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ANÁLISE

‘O Auto da Compadecida 2’ é repetitivo e falha no básico

Filme chegou aos cinemas brasileiros nessa quarta-feira, 25

Por Edvaldo Sales

26/12/2024 - 8:00 h | Atualizada em 26/12/2024 - 23:37
João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) em ‘O Auto da Compadecida 2’
João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) em ‘O Auto da Compadecida 2’ -

“Eu já vi esse filme”, diz um personagem de ‘O Auto da Compadecida 2’ em um momento do terceiro ato que deveria ser engraçado, mas que é apenas constrangedor devido à literalidade, aparentemente intencional, da frase e que é facilmente identificada pelo contexto da cena. Esse é um dos (muitos) problemas do longa, que é continuação do clássico nacional lançado em 2000 que, por sua vez, é uma adaptação cinematográfica da peça teatral do escritor Ariano Suassuna.

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A sequência se passa 20 anos após os acontecimentos do primeiro filme e mostra o astucioso João Grilo (Matheus Nachtergaele) retornando para a pacata Taperoá para se juntar ao seu velho companheiro Chicó (Selton Mello) em mais uma jornada de aventuras regadas a mentiras e planos que podem resultar na morte da dupla. Em ‘O Auto da Compadecida’, essa dinâmica foi muito bem executada e rendeu momentos hilários, marcantes e emocionalmente ricos. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre a continuação.

O roteiro de Guel Arraes (‘Lisbela e o Prisioneiro’ e ‘Grande Sertão’) e João Falcão se apoia bastante nas ideias do primeiro longa ao ponto de se tornar repetitivo e cansativo. Uma sequência inteira chega a ser “recriada”, com o acréscimo de alguns elementos — que são interessantes, mas perdem força em meio aos diversos acenos ao antecessor — e até o desfecho é igual. A falta do texto de Suassuna é sentida em diversos momentos ao longo da exibição e o exemplo supracitado é apenas a ponta desse iceberg .

Outro item deficitário está no tratamento que é dado aos novos personagens, que não têm a mesma força dos coadjuvantes da obra lançada há 24 anos e apelam para uma caricatura exacerbada, em especial Clarabela (Fabiula Nascimento) e Antônio do Amor (Luis Miranda). Intencional ou não, a estratégia causa um estranhamento. Nem mesmo Taís Araújo consegue fugir desse problema. Apesar de a atriz tentar, o texto e a direção de elenco parecem lutar contra ela, resultando em uma performance afetada e aquém do trabalho irretocável feito por Fernanda Montenegro como Nossa Senhora lá atrás.

Taís Araújo interpreta Nossa Senhora
Taís Araújo interpreta Nossa Senhora | Foto: Divulgação

Um dos pontos centrais de ‘O Auto da Compadecida’, o relacionamento de Chicó e Rosinha (Virgínia Cavendish) é deixado em segundo plano devido ao afastamento do casal. A justificativa para isso acontecer é pouco convincente, mas serve para abrir uma discussão pertinente sobre analfabetismo. Além disso, o roteiro traz de volta o debate sobre o coronelismo, que dessa vez ganha novas camadas ao ser inserido em um contexto eleitoral. Se antes havia a figura do oficial Antônio Morais (Paulo Goulart) no cerne da coisa toda, agora quem ocupa esse posto é o Coronel Ernani (Humberto Martins), que quer se tornar o prefeito de Taperoá e vai entrar em uma disputa acirrada com Arlindo, personagem de Eduardo Sterblitch.

A dinâmica entre João Grilo e Chicó, que são, mais uma vez, os grandes protagonistas da história, rende bons momentos, mas, infelizmente, são pequenos acertos que se somam a outros e que são ínfimos perto dos problemas que se destacam. É nítido o esforço e o desejo do elenco, principalmente Matheus Nachtergaele e Selton Mello, de fazer uma homenagem ao clássico e entregar algo bacana, mas isso não se concretiza, pois o texto é fraco. A química entre eles é incontestável, mas o material com o qual os atores precisam trabalhar dificulta uma conexão mais forte com o público.

A direção de Flávia Lacerda e Guel Arraes rende alguns frutos interessantes. Junto com Gustavo Hadba, que é responsável pela cinematografia, a dupla consegue criar imagens bonitas que deixam o visual do filme interessante até certo ponto. No entanto, ao apostar em grandes painéis de LED — tecnologia chamada Stagecraft, que já foi usada em produções como ‘The Mandalorian’ e ‘The Batman’ — para criar o sertão do filme e reforçar a atmosfera de fábula, ‘O Auto da Compadecida 2’ perde mais do que ganha.

Segundo os diretores, a ideia era contar “uma história descolada do realismo” e criar “uma cidade do imaginário de Ariano Suassuna”. Visualmente, porém, Taperoá fica tão artificial que dificulta a imersão na história. A escolha artística para a criação de um nordeste fantástico poderia até ser um ponto positivo, mas que vai no sentido contrário devido ao estranhamento que causa, que é reforçado quando a lembrança dos cenários reais, palpáveis e ricos da adaptação de 2000 vem à mente.

‘O Auto da Compadecida 2’ é um filme que não consegue se desvencilhar das ideias do antecessor para criar algo novo e atraente para o público. Pelo contrário, ele aposta no seguro, mas ainda assim falha e oferece uma jornada enfadonha e com um gosto forte – e ruim — de “já vi isso antes”, como bem pontuou o personagem citado no início deste texto. Nada é memorável no longa, mas conforta saber que sempre que o desejo de voltar para Taperoá surgir, não vai ser necessário pensar muito sobre qual obra escolher para assistir.

Assista ao trailer de ‘O Auto da Compadecida 2’:

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Tags:

análise Ariano Suassuna Chicó filme João Grilo Matheus Nachtergaele O Auto da Compadecida 2 Selton Mello

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