NOVIDADE
Sem neve e sem fantasia: série transforma o Natal em campo de batalha
Produção expõe as feridas do Natal à brasileira

Por Rafael Carvalho | Especial para A TARDE

Ao contrário dos estadunidenses, o cinema brasileiro nunca imortalizou as comemorações de Natal em seus filmes (não temos uma clássico dessa época do ano, como A Felicidade Não se Compra ou mesmo os filmes da trilogia Esqueceram de Mim). Essa lacuna acaba sendo preenchida pela produção televisiva e pelos especiais de fim de ano, fora algumas comédias recentes, mas pouco expressivas.
A série O Natal dos Silva, exibida no Canal Brasil e disponibilizada na Globoplay (plano premium), tem tudo para se tornar um clássico do formato e do tema no Brasil. Idealizado pelo cineasta mineiro Gabriel Martins e executado por seu coletivo e produtora Filmes de Plástico, a série de cinco episódios chega ao fim justamente nesta semana de Natal – o último episódio vai ao ar na noite de 25 de dezembro, precedido por todos os outros episódios que já foram exibidos nas semanas anteriores.
Gabriel, que também assina o roteiro da série, em parceria com André Novais Oliveira, conta que se inspirou nas memórias da sua própria família. “Escrevi por sentir falta de ver esse gênero natalino com maior frequência no Brasil, mas dessa vez com o nosso tempero brasileiro”, afirmou o realizador.
A trama não poderia aparentar mais simplicidade: os membros de uma família de classe média na Grande Belo Horizonte se reúnem para comemorar a data que celebra o nascimento de Cristo. Toda a série transcorre no decorrer da véspera de Natal.
Para começar, Luciano (Robert Frank) resolve levar sua nova namorada (Aisha Brunno) – uma mulher transexual – para apresentá-la à família. Ela é bem recebida por todos, com exceção da mãe do rapaz, Bel (Rejane Farias). De temperamento difícil e à beira de um ataque de nervos, sempre com um cigarro nas mãos, ela não tem papas na língua e dispara palavrões a cada frase.
Sua maior rivalidade, no entanto, vai ser com a irmã Lúcia (Carlandréia Ribeiro), com quem parece já ter rusgas de muito tempo atrás. As coisas ganham ares de barril de pólvora após a morte da matriarca da família e os debates em torno da herança a ser repartida para todos os seis irmãos e irmãs, incluindo aí a casa, que atualmente é ocupada justamente por Bel.
Essa é apenas a ponta de um iceberg que vai crescer de tamanho e revelar muito mais intrigas, expondo cicatrizes e dissabores que fazem parte do histórico de qualquer família. O Natal dos Silva, por vezes, expõe isso de forma muito engraçada, mas há também boas doses de desavença e crueldade na maneira como as verdades mais cortantes são lançadas à tona.
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Natal à brasileira

Diretor de filmes como Marte Um e codiretor de No Coração do Mundo, Gabriel e seus companheiros da Filmes de Plástico vêm investindo na criação de histórias tipicamente brasileiras e humanas, com um registro realista-naturalista que emana das situações do cotidiano.
Baseado na cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a produtora faz questão de colocar a cidade da periferia de BH no centro de suas realizações, destacando também as famílias negras de classe média que tanto representam o povo brasileiro.
Os episódios são dirigidos por ele, por André Novais Oliveira (de O Dia que Te Conheci) e Maurílio Martins (do recente O Último Episódio). Junta-se ao grupo no núcleo duro do coletivo o produtor Thiago Macêdo Correia, a ponto de podermos falar em uma produção da Filmes de Plástico, tão coesa e irmanada são os temas e o tratamento narrativo de suas produções.
O Natal dos Silva parece sintetizar todas as marcas estilísticas e temáticas que eles vêm exercitando ao longo de mais de 15 anos de existência da produtora. Com média de 35 minutos de duração em cada episódio, a série consegue ainda estabelecer um retrato familiar que pende tanto para a emoção quanto para os dramas mais pesados.
A aparente naturalidade do tratamento narrativo esconde ainda o vigor e o cuidado da encenação. O segundo episódio, por exemplo, assinado por Maurílio, é filmado todo em um único plano-sequência (sem cortes), enquanto em outros episódios, em momentos de maior tensão, prefere-se o uso de câmera na mão.
Desfile de agruras

Ainda assim, não é o virtuosismo técnico e cenográfico o grande chamariz aqui. A série se notabiliza pelo tratamento cru e sincero das relações familiares, sem querer romantizar a data como pura celebração do amor fraternal quando, na verdade, é um prato cheio para o surgimento de desavenças entre os integrantes da família.
É exemplar a maneira como a série equilibra tantos personagens e dilemas. Já no segundo episódio, mais integrantes da família Silva se juntam à ceia de Natal prestes a começar, trazendo na mala seus dramas, traumas do passado e segredos que não demorarão a ser revelados.
Chega dos Estados Unidos Jesinho (Ítalo Laureano), espécie de agregado que foi acolhido no lar quando criança, tendo se mudado para o exterior a fim de ganhar a vida, mas escondendo sua real fonte de renda. O taciturno Geraldo (Carlos Francisco) aparece com os filhos – ele que guarda uma tragédia do passado motivada pelo vício em álcool, assim como a espirituosa Vera (Raquel Pedras), alegre demais e claramente rejeitada pelos demais familiares por seu comportamento pegajoso e indicador de problemas no passado.
Os embates entre os integrantes da família e os desdobramentos dramáticos das suas atitudes ou falas muitas vezes fazem pesar o clima da comemoração – o episódio do amigo secreto, por exemplo, parece um enterro.
É um verdadeiro desfile de agruras e discórdias que vão se tornando uma bola de neve, tudo isso permeado pelo jeitinho brasileiro e pelas saídas mais inconvenientes e pretensamente engraçadas para as saias justas.
Ainda assim, O Natal dos Silva consegue ser uma homenagem honesta ao espírito natalino, não na sua dimensão cristã, mas na maneira como entendemos e aceitamos estar em família, mesmo diante da mais disfuncional delas.
“O Natal dos Silva” / Criado por Gabriel Martins / Com Rejane Faria, Ítalo Laureano, Robert Frank, Marisa Revert, Renato Novaes, Carlos Francisco, Aisha Brunno, Norberto Novais Oliveira, Adilson Marcelino, Luan Manzo / Exibição: às quinta-feiras, 21h30, no Canal Brasil / Alternativos: Sextas-feiras, 22h30; sábados, às 23h; domingos, às 19h; quartas, às 20h30 / Maratonas: 25/12, 19h (maratona com os quatro primeiros episódios, fechando com o lançamento do quinto), dia 27/12, a partir das 20h30, dia 28/12, a partir das 16h30, dia 02/01/2026, a partir das 23h / Exibição de um episódio por semana no Globoplay (Plano Premium)
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