ESTREIA
Rita Lee como nunca se viu: documentário mostra cantora por ela mesma
Trajetória da artista pode ser conferida no documentário Ritas
Por Rafael Carvalho | Especial para A TARDE

Camaleoa libertária, subversiva, poética e política, musa e feminista irrequieta, Rita Lee e sua arte musical transformaram a música e a cultura brasileiras. Afinal, foram quase seis décadas de carreira, depois de ter falecido em 2023, aos 75 anos. A trajetória da artista pode ser conferida no documentário Ritas, dirigido por Oswaldo Santana, com codireção de Karen Harley.
O filme tem uma pré-estreia na noite de hoje, no Cine Glauber Rocha, às 18h (meia entrada para todos) e entra em cartaz nos demais cinemas a partir da quinta-feira.
Em conversa com A TARDE, o diretor Oswaldo Santana, estreante na direção de um longa-metragem (ele que tem uma vasta carreira como montador), falou sobre o desafio de dar conta de uma carreira tão frutífera.
“O projeto começou em 2018 com a Biônica Filmes comprando os direitos de adaptação da autobiografia da Rita. Daí a Karen Harley gravou uma longa entrevista com ela no início do processo e depois eu assumi a direção. Sou de uma geração que escutou muito a Rita, mas eu não a conhecia pessoalmente. Com o filme, por volta de 2019, comecei um processo maior de troca e reuniões com ela”, confidenciou.
Apesar de ter dado liberdade total para a realização do filme, Rita esteve bem próxima do projeto, até pouco depois de ter sido diagnosticada, em 2021, com o câncer de pulmão que viria a vitimá-la dois anos depois. Ela chegou mesmo a ver uma versão adiantada do filme, tendo gostado do material.
Com a participação efetiva da artista no processo todo, não foi preciso recorrer a entrevistas com outras personalidades. A presença de Rita Lee na tela é hipnótica o suficiente, tanto pelo material de arquivo que resgata momentos icônicos de sua carreira, como as situações mais íntimas dessa conversa e até mesmo de vídeos que a própria Rita fazia de si mesma e de seu cotidiano.
Ao ver e analisar esse material, Santana conta que foi surgindo daí o título do filme, que assume a pluralidade daquela pessoa.
“A Rita já dava algumas dicas para isso. Em alguns momentos ela fala dela mesma em terceira pessoa e ao mesmo tempo a gente se depara com tanto talento em diversas áreas. Você vê o lado ativista de defensora das causas animais, você enxerga o lado mãe, o lado mais amoroso dela. Uma coisa que surpreende muito nos vídeos é o talento como atriz, algo muito impressionante. E tudo isso com muita força e propriedade, tudo que a Rita representa”.
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Irreverência tropical
Mas é a persona musical, a artista do palco, da performance e da composição, que se sobressai em Ritas. O filme segue uma estrutura cronológica para dar conta de sua trajetória começando muito jovem quando integrou a banda Os Mutantes, junto com os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Daí surgiram sucessos como Panis et Circenses, Balada do Louco e Bat Macumba.
Após uma ruptura nada amigável, e depois de fazer parte da banda Tutti Frutti, Lee seguiu em carreira solo – foram mais de 20 discos ao longo da carreira, sendo o último, Reza, lançado em 2012. E por todo esse tempo, os hits foram se somando e compondo uma verdadeira relíquia da música brasileira, tais como Ovelha Negra, Lança Perfume, Mania de Você, Doce Vampiro, Chega Mais, Jardins da Babilônia, Agora só Falta Você etc.
É muita história, muitos sucessos para caberem em um único longa-metragem. “Eu não me proponho a fazer um filme definitivo sobre ela”, defendeu o diretor.
“Eu acho que tem muitos outros assuntos a serem discutidos a partir da vida dela. A Rita é uma fazenda de temas”, afirmou Santana. E os sucessos musicais chegaram até os anos 2000, como Erva Venenosa, Amor e Sexo e Reza.
O documentário destaca ainda a importância de Rita para a concretização do Tropicalismo nos anos 1970, ainda dentro d’Os Mutantes. E, nesse sentido, a própria Rita fala da importância dos artistas baianos daquela geração, como destaque para o quarteto Caetano-Gil-Gal-Bethânia, para a consolidação da sua própria musicalidade, tal qual um filiação que, na sua trajetória, se aliou com a veia roqueira.
Aliás, o filme resgata momentos muito bonitos de encontros de Rita com essa galera, seja no show Refestança, que fez ao lado de Gilberto Gil em 1977, ou as apresentações com Caetano Veloso e um registro divertido e delicioso com Maria Bethânia, cantando Baila Comigo.
Engajamento natural
Além do talento artístico, a transparência e a sinceridade sempre foram traços marcantes da personalidade de Rita Lee. “Não existe a palavra ‘tabu’ ou ‘censura’ no vocabulário dela. Nunca existiu”, observou o diretor. E, de fato, tanto nas suas músicas quanto nas entrevistas e depoimentos públicos, a artista sempre tratou de temas considerados espinhosos, mas que ela abordava com leveza e naturalidade.
Ela falava abertamente do uso de drogas e daquilo que experimentou na vida em termos de entorpecentes e ilícitos. Também a insinuação e o desprendimento sexual aparecem nas suas letras, levantando a bandeira da liberdade e da prática do prazer das mulheres. À frente do seu tempo, Rita sempre lutou e foi um exemplo de empoderamento feminino muito antes do termo ter se popularizado entre os grupos identitários e feministas.
Essa é uma das razões pelas quais o diretor percebeu que apenas a presença dela no filme era suficiente. “Ela tem muito conteúdo e propriedade para falar de tudo e sempre lidou de forma muito orgânica com isso. Percebemos que quanto mais a gente se fechasse nesse universo de pensamento da Rita, mais força o filme ganhava e melhor era possível entendê-la. É um uso da linguagem muito assertivo que poucas pessoas dominam, com tanta verdade e humor. Quanto mais você escuta a Rita falar, mais você quer ouvir”, concluiu o cineasta.
‘Ritas’ / Dir.: Oswaldo Santana e Karen Harley / Pré-estreia hoje, 18h, no Cine Glauber Rocha / Salas e horários: cinema.atarde.com.br
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