UMA BAILARINA NEGRA
Por que o cinema retrata o corpo negro sofrendo e como mudar isso
Em Salvador, cineasta francesa Johanna Makabi debate questão

Por Marina Branco

Por trás de seu cinema, Johanna Makabi carrega uma convicção que é tanto estética quanto política: filmar corpos negros é mais do que registrar, é restituir um espaço de vida, dignidade e sonho dentro da imagem.
Suas obras, que atravessam cidades, rios, ancestralidades e geografias afetivas, são feitas de luminosidades sutis e de silêncios que respiram. "A cor é a primeira pessoa, é o primeiro olhar", ela diz. Aqui, isso não se trata apenas de um cuidado técnico, mas de dar à pele negra a luz que ela merece, e é justamente isso que Johanna faz no documentário "Oceano Negro".
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A cineasta francesa, que apresentou trabalhos em espaços como a Cinémathèque Française, o Lincoln Center e o Festival de Atlanta, veio à Bahia como parte do projeto "Eu Sou um Oceano Negro", iniciativa conjunta entre Bahia, Senegal e França.
Foi durante esse percurso, composto por França e África, que há tantos anos acompanha a artista, que Makabi encontrou Sabrina Marie Ramsey, uma jovem bailarina norte-americana cuja história atravessa campos, palcos e cicatrizes - e decidiu contar quem ela é.
A história de Sabrina
Sabrina nasceu no Texas, cresceu entre família e campos da Louisiana e hoje dança em Nova York. Sua trajetória, filmada por Johanna, é ao mesmo tempo íntima e continenta - fala da diáspora, do corpo que carrega memórias, da terra que se herda mesmo quando se tenta esquecê-la.
"Para mim, um filme começa sempre com um lugar e um personagem", diz Johanna. "No filme sobre Sabrina, conto sua trajetória, mas também a dos Estados Unidos, da escravidão à vida moderna, da roça ao palco. Ela vem do campo e vai para a cidade dançar balé, e isso me fascina", conta.
Assim, surgiu a história de uma bailarina negra que traz ao filme uma mensagem central - a da herança. "No caso de Sabrina, a herança se manifesta no corpo", Johanna explica.
"No balé clássico, espera-se um tipo de corpo específico. Mas suas origens, seus genes, sua história fazem dela alguém diferente desse padrão. Essa diferença é sua herança, e ela a transforma em força", explica sobre a bailarina negra.
A ideia do documentário é mostrar como, ao escolher a dança contemporânea, ela cria um idioma próprio, onde fragilidade e potência compartilham o mesmo lugar, e a cor que poderia tê-la excluído se torna assinatura.
Negritude feliz
Assim, Johanna passeia entre documentário, ficção e etnografia: "Sempre quis contar o real, mas percebi que, ao criar, inevitavelmente o transformo, porque cada olhar é único. Minha ética é ser fiel às pessoas que me confiam suas histórias. Filmo na altura delas, nunca de cima".
O foco de seu cinema é, então, resistir à tradição midiática que, por séculos, exibiu corpos negros apenas na posição da dor. Para Johanna, eles merecem outra coisa. "Quero mostrar alegria, liberdade, corpos que dançam e voam. O cinema já exibiu demais o corpo negro na dor", opina.
Por isso, há momentos em que Sabrina dança e a câmera não tenta explicar nada. A dança fala primeiro, como explica a diretora. "O corpo fala onde a fala se cala. Sabrina viveu traumas profundos, e pela dança ela encontra uma forma de reocupar o próprio corpo. O que foi ferido se transforma em arte", explica.
É aqui que o cinema de Johanna se torna ritual: "não apenas registrar movimento, mas devolver o corpo ao corpo".
Por isso, se pudesse escolher o que ela gostaria que o público sentisse ao assistir o filme, Johanna responde sem hesitação: "Liberdade. Respiração. A ideia de que podemos voar".
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