da Bahia.
Desde os bailes da elite no século 19, a festa cresceu em público, território, diversidade musical e tem se voltado cada vez mais para aquele que é considerado por muitos a melhor forma de curtir a folia: o Carnaval Pipoca.
“Sempre saí na pipoca, é o melhor jeito de curtir de verdade o Carnaval. Sinto falta daquele Carnaval do tempo de Dodô e Osmar, sabe? Era mais tranquilo e com menos confusão e gente. Era uma delícia. Isso, claro, não me impede de continuar curtindo nos dias de hoje”, afirma risonha a autônoma Marinalva da Silva Oliveira, de 60 anos. Natural de Salvador, ela reveza o tempo entre a capital baiana e Florianópolis, onde parte da família mora, mas diz: “sempre me organizo para estar em Salvador no Carnaval”, conta.
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Estrelas da axé music como Luiz Caldas, Sarajane e a Banda Mel continuam no radar de Marivalda, assim como os blocos de samba – pelos quais é apaixonada – e Ivete Sangalo, que este ano irá puxar dois trios-pipoca.
A ordem e horário de saída ainda não foram divulgados, mas mais de 15 artistas já confirmaram trios pipocas nesse Carnaval. Entre eles, Saulo, Psirico, Parangolé, Armandinho Dodô e Osmar, Daniela Mercury, Durval Lelys, BaianaSystem e Xanddy Harmonia, que irão fazer a cidade tremer em homenagem aos 40 anos da axé music – tema oficial do Carnaval de Salvador em 2025.
“Meus carnavais nos anos de 1980 eram de pura folia. Com a chegada do Axé a coisa ficou melhor ainda, pois a mistura se generalizou e até as paqueras ficaram mais frequentes”, conta o folião aposentado Adailton Amancio dos Santos, de 73 anos, que recorda saudoso do tempo em que o Carnaval de Salvador só existia no Campo Grande/Praça Castro Alves (Circuito Osmar).
O crescimento da festa e a criação de novos circuitos, segundo Adailton, fizeram o Carnaval ficar diferente. “A procura hoje está maior que a oferta e os blocos vendem todas as fantasias antecipadamente. É uma verdadeira loucura o Carnaval”, afirma.
Quando ainda brincava na folia, Adailton tinha os blocos Eva e Camaleão entre os seus preferidos, mas o Alvorada – bloco de samba que está comemorando 50 anos – ainda hoje é a sua grande paixão. “O Alvorada para mim foi o começo de tudo. Ficávamos na Ladeira da Independência no aguardo da turma que vinha do Gravatá. As apresentações não tinham nada de especial, o gostoso era a mistura, o contato pessoal e a celebração de novas amizades. Até hoje tenho amigos encontrados no Carnaval”, conta ele.
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Reorganização
Nesses anos de folia, o que não faltam são histórias de como a festa momesca mudou, e em 2025 outra mudança espera os foliões: com a venda do terreno na Graça onde o trios do Circuito Dodô estacionavam, um novo local ainda está sendo escolhido para estacionar os trios e carros de apoio – que ano passado somavam 40 veículos –, mas já foi confirmado que apenas 26 veículos por dia serão permitidos no circuito. No entanto, de acordo com o presidente do Conselho Municipal do Carnaval (Comcar) Washington Paganelli, as atrações não serão reduzidas, e sim redistribuídas. “Vamos ter um Carnaval com todas as atrações confirmadas, todos os blocos, todas as grandes atrações, e tenho certeza que será um ótimo Carnaval”, afirmou.
Essa mudança vem em bom momento se levarmos em conta o acontecido no Carnaval de 2024, quando a superlotação no Circuito Dodô fez com que os portais de entrada do Barra/Ondina fossem fechados por algumas horas.
“O que houve no Carnaval passado teria que ser repensado mesmo, é uma redução que busca fluidez e até economizar recursos, mas pode acabar fazendo o folião pipoca perder um pouco de suas atrações, assim como pode haver perdas para os proprietários dos trios. As mudanças no Carnaval de Salvador são constantes e o que precisamos fazer diante de tudo isso é encontrar um equilíbrio”, afirma o presidente da Associação Baiana de Trios Elétricos Independentes (ABTI), Ari Andrade.
Vocalista da Banda Mel – que recém completou seus 40 anos e estará com o folião pipoca nos circuitos Dodô, Osmar e Batatinha nesse Carnaval –, Márcia Short ressalta que é preciso pensar em um Carnaval que cuide e respire soluções mais efetivas. “Para isso é preciso experimentar percursos ao longo do ano, para que todos, da produção, ao cantor e o público, possam vivenciar e experimentar esses locais. Experenciar antes de impor, de enfiar goela abaixo”, explica a cantora.
Diversos artistas ligados à axé music irão puxar trios pipoca no Carnaval 2025
Márcia Short aponta ainda que essa mudança e maior vontade de fazer o melhor deve ser pensado dentro da própria a cena da axé music.
“É uma cena que se renovou pouco e que se mantém forte através dos veteranos que continuam resistindo. O axé music possui músicas que tocam e estão presentes no coração das pessoas há décadas, mas é um movimento que precisa seguir se renovando e sendo experimentado, mas sempre bebendo da fonte e suas raízes. Isso é muito importante para manter esse movimento que segue tirando lindas reações de força e paz do público", afirma.
Presença constante
E quem ainda continua curtindo um Carnaval de muita paz é a dona de casa e voluntária Neilda Portela, de 55 anos, de Madre de Deus. “Recordo quando, bem jovem, fazia fantasias super elaboradas com sacos de açúcar, vestia por cima do biquíni, pegava uma mamãe-sacode e estava pronta para brincar. Era o auge do Axé e a gente ouvia Luiz Caldas e Sarajane, por exemplo, junto da família e de muitos amigos. O Carnaval hoje está muito diferente, mais cheio e violento, e isso faz a gente recuar, assistir de mais longe. A verdade é que o Carnaval está muito grande e quem mais sente isso são aqueles que viveram os mais antigos”, reflete.
Apaixonado por axé music, o marido de Neilda e caminhoneiro Dionê Antunes explica que sempre gostou de Carnaval e recorda do quanto a música era o que mais o incentivava a brincar na folia. “O axé tem esse ritmo e letras que nos dão aquele fogo para a gente sair brincando, pulando, sabe? Quando penso no Carnaval dessa época, 20 ou 30 anos atrás, a lembrança que vem é desse fogo da música e que parecia que todo mundo ao nosso redor era conhecido, amigo e tinha muito menos confusão, não importava onde você estivesse brincando”, explica Dionê, que sempre gostou muito das músicas de Bell Marques; “são músicas gostosas demais”, acrescenta o folião.
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Mas enquanto ele e a esposa hoje em dia preferem um Carnaval tranquilo, o porteiro Nilson de Queiroz Portela – irmão de Neilda – continua sendo um folião pipoca de carteirinha assinada.
“Comecei a participar do Carnaval aos 12 anos, sempre na pipoca. Atrás de Durval Lelys, Sarajane, Luiz Caldas, Daniela Mercury… Era bom demais. Axé puro, sabe? Não tem como negar a diferença que era pular atrás dos trios naquela época e nos dias de hoje. Agora tem muito mais gente e precisamos estar atentos a todo momento, não dá pra pular como antes, mas sigo indo atrás de todos. Acaba um, eu volto no circuito e já sigo pulando atrás de outro”, conta, risonho.
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