Essa série de super-herói promete virar o lançamento mais inesperado do ano

Imagine um universo de super-heróis guiado por novas corporeidades e sentidos. É isso que propõe Superdefheróz, short novela idealizada e coordenada por Natalia Rocha, que traz ao audiovisual uma dramaturgia em dança inspirada na Cultura Def.

A produção se lança como uma ampliação do debate sobre corpo, deficiência e criação artística – um projeto que, nas palavras da diretora, “questiona diretamente o capacitismo estrutural e simbólico, propondo outros parâmetros de criação orientados pelas condições reais de existência de cada corpo”. Com estreia marcada para 20 de novembro, a série apresenta quatro episódios curtos pensados especialmente para o Instagram.

Os capítulos estarão disponíveis no perfil @superdefheroz às quintas-feiras, 27 de novembro, 4 e 11 de dezembro. Gravada em Salvador, a short novela mergulha nas experiências dos artistas com deficiência Natalia Rocha, Elinilson Soares, Daisy Souza e Edu O, que transformam suas singularidades corporais em potência criativa.

A obra nasce da residência artística “Superdefheróz: Desvendando Superpoderes Aleijados”, realizada na Escola de Dança da UFBA, e se articula ao trabalho do Grupo X de Improvisação em Dança.

Novas narrativas

A escolha pelo formato de short novela, incomum no campo da dança, surgiu de inquietações antigas. Natalia conta que sua trajetória acadêmica já era guiada pela pesquisa em dança digital e videodança: “Minha pesquisa de mestrado e doutorado sempre esteve ligada a essa dramaturgia da dança no audiovisual. Não é algo novo para mim, nem para o próprio campo da dança; mas pensar isso em formato de novela é, de certa forma, experimentar um outro ambiente narrativo”.

O incômodo inicial, segundo ela, vinha das narrativas que colocavam pessoas com deficiência como super-heróis apenas por viverem uma vida “aproximada da normalidade”. Esse atravessamento abriu caminho para a criação da obra. “Eu não imaginava isso como um espetáculo de dança tradicional. Via muito mais como um filme, uma videodança, uma história em quadrinhos”, explica. A convergência com o Grupo X e artistas como Edu O. e Ney Lima consolidou o formato de short novela, também inspirado no hábito de assistir narrativas seriadas pelo celular. “Para mim, é espontâneo trazer essa dramaturgia em dança para o audiovisual”, afirma.

A improvisação compõe o coração do processo. Aldren Lincoln, integrante do Grupo X, explica que o roteiro nasceu do encontro entre movimentos, memórias e conversas. Segundo ele, “a participação se dá em fluxo constante, acompanhando as trilhas que surgem e se atualizando em sintonia com o objetivo da proposta”. Para Aldren, cada intérprete escreve sua própria história ao dançar: “Instauramos um espaço de criação coletiva, em que cada corpo dançava sua própria dramaturgia”.

Corpos potentes

Um dos pilares de Superdefheróz é deslocar o olhar tradicional sobre a deficiência. Natalia reforça que a dramaturgia foi construída para evitar leituras capacitistas ou narrativas de superação. “A gente não está dizendo que falta algo. Estamos dizendo que nossos corpos são organizados dessa forma e, por serem assim, produzem movimentos específicos”, afirma.

Ela explica que a série observa com cuidado as habilidades que emergem de cada existência: os gestos de Edu O., a semântica da baixa visão em seu próprio corpo, as dinâmicas de Daisy e Elinilson. “Entender esses corpos como potentes e completos significa criar a dramaturgia não a partir da falta, nem do extraordinário, mas a partir da habilidade que cada um traz”, diz.

Por isso, algumas cenas revelam situações do cotidiano que tornam certos corpos “inadequados” apenas porque a arquitetura, a tecnologia e as relações sociais são regidas pela norma. “Esses momentos mostram como a estrutura capacitista opera no mundo. Mas também mostram que produzimos muita coisa e não para justificar nada, mas porque temos múltiplas habilidades”.

Aldren destaca que transpor a dança para o formato de short novela foi um experimento intenso e divertido. “Adaptamos cada episódio ao ritmo e à estética do projeto, sempre pensando na acessibilidade e mantendo nosso modo sensível e político de criação”, afirma. Ele explica que os efeitos e filtros se tornaram aliados importantes para criar camadas entre o real e o onírico, ampliando a força visual do projeto. “Eles ajudam a friccionar o cotidiano com o imaginário, expandindo as formas de abordar temas urgentes”.

Esse equilíbrio entre política, estética e narrativa exige rigor. “A gente sabe que não controla a fruição do público”, admite Natalia. “Mas existe um desejo: que a obra provoque inquietações. Que leve as pessoas a se perguntarem o que realmente pensam sobre a deficiência e também sobre si mesmas, sobre a forma normativa que organiza a vida”.

O Projeto Superdefheróz foi contemplado pelo edital Territórios Criativos – Ano II com recursos financeiros da Fundação Gregório de Mattos, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Prefeitura de Salvador e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), Ministério da Cultura, Governo Federal.

Lançamento da série “Superdefheróz” – uma short novela em quatro episódios curtos / A partir de quinta-feira (20), com novos episódios às quintas-feiras (27/11, 4/12 e 11/12) / Assista no perfil no Instagram @superdefheroz / Gratuito, com Libras e audiodescrição

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.