SÉRIE NACIONAL
“Os Quatro da Candelária” faz abordagem poética e ficcional de chacina
Série estreou na última quarta-feira, 30, na Netflix
Em frente a igreja da Candelária, no Centro do Rio de Janeiro, uma cena chama a atenção de quem passa: um grupo de crianças e adolescentes pretos curte um dia ensolarado tomando banho na fonte, enquanto ouve “Olhos Coloridos” e come pizza. Mais tarde, no entanto, os risos e brincadeira deram espaço aos gritos e desespero, quando um grupo de policiais militares abriu fogo contra esses jovens, que dormiam na escadaria do próprio templo religioso.
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A cena é da série nacional “Os Quatro da Candelária” que estreou na última quarta-feira, 30, na Netflix. A produção, de quatro episódios, é inspirada no caso real da Chacina da Candelária, que aconteceu em 23 de julho de 1993, e deixou oito jovens mortos e vários feridos, em um dos episódios mais emblemáticos de violência policial e violação dos direitos humanos no Brasil.
Mas a proposta não é fazer um true crime ou expor corpos pretos no chão. Com uma abordagem poética e ficcional, a obra optou em trazer quatro personagens inspirados em múltiplos sobreviventes, misturando elementos da realidade com a licença poética, a fim de devolver a humanidade as crianças e adolescentes que, apesar de sua vulnerabilidade e vida nas ruas, tinham sonhos e criaram uma rede de apoio mútua. “O norte para conduzir essa narrativa foi ir atrás dos sonhos, da fantasia e da magia, e também dessa ideia de família não convencional que elas criaram na rua”, afirmou Luís Lomenha, criador e roteirista da série, cuja direção divide com Márcia Faria, ao Cineinsite A TARDE.
O elenco traz veteranos da dramaturgia como o baiano Antônio Pitanga, Leandro Firmino e Bruno Gagliasso, mas quem rouba mesmo a cena são os novos talentos, responsáveis por encarnar as quatro crianças e adolescentes protagonistas: Samuel Silva (Douglas), Patrick Congo (Sete), Andrei Marques (Jesus) e Wendy Queiroz (Pipoca). Exceto Patrick, a maioria não tinha qualquer experiência profissional, o que exigiu uma preparação intensa e cuidadosa. Márcia Faria revelou que houve um longo processo de ensaios e um trabalho detalhado para que eles compreendessem o significado da violência que seus personagens vivenciavam: “Nós ‘é’ o crime”, diz Douglas a Sete em determinado momento de um dos episódios. “Crime não, nós ‘tem’ que viver”, rebate o personagem.
“Eles são muito inteligentes, rapidamente captavam o subtexto. A gente foi ensaiando, então, elas tinham consciência da mensagem. O Samuel, por exemplo, tinha uma habilidade única de captar a emoção em uma só tomada, enquanto a Wendy ia adicionando camadas a cada gravação,” disse.
Para o povo preto
Quanto ao estilo e referências, Lomenha e Freire beberam da fonte de clássicos como “Pantera Negra”, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” e “Cidade de Deus”. Este último ainda mais proeminente, já que o diretor foi um dos atores do filme. Outro grande nome da obra, Leandro Firmino, o Zé Pequeno, foi o responsável por descobrir o talento de Samuel Silva, seu filho adotivo em Os Quatro da Candelária, após uma apresentação de violino no ônibus. O artista celebrou a troca com o elenco mirim. “Foi um processo de aprendizado total, uma geração com muito mais informação do que minha geração tinha. Para mim, teve um significado muito grande”.
Falar sob a ótica do povo preto foi, desde sempre, o maior compromisso da série, cujo elenco e produção são formados majoritariamente por pessoas negras. Para compor a história, um dos principais elementos foi a religião. Dos sinos da igreja da Candelária, que marcam, sobretudo, os momentos de tensão, ao gurufim no velório e os conselhos do Preto-Velho, a narrativa dialoga com a religiosidade, cristianismo, umbanda, candomblé, islã, especialmente na construção visual e na trilha sonora. “A série traz essa diversidade religiosa como uma extensão da identidade brasileira e como uma forma de homenagear a ancestralidade”, completa Lomenha.
*Viajou para première da série à convite da Netflix
Assista ao trailer de “Os Quatro da Candelária”:
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