ANÁLISE
‘Gladiador 2’ é um épico que deve ser visto na tela grande
Filme estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 14
Por Edvaldo Sales
Fazer a continuação de um filme aclamado pelo público e pela crítica é uma aposta que pode ser perigosa. Essa tarefa fica ainda mais difícil quando a obra tem um desfecho que não possui um gancho para uma segunda parte — mas sim uma história que, mesma grandiosa e épica, se basta em si, como é o caso de ‘Gladiador’, longa de 2000, dirigido por Ridley Scott (‘Blade Runner - O Caçador de Andróides’). Mas como não existe uma regra, às vezes, um cineasta se arrisca e consegue alcançar feitos inimagináveis. E é nesse contexto que ‘Gladiador 2’ brilha.
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O desafio de dar sequência à história do primeiro filme foi algo que fez Ridley Scott se reunir a Russell Crowe, que interpretou o protagonista Máximus Décimus Meridius no longa anterior, anos atrás, para discutir as possibilidades, mas não chegaram a uma boa ideia. Felizmente, com o tempo, o diretor chegou a uma lógica “clara sobre o que deveria ser”, como disse ele, em entrevista ao The New York Times. A escolha foi continuar com o foco em Lucius, filho de Máximus.
A história se passa 16 anos após a morte do herói de Crowe e mostra o jovem, interpretado por Paul Mescal partindo em uma jornada de vingança contra o general romano Marcus Acacius (Pedro Pascal) depois de uma perda inestimável. Na busca pelo seu objetivo, Lucius se torna um gladiador e é levado para lutar no Coliseu pela sua sobrevivência — e pela honra de Roma, que está em um dos seus piores momentos, com revoltas populares espalhadas por diversas partes da cidade devido ao descaso dos seus governantes, os imperadores gêmeos, Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger).
A comparação com o primeiro filme é inevitável, principalmente porque o roteiro de ‘Gladiador 2’ segue uma estrutura de história de vingança semelhante à do seu antecessor. No entanto, o texto de David Scarpa (‘Napoleão’) consegue criar interações que dão peso para a narrativa e não permite que ela caia no “mais do mesmo”. Isso é exemplificado, principalmente, pela dinâmica entre Lucius e a sua mãe, Lucilla (‘Gladiador’ e ‘Mulher-Maravilha’), uma relação completamente afetada por uma decisão que mudou completamente a vida de ambos e que resulta em diálogos carregados de raiva, arrependimento e tristeza.
Outro grande êxito do roteiro de ‘Gladiador 2’ é o foco nas revoltas populares. As consequências dos atos dos imperadores Geta e Caracalla — dupla que é a personificação da tirania que levou Roma aos minutos finais de uma bomba relógio no longa —, são mostradas e construídas de maneira que enriquece a história, ao mesmo tempo em que entrega sequências muito instigantes, e que são potencializadas pela direção de Ridley Scott.
O cineasta traz à tona uma “ousadia”, que ele já vinha construindo ao longo da sua extensa carreira e chega ao seu ápice. Isso é interessante e agrega bastante ao longa, sobretudo nas cenas de ação, emblemáticas e marcantes. A escala das batalhas alcança um nível que já era alto em ‘Gladiador’, mas, dessa vez, chega a ser megalomaníaco — sim, isso é um elogio. Tal fato pode ser conferido não só na cena de uma invasão do exército romano a uma cidade livre, como também nas batalhas que acontecem dentro do Coliseu: destaque para a simulação de uma batalha naval que acontece dentro do espaço.
A direção de Ridley Scott é assertiva também ao combinar com maestria a ação com uma urgência — adjetivo que deveria ser inerente ao tema — reforçada pelo drama. O diretor fez isso muito bem no primeiro filme, e repete a dose na continuação, mas sem ficar repetitivo, isso porque o cineasta, aliado com o roteirista, adiciona outras camadas à construção dos personagens.
A grandiosidade da produção é robustecida pela trilha sonora estonteante de Harry Gregson-Willi (‘Perdido em Marte’), o qual faz um trabalho brilhante ao apostar em uma crescente que eleva a tensão, e pela cinematografia de John Mathieson – que, além de ‘Gladiador’, tem ‘Logan’ no currículo. A parceria antiga de Ridley Scott e Mathieson permite que eles consigam criar, juntos, momentos que, além de visualmente deslumbrantes, evidenciam através de imagens a magnitude, o declínio e a decadência de uma cidade repleta de camadas como a Roma apresentada em ‘Gladiador 2’.
O elenco estelar da sequência é outro ponto alto, assim como no primeiro filme, que tinha Russell Crowe, Joaquin Phoenix e Richard Harris. Agora, o casting foi certeiro mais uma vez. Paul Mescal dá vida a um protagonista que passeia com facilidade entre a doçura, o rancor e a voracidade. Na mesma linha segue Pedro Pascal, um dos atores mais requisitados de Hollywood da atualidade.
Denzel Washington é outro destaque com o seu Macrinus, um ex-escravo que atua como um poderoso investidor e político, além de ser dono de um estábulo de gladiadores. O artista dá um show de versatilidade e consegue criar uma inquietação no público. É uma atuação que trabalha bem a construção de uma vilania que é alicerçada na influência que Macrinus tem dentro da sociedade.
‘Gladiador 2’ merece elogios também devido ao design de produção, que é metodicamente bem pensado. A maquiagem, o figurino e a cenografia são bem trabalhados e contribuem para a imersão acontecer. Os detalhes das armaduras, das roupas e dos palácios conferem imponência aos personagens.
Se em Hollywood existe uma carência de sequências que deram certo — ‘Coringa: Delírio a Dois’ que o diga —, a nova aposta de Ridley Scott veio para quebrar essa “maldição”. E não só isso, ‘Gladiador 2’ tem outra conquista formidável ao superar o seu antecessor ao entregar cenas de ação mais bem resolvidas e filmadas, e ao apostar com assertividade na reação da população à tirania e o efeito disso na política romana. É uma conquista que deve ser enaltecida e um épico para ser visto na tela grande.
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