LEVANTAMENTO
Apenas 5% das cidades baianas têm salas de cinema: “Não há diversidade"
Bahia tem 417 municípios, mas só 23 deles contam com cinema
Por Edvaldo Sales
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, discorre o art. 215 da Constituição Federal. Na prática, no entanto, a realidade é outra, principalmente quando o assunto é o acesso à sétima arte.
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A Bahia, que conta com 417 municípios, tem atualmente 40 complexos cinematográficos e 141 salas de cinema em funcionamento, em apenas 23 municípios do estado, ou seja aproximadamente 5,5%. Apesar de baixo, este é o maior número desde 2014, conforme aponta o Painel Interativo de Complexos e Salas de Exibição da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Destas salas, 59 pertencem a exibidores associados à Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex).
Segundo a entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), em 2020, o Programa Especial de Apoio ao Pequeno Exibidor (PEAPE) da Ancine, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) beneficiou 11 empresas exibidoras no estado da Bahia, atendendo a 25 salas de exibição em cidades como Alagoinhas, Barreiras, Brumado, Guanambi, Salvador, Teixeira de Freitas, entre outras.
Na avaliação do jornalista baiano e crítico de cinema filiado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Adolfo Gomes, o número de salas é “muito pouco”. Além disso, ele pontua que a programação é bastante concentrada em blockbusters. “Não há diversidade. Cabe ao poder público, através dos Centros Culturais e da criação de novos equipamentos, melhorar esse cenário”, disse em entrevista ao Cineinsite A TARDE.
Para mudar o cenário, Adolfo ressaltou que é necessário ter estímulo, projetos de formação de público, mobilização e criação de um circuito de difusão. Ele afirmou que, ao longo dos últimos anos, a Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural da Bahia (DIMAS/FUNCEB) já vem desenvolvendo ações neste sentido. “É questão de dar continuidade e ter mais apoio e investimento para obter resultados mais rápidos e visíveis”, continuou.
Já na análise de Marcos Barros, presidente da Abraplex, o estado tem muito potencial de crescimento. “Hoje temos, na Bahia, uma média de 100 mil habitantes por sala de cinema em funcionamento. A Abraplex tem como uma das missões pleitear a ampliação dos programas federais, estaduais e municipais que têm levado o cinema para o interior do país, facilitando o acesso à cultura, gerando emprego e receita. Ampliarmos o número de municípios no país com salas de cinema é uma forma de democratizar a cultura e promover lazer para a população”, ressaltou.
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Altos e baixos
Um gráfico divulgado pela Ancine e atualizado em 1º de agosto mostra as salas em funcionamento na Bahia em um recorte de 10 anos, entre 2014 e 2024. Nesse período, a segunda maior queda foi em 2020, devido à pandemia de Covid-19, ano em que apenas 62 salas foram registradas. Nos anos anteriores, observou-se um crescimento, com um total de 43 novas salas, subindo de 61 para 104, entre 2014 e 2019. Depois de 2020, foi registrado um salto no gráfico, que subiu de 62 para 141 salas.
No recorte regional, a Bahia é o estado do Nordeste com mais salas de cinema, seguido de Pernambuco, que tem 122, em 16 cidades. No entanto, do ponto de vista percentual — calculando o número de cidades com aquelas que têm salas de cinema —, a Bahia aparece em quarto lugar, atrás de Pernambuco, Ceará e Sergipe.
Confira o percentual aproximado de cidades que têm salas de cinema por estado do Nordeste:
Pernambuco (8,6%);
Ceará (8,1%);
Sergipe (6,7%);
Bahia (5,5%);
Maranhão (4,1%);
Paraíba (3,1%);
Alagoas (2,9%);
Rio Grande do Norte (1,9%);
Piauí (1,3%).
O painel interativo da Ancine mostra também que o estado com mais salas de cinema em funcionamento é São Paulo, com 1.103 — são 128 cidades com salas de cinema, ou seja, 19,8% dos municípios.
Veja o gráfico:
De acordo com Adolfo Gomes, isso se deve, primeiro, à ausência de cinefilia, e depois à oferta cultural e de lazer — como música e bares.
“As cidades que dispõem de praia, no mundo todo, apresentam números de frequência de público inferiores às metrópoles de concreto, de Paris a Berlim, passando por Madrid, por exemplo. A praia é popular. O cinema, pelo preço dos ingressos, foi deixando de ser. As promoções demonstram que quando o ingresso é mais em conta, as pessoas comparecem”, destacou.
