FESTIVAL DE CANNES
“Foi o cinema nacional que me deu Cannes”, diz Wagner Moura
Ator baiano de 49 anos vive um momento de glória

Por Rafael Carvalho Especial para A Tarde

Há 12 anos sem atuar em um filme no Brasil e há 16 sem pisar nos palcos de teatro, Wagner Moura está de volta à cena brasileira. O ator baiano de 49 anos vive um momento de glória, especialmente após o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes, por 'O Agente Secreto', filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho. É o primeiro ator brasileiro a conquistar tal feito, o que o coloca na mira do próximo Oscar, junto com o sucesso do filme mundo afora.
Ele também retornou aos palcos do Brasil com a peça 'Um Julgamento – Depois do Inimigo do Povo', em que adapta, em parceria com Christiane Jatahy e Lucas Paraizo, o texto clássico de Henrik Ibsen. Salvador foi a primeira cidade do país a receber a montagem, que agora termina sua temporada no Rio de Janeiro. Depois disso, as atenções de Moura se voltam para a tarefa de promover O Agente Secreto.
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Antes de focar no mercado norte-americano, o ator e a equipe fazem a habitual turnê de pré-estreias durante esta semana, já que o filme entra oficialmente em cartaz na próxima quinta-feira, 6. O ator, o diretor e parte da equipe do filme estarão presentes em uma sessão na terça, 4, no Cine Glauber Rocha, em Salvador.
Durante sua passagem pela Mostra de Cinema de São Paulo, Moura conversou com A TARDE.
Confira a entrevista:
Kleber já nos falou que escreveu esse papel especialmente para você. Como se deu esse encontro com ele e como foi trabalhar esse personagem?
Eu tenho tentado trabalhar com Kleber já faz tempo. Eu o conheci em Cannes quando eu estava lá com 'Cidade Baixa', em 2005. Ele era crítico e a gente ficou amigo. Mas o que me aproximou de Kléber mesmo, que é também a gênese desse filme, foi o Brasil de 2018 até 2022. Ali, tanto eu quanto ele tentamos nos ajudar, se proteger. Eu sofri muito com o 'Marighella' e ele também com o protesto que fez em Cannes no lançamento de 'Aquarius'.
Foi uma época que nos aproximou muito por conta da política mesmo. E o filme dá conta disso. Trabalhar com Kleber é muito bom, porque virou um grande amigo e é um dos grandes diretores do cinema brasileiro. Quando eu vi 'O Som ao Redor', pensei que era um dos maiores filmes brasileiros já feitos. E fazia muito tempo que eu não trabalhava no Brasil, falando português. E a melhor forma de tê-lo feito foi com o Kleber, no Nordeste.
Como foram as filmagens em Pernambuco?
Recife é uma cidade muito importante para mim, cheia de histórias. Lá estreamos A Máquina, uma peça que eu fiz com Lázaro [Ramos] e Vladimir [Brichta] que foi muito importante para minha carreira. E essa foi uma filmagem muito feliz, do primeiro ao último dia, uma das mais felizes que eu tive. Nem sempre isso acontece isso, e o fato de um set de filmagem ser feliz não é indicativo de que o filme vai ficar bom. Mas nesse caso deu tudo certo.
Como é o método de trabalho do Kleber junto aos atores? O filme tem muitos núcleos e você contracena em quase todos.
Eu cheguei a Recife um tempo antes da filmagem, um mês mais ou menos, para estar lá, sentir a onda da cidade e passar um tempo com o Kleber. Ele trabalha habitualmente com o Leonardo Lacca [diretor assistente]. É um cara que eu adoro e trabalhava muito perto da gente. E nesse tempo a gente encontrava os outros atores, líamos as cenas juntos, houve um bom período de preparação.
Eu me sentia um pouco como Dorothy de 'O Mágico de Oz', a gente vai encontrando vários personagens ao longo do caminho. E a graça disso é poder contracenar com grandes atores com pegadas diferentes. A passagem de todos por Leo e também por Kleber fez com que nós chegássemos no set fazendo o mesmo filme. Foi tudo sendo equalizado, mesmo contracenando com atores de latitudes e escolas distintas. Foi uma grande oportunidade que Kleber me deu.
Sobre sua interpretação no filme, me chamou atenção o tom mais brando, mais baixo mesmo. Não é um filme de atuações exageradas, mas não menos complexas por isso. É um pouco diferente do que você já fez, se pensarmos no Capitão Nascimento ou em Pablo Escobar. Você e Kleber chegaram a conversar sobre isso?
Esse tom surgiu de forma muito natural porque eu logo entendi o filme. Eu também sou produtor do longa, então nós conversávamos muito sobre tudo. Embora o Kleber tenha demorado para me dar o roteiro para ler, eu entendi logo o que o filme ia ser. E quando o roteiro veio, eu também comecei a formar na minha cabeça a ideia desse personagem que é mais histórico, diferente dos outros que eu já fiz. Eu puxo muito os personagens para mim mesmo, para o meu temperamento.
E eu reajo de forma muito veemente a coisas como injustiça, por exemplo, eu me exalto. Na peça que eu estou fazendo agora, aquele personagem ali é mais parecido comigo no tipo de temperatura que eu tenho quando reajo às coisas. Mas no caso de O Agente Secreto, ele não podia ser assim porque aquele cara está se escondendo. Ele precisa ser discreto, tem aquele menino para cuidar.
E esse tom que você diz tem muito a ver com a temperatura do próprio Kleber, que é mais brando mesmo. Ele tem um temperamento mais contido, ele é assim na vida, então eu acho que isso vem dele também. O personagem é um pouco ele, um pouco eu, uma mistura de nós dois, pelas situações que vivemos e acabaram desaguando no texto que ele escreveu.
Sobre a peça que você está encenando agora, existe ali também uma certa naturalidade nas atuações, não só sua, mas de todo o elenco. Sei que é um projeto mais antigo. Você acha que de alguma forma O Agente Secreto contaminou a peça ou vice-versa?
Não no sentido do tom das atuações. Acho que mais a peça contaminou O Agente Secreto. Fazia muito tempo que eu queria montar essa peça e eu falei muito para o Kleber, durante a preparação do filme, sobre isso. A gente conversava sobre esse texto do Ibsen, 'O Inimigo do Povo', e de como eu achava que esse texto era uma referência para aquele personagem do filme.
Então, o Marcelo/Armando e o Thomas Stockmann são parentes. São dois personagens muito próximos nas suas reivindicações, do que é a necessidade de justiça, do caráter do cidadão, da necessidade de manter-se fiel a seus valores, embora haja ali um poder instituído maior que vai de encontro a esses valores.
Nesse caminho para o Oscar, como você tem sentido a repercussão internacional do filme, principalmente entre os seus pares nos Estados Unidos, sendo um ator latino-americano?
O filme é um passo a mais na minha carreira. Não digo internacional porque para mim é uma coisa só. O prêmio mais importante que eu ganhei na minha trajetória, que foi lá em Cannes, foi com um filme brasileiro. É uma coisa que me dá muita alegria, foi o cinema brasileiro que me deu esse prêmio.
E o filme tem sido muito bem visto lá fora. A gente tem ganhado outros prêmios, sendo indicado, tanto eu quanto Kleber. A Neon, que é uma distribuidora muito forte, está fazendo um trabalho muito bom de divulgação e circulação do filme. Então eu tenho a impressão de que ele vai estar nas conversas de melhores do ano, da temporada de prêmios. E claro que isso tem um efeito positivo nas nossas carreiras.
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