SUCESSO
800 artistas de 60 países: como será evento que vai acontecer em Salvador
Capital será sede do Global Artivism 2025, conferência com líderes culturais, artistas e ativistas

Por Maiquele Romero*

Assim como na roda de capoeira, onde cada corpo traz uma história e o diálogo se constrói no movimento, o Global Artivism 2025 quer transformar Salvador em um grande círculo de troca e criação coletiva.
De terça (3) a quinta-feira (5), a capital baiana recebe mais de 800 artistas, ativistas e líderes culturais de 60 países em uma programação com performances, painéis, oficinas e exibições em diferentes espaços, do Campo Grande ao Pelourinho, passando por museus, teatros e praças.
Entre os nomes confirmados, estão a capoeirista e multiartista Puma Camillê, que mescla vogue dance e capoeira em performances que chama de “transancestrais”; o palestino Bashar Murad; o eco-rapper norte-americano DJ Cavem; o mexicano Guz Guevara; o coletivo ALT BLK Africa, formado por artistas da diáspora africana; e o brasileiro Mundano, criador da oficina Cinzas da Floresta, que transforma resíduos de queimadas em pigmentos artísticos. Também participam a ministra da Cultura, Margareth Menezes, a deputada Erika Hilton, a jornalista e escritora Laila El-Haddad, o filósofo Bayo Akomolafe, o artivista Matsi Waura Txucarramãe e a liderança indígena Ubiraci Pataxó.
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Linguagem de disrupção
As atividades, que acontecem simultaneamente em mais de dez locais, abordam temas como justiça climática, direitos da natureza, desigualdade de gênero, racismo estrutural, solidariedade global e a arte como ferramenta de transformação social. Para Kumi Naidoo, fundador do Global Artivism e ex-diretor do Greenpeace, a arte tem o poder de provocar algo que o discurso político muitas vezes não alcança.

“Depois de décadas na luta pelos direitos humanos, aprendi que fatos e argumentos sozinhos não movem as pessoas – histórias, emoção e imaginação sim”, afirma.
“A arte nos dá a linguagem para alcançar a humanidade das pessoas, transformar dor em propósito e construir pontes onde a política constrói muros”, observa.
O encontro chega ao Brasil após a primeira edição, realizada em Joanesburgo (África do Sul) em 2024, e antecede a COP30, que acontecerá em Belém do Pará.
Salvador foi escolhida por sua força simbólica, cidade de ancestralidade africana, berço da resistência cultural e território de religiosidades e expressões populares.
A arte da vadiação
Para Puma Camillê, o evento é uma oportunidade de conectar saberes e linguagens diversas, unindo o pensamento ancestral das ruas à discussão global sobre clima e justiça social.
“O Global Artvism tá propondo a gente se reencontrar com peças de quebra-cabeças em diferentes partes do mundo. Eu chego com uma parte do quebra-cabeça, venho com uma perspectiva da rua, da cultura de matriz africana próxima ao terreiro”, explica a artista, ao falar da importância do evento englobar discussões que vão além da academia e eventos corporativos.
“Trago a sabedoria da capoeira, a sabedoria da ballroom, então o que eu somo é conseguir comunicar com pessoas que estão falando do clima e ao mesmo tempo elas entenderem como isso também reflete nas pessoas negras, aqui em Salvador ou em São Paulo, como isso se dá de forma diferente, como isso também conversa com corpos originários”, reforça.