Marcos Barros, que é membro titular do Conselho Superior do Cinema (CSC), órgão colegiado integrante do Ministério do Turismo, afirmou que essa não é uma questão somente da Bahia, “se trata do parque exibidor como um todo”.
A baixa cobertura nacional e a centralização dos cinemas nos shoppings ao longo dos anos levaram a esse cenário, em que apenas 8% dos municípios do país contam com salas de cinema. São pouco mais de 450 cidades com cinemas no Brasil, sendo que temos um total de mais de 5500 municípios.
Atualmente, as cidades baianas que têm salas cinema são: Salvador (71); Feira de Santana (9); Vitória da Conquista (9); Lauro de Freitas (7); Camaçari (5); Teixeira de Freitas (5); Juazeiro (4); Itabuna (4); Jequié (4); Amargosa (3); Serrinha (2); Irecê (2); Santo Antônio de Jesus (2); Alagoinhas (2); Ilhéus (2); Eunápolis (2); Paulo Afonso (2); Luís Eduardo Magalhães (2); Barreiras (2); Guanambi (2); Ibicaraí (1); Itamaraju (1); e Porto Seguro (1).
E o futuro?
Ao Cineinsite, o MinC disse que, no primeiro semestre de 2024, a Ancine registrou 3.452 salas em funcionamento no país. De acordo com a pasta, o parque exibidor brasileiro vem apresentando uma tendência de aumento do número de salas, acompanhado do crescimento de sua distribuição territorial, uma vez que dez estados aumentaram o número de cinemas e 12 municípios, que não contavam com salas de exibição, inauguraram o seu primeiro cinema.
O PEAPE destinou um total de R$ 8,5 milhões para empresas exibidoras de todo o país com até 30 salas de cinema, com o objetivo preservar empregos, atender às pequenas empresas locais, e manter o parque exibidor brasileiro, diante do impacto econômico causado pela pandemia.
Ainda nessa linha, em abril deste ano, o MinC e a Ancine anunciaram novas linhas de crédito, no valor total de R$ 387 milhões, lançadas para estimular o crescimento da atividade audiovisual brasileira, o que poderá beneficiar salas de cinema da Bahia e do Nordeste.
Para Adolfo, o futuro da sétima arte nesse contexto depende muito do trabalho a ser desenvolvido, do investimento e da ampliação do papel do cinema na vida das pessoas. “Repito, quase como um mantra, que as salas de exibição são marcos civilizacionais, como foram as igrejas no passado. Pensar que, no século XX, quase todas as cidades tinham cinemas nas suas praças principais, cria uma certa nostalgia”, enfatizou.
Sonho com isso, embora não seja otimista quanto à concretização de tal realidade. Mas acho viável, basta querer, reconhecer a importância do cinema não só nas escolas, mas também fora dela, como espaço de convivência e descoberta livre.
Marcos Barros compartilha da mesma opinião de Adolfo. Conforme o presidente da Abraplex, com o incentivo e investimento adequado, é possível que mais complexos sejam abertos, sejam eles em shoppings, pequenos centros comerciais ou em lojas de rua.
“O caminho, tanto para a Bahia quanto para o restante do país, é investimento na abertura de cinemas em cidades com menos de 100 mil habitantes. Temos um parque exibidor com potencial imenso de crescimento e acredito que essa será uma tendência para os próximos anos”, disse.
Ele ressaltou, porém, que os cinemas são atividades complexas, que necessitam de uma combinação de fatores para prosperarem, especialmente - mas não exclusivamente - em cidades menores.
“Além da abertura de salas, é necessário que tenhamos filmes com potencial de atração do público, políticas eficazes de combate à pirataria - já que hoje temos muitos casos de filmes recém lançados que são facilmente encontrados em links ilegais nas redes sociais - e a regulamentação da janela de lançamento dos filmes no streaming”, exemplificou.
É de extrema relevância que se crie uma política de estado que regulamente e incentive a produção audiovisual, tanto para o cinema quanto para o streaming.
Novas salas
Um projeto do Governo Federal vai abrir 118 novas salas de cinemas no Brasil. A ação, anunciada na 27ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, pela ministra Margareth Menezes, vai chegar a 11 estados e 27 municípios.
A titular da Cultura falou, em entrevista ao Grupo A TARDE, sobre a iniciativa, que segundo Margareth, está em fase de mapeamento. Questionada pela reportagem, ela não confirmou se a Bahia será um dos estados contemplados.
“Estamos abrindo essa ação, porque no mapeamento que temos, muitas cidades não têm cinema. Teremos cinema para várias cidades e a gente quer vocês junto com a gente nessa reconstrução", falou.
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