VISUAIS
Arte performática ocupa Bahia e provoca debate sobre violência no cotidiano
Bienal de Performance ocupa espaços públicos e desafia silêncio sobre violência
Por Eugênio Afonso

Agora em agosto, a arte da performance toma ruas, feiras, escolas e centros culturais de Salvador e Jequié através da 1ª Bienal de Performance da Bahia. Tudo acontece, de forma gratuita, nas duas cidades, a partir desta quarta-feira, 13, até o dia 17.
Inédito, o evento é dedicado exclusivamente à linguagem performática no Estado e vai reunir mais de 30 artistas, pesquisadores e pensadores em uma programação que inclui manifestações urbanas, oficinas, falas públicas, videoarte e exposições.
Com curadoria da artista e pesquisadora jequieense Padmateo, 26, esta edição terá como tema a pergunta ‘Isto é Violência?’. Uma indagação que propõe reflexões críticas sobre os modos como o cotidiano, a política e as marcas da história moldam as experiências da bestialidade.
“Nada mais oportuno do que refletirmos uma realidade cotidiana baiana: a violência. O site The Intercept Brasil nos revelou o dado assombroso de que a Polícia Militar baiana mata cinco pessoas por dia. Lançar a pergunta ‘Isto é Violência?’ nos faz complexificar a semântica da palavra e suas diretrizes. Desejamos que o tema da edição abra caminhos para novos debates e outros espaços de discussão pós-Bienal”, comenta Padmateo.
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Não à toa, Salvador e Jequié foram eleitas para sediar esta primeira edição da Bienal de Performance da Bahia, afinal ambas figuram entre os municípios mais violentos do Brasil, segundo dados recentes do Atlas da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ao ocupar as ruas dessas cidades com arte, o projeto propõe uma escuta atenta às urgências locais e inscreve a performance como gesto de enfrentamento simbólico, afetivo e político, de acordo com os organizadores.
Para Padmateo, a escolha da Bahia como palco para o evento é mais do que justa, já que o Estado pulsa performatividade em seu cotidiano, suas festas, seus ritos sagrados e tradições populares.
“Desde as Caretas do Mingau ao Nego Fugido, no Recôncavo, do Reisado ao Carnaval, do ambulante criativo da Estação da Lapa às romarias do Bom Jesus da Lapa. A Bahia necessitava de um espaço de confluência, de encontro, que legitimasse também nosso lugar performativo na cena nacional”, destaca a curadora.
Diálogo possível

Para compor o cardápio do encontro, foram selecionadas uma variedade de manifestações – de performances sonoras a instalações, de performances interativas a colagem de lambes, e de coreografias a fotoperformances.
“As performances escolhidas não respondem à pergunta mote da edição, mas adicionam mais interrogações, deixando ao público a resposta cabível. Elas acrescentam camadas à pergunta a fim de que a própria imagem, revele o óbvio oculto”, explana Padmateo.
Como participante do evento, o artista, professor e curador mineiro Marcel Diogo apresenta a performance Nem tudo que vai pra parede é obra de arte.
“Afirmação que evoca tensionamentos entre o que figura em espaços oficiais das artes e as abordagens policiais violentas e racistas nas ruas de grandes centros urbanos, como Jequié e Salvador”, define Diogo.
Para ele, um evento que se apresenta como primeira bienal indica um desejo de continuidade. “Nesse sentido, percebo a 1ª Bienal de Performance da Bahia como uma construção robusta e frutífera, tal qual uma árvore da caatinga que entranha e fixa suas raízes na terra para gerar futuros frutos, sombra, entre outras benesses a médio e longo prazo”.
Fotoperformance Popular – outro trabalho do evento –, desenvolvido pelo fotógrafo, artista visual e cineasta jequieense Alex Oliveira desde 2019, traz mais um tema à baila: a intervenção urbana.
Para isso, será instalado um estúdio fotográfico improvisado em locais de grande circulação, como praças públicas ou feiras livres, em parceria com Cássia Nunes, artista da performance de Uberaba.
“Iremos ativar ações performáticas para serem fotografadas em estúdio. Moradores locais, artistas e transeuntes serão convidados a colocarem seus corpos pra jogo, criando ações e gestualidades que tragam em evidência a ideia de violência. Posteriormente, algumas fotoperformances serão impressas e instaladas pelas ruas da cidade, utilizando a técnica do lambe-lambe”, detalha Oliveira.
Por fim, Padmateo reconhece que realizar eventos na rua significa ocupar o lugar do embate político por excelência, onde as ideias circulam melhor, o diálogo é possível e toda voz é escutada.
“Retirar a performance de grandes galerias e espaços institucionalizados e levá-las pra rua é, não só reafirmar o lugar vivo da cidade, mas também compor uma rede de aproximações entre artistas, transeuntes e a própria identificação com o tema de cada ação”, conclui a curadora.
Programação

Em Salvador, o Pelourinho será ocupado com caminhadas performáticas, debates e ações poéticas. Para começar, no dia 13, Tiê Francisco Maria conduz a performance Ultrassom: ou toda cidade é uma partitura, em que sons urbanos são captados e ressignificados como partitura viva.
No dia 14, é a vez de Ângela Daltro apresentar Noiva, performance premiada que encarna uma prece laica contra violências de gênero e raça.
Em 15 de agosto, Álex Ìgbó espalha pelas ruas a série de lambes Oriente-se, desafiando símbolos coloniais de gênero.
Essas três performances têm como ponto de partida a Casa do Benin. Já no dia 16, Contagiar: conversas sobre HIV e AID$, com Kako Arancíbia e Franclin Rocha convida o público que transita pelo Terreiro de Jesus a experimentar o silêncio, o afeto e o diálogo como ato performativo.
Jequié começa no dia 13, com a abertura da exposição Mandacaru: Aqui é um bairro, de Alex Oliveira, na residência artística Casa 1145. No mesmo dia e local, Z Mário realiza uma intervenção simbólica e ancestral que busca conectar vida e morte, passado e presente.
No dia seguinte, Marcel Diogo apresenta, no Centro de Abastecimento Vicente Grillo, a performance Nem tudo que vai na parede é obra de arte. Alex Oliveira retorna no dia 15 com a Fotoperformance Popular, na Feira do Pau e no Colégio Milton Santos.
Tem ainda A Gangorra, do artista Augusto Leal, no dia 15, na Praça Ruy Barbosa, e Me segura que eu vou dar um vogue, de Otacílius José, na Avenida Rio Branco. Já no dia 16, no Centro Cultural ACM, acontece o espetáculo Entrelinhas, da coreógrafa Jack Elesbão.
A 1ª Bienal de Performance da Bahia terá ainda uma mostra de videoarte, reunindo obras nacionais e internacionais sobre identidade, território e performatividade, além de uma programação exclusiva para o ambiente virtual, o ciclo Alto-Falante-Aulas Magnas, disponível no YouTube da bienal.
Os interessados em participar de oficinas e mesas de bate-papo –- sobre o tema do evento e a própria prática da performance na Bahia – devem se inscrever através de formulário disponível no perfil do Instagram @bienalperformance.
A programação completa - com dia, hora, cidade e local – pode ser conhecida no endereço eletrônico linktr.ee/bienaldeperformanceba.
1ª Bienal de Performance da Bahia / 13 a 17 de agosto / Salvador e Jequié / programação: linktr.ee/bienaldeperformanceba
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