BIENAL BAHIA
Ilê Ayê é homenageado em mesa na Bienal que celebra 50 anos do bloco
Mesa sobre o mais belo dos belos reuniu o fundador do bloco e a historiadora Luciana da Cruz Brito
Por Matheus Calmon
A pavimentação do movimento antirracista feita pelo Ilê Ayê, tanto na cidade do Salvador quanto pelo país e pelo mundo em 50 anos de história, foi homenageada nesta quarta-feira, 1º, na Bienal do Livro.
Durante a mesa 'O mais belo dos belos - Ilê Aiyê faz 50 anos' no 'Café Literário', a historiadora Luciana da Cruz Brito, autora do livro 'O avesso da raça: Escravidão, abolicionismo e racismo entre os Estados Unidos e o Brasil' e o fundador do bloco, Vovô do Ilê, relembraram o cenário vivenciado pela capital baiana durante e após o surgimento do 'bloco de negão'.
Durante a conversa, a historiadora lembrou o impacto do Ilê em sua própria vida. Ela contou que a primeira vez que viu o bloco foi em 1999, quando estudante de História na UFBA. Na ocasião, o mote de parte do público era embranquecer o negro.
"Não foi um caminho familiar, negritude era um peso. Até que um dia alguém me disse que haveria um ensaio do Ilê e me convidou. Fiquei impactada. Para aquelas pessoas que estavam ali, e me refiro às mulheres, a negritude não era um peso e para mim, foi um outro mundo que abriu. Aquilo foi fantástico".
Anos depois, em 2008, ela desfilou com o bloco pela primeira vez e entendeu, então, o que era o megaevento da celebração da negritude individual.
"As pessoas estão celebrando o que são com muita alegria e emocionando quem está na rua. Nesse intervalo, para mim, era celebração da alegria de ser uma mulher negra. São três dias que podemos passar por qualquer lugar que o caminho se abre e não há nenhuma hipocrisia nisso".
Vovô lembrou que, antes da existência do bloco, costumava assistir com amigos a blocos e escolas de samba e chegou a uma conclusão: cadê o povo preto?
"Tínhamos certa influência do movimento negro americano e surgiu a ideia de fazer um bloco só de negão. Fui para casa e aí minha mãe [Hilda Jitolú] entrou na história. Contei a ela, achou a ideia ótima e disse: 'as meninas também vão participar'. Eu disse sim, é claro. 'Pois eu também vou sair, se meus filhos forem presos, também vou'. Ela começou a monitorar e nos orientar. Eu queria botar o nome do bloco Black Power", contou.
"É muito interessante ao empresariado que essa história seja esquecida. Para sair no bloco de carnaval a gente preenchia uma ficha, dizia onde morava e uma foto. Por não ter a pele escura, minhas colegas diziam 'nao vá para a praia por uns tempos, alisa o cabelo, bote o endereço de fulana de tal, tire uma foto com a luz mais em cima que te aceitam'".
Luciana lembrou que, mesmo sendo a cidade mais negra do país e do mundo fora da África, Salvador se deparou com outdoor na Av. Bonocô, que dizia: "Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental".
A ação, capitaneada por um outro bloco, teria sido em resposta a críticas pela cobrança de foto e informações como o bairro, o que excluía negros e moradores de bairros periféricos.
"Esses eram os embates da cidade de Salvador. Hoje todos esses artistas tocam sem cordas, a classe média empobreceu, mas a história é essa. É a história de Salvador. Seria interessante quem tivesse as fichas pra ceder pra gente pesquisar", lembrou Luciana.
"Hoje em Salvador existe uma elite negra que não aparece. Eu digo, não esqueça, pois se esquecer, alguém vai te lembrar, e a forma é muito perversa. Não é possível uma cidade como Salvador não ter negros em classes de poder. Não vamos só botar a culpa no cidadão branco, quem elege somos nós. Esquerda e Direita é tudo igual. Queremos liberdade, igualdade e respeito".
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