Filha da capoeira Angola, Puma fala de uma arte que não é performance, mas filosofia. “A gente usa na roda de capoeira a palavra ‘vadiação’, que é se entregar para aquilo de forma despretensiosa, mas com intenção”, diz a artista.
A capoeirista traça um paralelo dessa vadiação com o Global Artivism, “estamos indo de forma despretensiosa encontrar pessoas que têm muitas partes de um quebra-cabeça, para além das palestras, nas vivências e nas trocas profundas que Salvador permite”.
Puma também cria pontes entre essa tradição e o universo da ballroom, movimento cultural nascido na Nova York dos anos 1980 por pessoas negras e latinas LGBTQIAPN+, que criaram espaços seguros de expressão por meio da dança vogue, da moda e da performance.
A artista vê nessa combinação entre roda e caminhada, entre ginga e vogue, uma forma de diálogo ancestral e contemporâneo. “Na roda de capoeira, você precisa entender como se colocar para conversar, para dialogar com a história que está à sua frente”, diz. “Quando a gente se junta em roda, é porque existe um sistema articulado para além da gente que tenta suprimir, e a roda é o espaço de resistência e diálogo”, afirma Puma.
Direitos, corpo
Entre as ações que integram o evento, a CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação) realiza uma série de intervenções urbanas na luta contra o aborto inseguro e pela garantia de acesso ao procedimento seguro e legal, com projeções mapeadas em diferentes pontos da cidade, performances e distribuição de materiais educativos.
“CEPIA chega ao Global Artivism com a convicção de que a arte é também memória e disputa de narrativa. Ela nos permite revisitar o passado, questionar desigualdades e propor novos caminhos”, afirma Karla Oldane, coordenadora de comunicação da CEPIA.

“Nossas ações artivistas, das campanhas audiovisuais às projeções urbanas por Justiça Reprodutiva, passando pelas oficinas em escolas sobre racismo, relações de poder, desigualdade de gênero, liderança e participação política, expressam justamente esse compromisso: o de fazer da cultura uma ponte entre o cotidiano das pessoas e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, completa Karla.
Moda como gesto político
A moda também entra em cena como linguagem de transformação. No dia 4, o modelo e empresário Carlos Cruz participa da sessão “Memória, Monumento e os Fios que nos Unem” e promove um desfile com jovens de comunidades soteropolitanas na Barroquinha.
O desfile será realizado por jovens do Periferia do Futuro, instituto fundado por Carlos. “Esse instituto dá cursos de capacitação com a moda, costura, maquiagem e tranças para que a arte chegue como fator de transformação antes da bala”, explica o modelo.
Carlos reforça que “a moda tem o poder de mudar histórias e gerar empoderamento pra população preta, que durante muito tempo não se viu representada”.
Sobre o Global Artvism e conferências que colocam a arte e o ativismo em foco, o modelo destaca que quem ganha é a cidade de Salvador.
“É uma história contada através de um momento que vai trazer esperança para os jovens que fazem parte do projeto. Eu sinto que Salvador ainda é muito carente de eventos internacionais, e acredito que esse dia vai revolucionar a vida de muitas pessoas”, diz.
Futuros possíveis
A proposta do Global Artivism é fazer da arte uma linguagem de disrupção. “Ser um ativista hoje é viver na interseção entre criatividade e coragem”, resume Kumi Naidoo.
“Significa usar a arte não como decoração, mas como disrupção, para desafiar a injustiça, curar divisões e inspirar ação coletiva”, acrescenta.
Entre rodas, palcos e ruas, o evento constrói um mapa simbólico de solidariedade global. Para Puma Camillê, o encontro é um “farolzinho de esperança”, onde a ancestralidade se reencontra com o futuro, um futuro em que a celebração é também uma forma de compromisso coletivo.
“Eu acredito no mundo que dá importância para a celebração”, diz. “Que consiga ser sério, mas também celebrar, como o funk, como a ballroom, como a capoeira. Eu acredito na interseccionalidade das coisas”.
Nos futuros possíveis que ela imagina, as diferenças já são um ponto de partida superado, e a arte é o idioma comum que mantém o mundo em diálogo.

Em Salvador, o Global Artivism 2025 transforma esse sonho em ensaio, um exercício coletivo de imaginação e resistência, onde cada gesto é também um ato político e cada arte, uma possibilidade de futuro.
Global Artivism 2025 / 3 a 5 de novembro / Hotel da Bahia by Wish e diferentes espaços culturais de Salvador / Programação das 9h às 18h, com apresentações e eventos noturnos / Ingressos a partir de R$ 106,91 (isenção da taxa disponível mediante análise) / Participação online gratuita / Programação, informações em @globalartivism
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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