CINEMA NACIONAL
Kleber Mendonça Filho sobre O Agente Secreto: "Um bom filme é universal”
Pré-estreia nacional do filme de Kleber Mendonça Filho reúne críticas e reflexões sobre passado e presente

Por Beatriz Santos e Rafael Carvalho

A 58ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro abriu nesta sexta-feira, 12 de setembro, com a pré-estreia nacional de O Agente Secreto, dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura. Ambientado em Recife no Brasil de 1977, o filme já coleciona prêmios internacionais e é apontado como forte candidato ao próximo Oscar.
Não é todo dia que um evento de cinema completa 60 anos. O Festival de Brasília, iniciado em 1965 como Semana do Cinema Brasileiro, chega à 58ª edição — três anos a menos por conta da suspensão durante a Ditadura Militar — e segue como uma das mais prestigiadas vitrines do cinema nacional.
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“A carreira que O Agente Secreto tem construído mostra que ele terá uma participação bem forte este ano no cenário internacional”, disse Kleber Mendonça Filho na coletiva de imprensa do festival.
Wagner Moura e os bastidores do filme
Apesar de ser o protagonista, Wagner Moura não pôde estar presente no Festival. “Wagner está com a peça que ele está preparando, então este é um mês muito agitado para ele. Ele está conseguindo viajar com o filme, mas não pôde vir para cá. Ele está trabalhando nessa peça, e fico muito feliz por ele estar desenvolvendo esse projeto belíssimo no teatro”, explicou Kleber.
Sobre a conexão entre projetos e amizade com Moura, Kleber comentou: “A partir de novembro, ele estará 100% dedicado ao filme. Eu quero muito ver essa peça, que é uma adaptação de O Inimigo do Povo, de Ibsen — um texto que discutimos bastante durante o processo de O Agente Secreto. Então, tudo está conectado.”
Inspiração e memória afetiva
O filme nasceu de memórias pessoais do diretor. “Eu comecei a escrever o filme pensando muito no passado. Eu tinha 9 anos em 1977 e lembro especificamente de 1977 e 1978, porque vivemos uma crise familiar nessa época. Minha mãe ficou doente, e, quase como uma forma de proteger as crianças, eu e meu irmão, meu tio Ronaldo nos levava ao cinema”, contou Kleber.
“Essa memória afetiva do centro do Recife, do cinema, me marcou muito. Isso foi um ponto de partida para escrever um filme que eu queria ambientar no passado”, acrescentou.

Reflexão sobre o Brasil contemporâneo
Durante a coletiva, o cineasta destacou a relação entre passado e presente: “Durante a escrita, comecei a entender que o filme, na verdade, era sobre o Brasil contemporâneo. Nós, como nação, temos a nossa própria lógica, que vem da cultura, da política e da história — assim como quando você vê um filme francês ou americano.”
A lógica contemporânea do Brasil, se pensarmos no país como democracia, é bem diferente da dos anos 1970 e 1960, quando vivíamos sob um regime militar. Mas, nos últimos dez anos, comecei a perceber o retorno de coisas que eu achava que estavam aposentadas, guardadas num museu de péssimas ideias do nosso país
E ainda acrescentou: “Quando escrevi esse texto, percebi também que várias palavras que pareciam esquecidas voltaram a circular nesses últimos dez anos: a homofobia, a misoginia, o racismo interno no Brasil, e a maneira como o Nordeste voltou a ser xingado de um jeito que, pelo menos na minha percepção, havia arrefecido.”
Cinema, memória e legado
Sobre a importância do registro do presente, Kleber destacou: “O presente no filme, para mim, é fascinante. O filme inteiro me interessa, obviamente, mas o ponto de vista do presente coloca um ‘óculos’ sobre toda a história.”
É impressionante pensar que, hoje, estamos aqui no Festival de Brasília, nessa coletiva, com todo esse material sendo registrado e que, se esse material sobreviver por 50 anos, alguém no futuro vai ver a gente tentando entender o Brasil e seu contexto. Isso, para mim, é cinema
Ele também falou sobre a influência de clássicos: “Quando vejo O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, do Glauber Rocha, não penso só em um filme feito em 1968, mas em uma obra que reúne muitas ideias que eram importantes e continuam relevantes hoje. São Paulo S.A., que será exibido aqui, eu considero um grande filme sobre São Paulo e sobre o Brasil — e já tem quase seis décadas, está fazendo 60 anos.”

Por fim, Kleber destacou a relação íntima com os personagens: “Dentro do meu próprio filme, já está embutida essa ideia do passado e de como ele é visto. Você tem uma relação tão íntima com o Armando, o acompanha tão de perto na narrativa, e, com o passar do tempo, talvez ninguém mais lembre dele. Acho que essa é uma ideia muito forte e também muito brasileira.”
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