ENTREVISTA EXCLUSIVA
Esse emocionante filme brasileiro venceu o maior prêmio da Alemanha
O Último Azul questiona a velhice, a solidão e a liberdade em uma distopia brasileira

Por Rafael Carvalho

Em fevereiro deste ano, antes mesmo do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro vencido por Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, e antes dos prêmios conquistados no Festival de Cannes por O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, outro filme brasileiro já havia vencido uma importante láurea internacional.
Pernambucano, assim como Mendonça Filho, o cineasta Gabriel Mascaro levou para o Festival de Berlim, em fevereiro deste ano, seu derradeiro trabalho, o longa O Último Azul. Saiu de lá, dentre outros prêmios, com o Urso de Prata pelo Grande Prêmio do Júri – uma espécie de segundo lugar, perdendo apenas para o grande vencedor, o drama norueguês Dreams.
Apesar de ser uma produção pernambucana, o filme se passa na floresta amazônica e acompanha a rotina de Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos de idade, operária de uma fábrica, que vive sozinha em uma pequena casa na periferia da cidade. Ela é abordada por agentes do governo para que se mude para a Colônia, espécie de asilo mantido pelo Estado brasileiro a fim de tirar de cena as pessoas idosas.
“Fiz uma pesquisa sobre filmes com idosos protagonistas e são muito raros”, observou o cineasta, que conversou com A TARDE.
Quando eles aparecem, têm duas chaves de leitura que se repetem: ou são doentes em fase terminal, se despedindo da vida, como é o caso de Amor, do Michael Haneke; ou é algo mais próximo de Era Uma Vez em Tóquio, do Ozu, que mostra um casal de idosos descompassados com o progresso, rememorando o que passou, os tempos gloriosos que não existem mais
O diretor contou, então, que preferiu fugir desses estereótipos e oferecer um outro caminho para sua protagonista. Ele quis representar um corpo idoso feminino em jornada, pulsando, desejando. Tereza não se conforma com um destino em reclusão, em contraponto à propaganda governamental que tenta vender uma ideia de felicidade em meio a esse exílio forçado.
Solidão e solitude

A atriz protagonista Denise Weinberg também conversou com A Tarde para falar sobre a construção de sua personagem: “Eu acho que ela se modifica durante o filme. Ela é super moralista no início”, revelou.
“Mas aos poucos vai se deixando modificar. Ela podia ter aceitado ir para a Colônia, mas se rebela. Eu acho linda essa indignação que a Tereza tem. É algo que nos falta muito, tanto nos jovens como nos mais velhos. Falta mais indignação no Brasil”, defendeu a atriz.
Tereza usa como pretexto o sonho de querer voar de avião para poder fugir da Colônia, mas isso não passa de um subterfúgio para que ela alce outros voos, não literalmente, mas na maneira de tomar as rédeas da própria vida. E isso significa deixar tudo para trás – inclusive uma filha, netos e uma amiga querida que estão mais incorporadas ao sistema social desse país repressor.
Weinberg ofereceu ainda uma perspectiva interessante sobre sua personagem:
Para mim, a solidão é uma coisa e a solitude é outra. A solidão geralmente te derruba, te leva à depressão, e isso é um grande problema da velhice. Já a solitude é o prazer de ficar sozinha e curtir o que vem por aí. E eu acho que a Teresa encontra essa segunda opção
Leia Também:
Boat movie

Além do subtexto fabular e dos toques de drama social, o filme possui também uma estrutura narrativa que lembra os road movies, já que Tereza empreende uma fuga. No entanto, como ela atravessa diversos rios na sua jornada, o próprio diretor e a equipe do filme têm chamado isso de um boat movie, pois ela passa de barco em barco.
Nesse percurso, Tereza vai se deparar com alguns personagens que vão lhe ajudar na travessia – seja lá para onde for. Primeiro, o barqueiro interpretado por Rodrigo Santoro, depois, o comerciante vivido pelo jovem indígena e manauara Adanilo e, por fim, a cubana de Miriam Socarrás, que navega um barco maior e conseguiu comprar sua liberdade para não ter de ir para a Colônia.
Em conversa com A TARDE, Rodrigo Santoro abordou a dimensão que aproxima todos esses sujeitos.
Meu personagem, Cadu, é muito solitário, assim como todos os outros que Teresa encontra pelo caminho. Este é um filme apaixonado pela vontade que sua protagonista tem de viver. Ele faz essa reflexão, envolvendo o espectador através do senso de humor, da poesia, da paisagem. E propondo uma reflexão contemporânea sobre o envelhecer
Leve distopia
O Último Azul é, portanto, uma espécie de distopia com ares de sci-fi discreta em que se coloca em evidência a maneira como enxergamos as pessoas mais velhas e seu utilitarismo na sociedade. Tereza, até mesmo sem querer, subverte o sistema e principalmente aquilo que se espera de pessoas com sua idade. Sua fuga revela-se uma jornada de autoconhecimento e transformação.
Mascaro contou também que logo no início da sua carreira foi trabalhar no projeto Vídeo nas Aldeias, que forma realizadores indígenas. E isso foi preponderante para que ele resolvesse usar a Amazônia como cenário.
“É um filme sobre o embate entre um Estado desenvolvimentista que, em nome da produção, aliena os idosos. E não há nada mais contraditório do que pensar na Amazônia como um lugar de preservação”, defendeu o diretor.
Ao enveredar pelas curvas do rio e da revolução pessoal que a protagonista encarna, O Último Azul faz, com sutileza e beleza plástica aguçada, um estudo sobre encontrar um lugar no mundo, mesmo que para isso seja preciso desbravar o próprio mundo em busca de liberdade.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes