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ARTE

E se o povo negro não tivesse vindo em navios negreiros, mas em úteros?

Em Salvador, artistas francesas T.I.E e Delphine Diallo repensam a história pelo olhar da mulher negra

Marina Branco

Por Marina Branco

09/11/2025 - 9:30 h
Imagem ilustrativa da imagem E se o povo negro não tivesse vindo em navios negreiros, mas em úteros?
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A história da chegada do povo negro à Bahia é antiga. Os navios negreiros, estudados em tantos livros didáticos, estão no imaginário da população, como o lugar que trouxe tantos escravizados para Salvador.

No entanto, com o passar do tempo, novos estudos, novas artes e artistas repensaram onde essas pessoas realmente foram trazidas. Uma delas, a artista senegalesa T.I.E Ngnima Sarr, que carrega em sua arte sua voz e a de todas as mulheres que vieram antes dela.

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Musicista, compositora, performer e criadora de instalações, T.I.E vive na França, mas o eixo que sustenta sua obra é outro - o Atlântico Negro, conceito que fala das trocas culturais entre as negritudes de diferentes países e, para ela, entre os corpos femininos que passaram por esses lugares.

Foi assim que T.I.E chegou à Bahia, convidada pelo projeto “Eu Sou Um Oceano Negro” para apresentar seu projeto "Mawu’s Daughters", que pensa a regeneração da diáspora negra a partir de práticas afetivas, espirituais e femininas.

A ideia não é revisitar a história da violência marítima apenas pela dor, mas sim reimaginar o oceano como um território de recomposição e renascimento. É daí que nasce seu projeto mais recente, a "Odisseia no Útero".

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O conceito da arte de T.I.E pode ser resumido em uma única pergunta: "e se o útero fosse um navio?". E se o primeiro espaço de travessia, antes dos barcos, dos portos, das rotas forçadas, fosse o corpo da mulher negra?

"E se pudéssemos regenerar, pela força simbólica do útero, as nossas mortes traumáticas, nossas vidas, nossas relações com o mundo, com os outros e com a própria história afro-descendente, tudo isso pelo olhar da mulher negra?", questiona.

"Penso no útero como um lugar de reconstrução das nossas mortes, das nossas vidas, das nossas relações com o mundo e com a própria história afro-descendente. É um retorno ao lugar da criação, pela mulher e pelo feminino negro", diz T.I.E.

"A travessia é uma conversa silenciosa sobre memória, ancestralidade e território", explica. "É um trabalho em progresso, que mistura performance, música, experimentação sonora e até documentário. Na Bahia, deixo a ideia ganhar a forma que cada mulher traz em seu próprio corpo", conta.

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T.I.E na Bahia

Segundo T.I.E, a Bahia, com seus terreiros, seus altares domésticos, suas águas, seus tambores e sua comida preparada para ancestrais, é um campo fértil para esse tipo de pesquisa, e ela o aproveitou.

Na Bahia, ela se aproximou de grupos formados por mulheres que trabalham saberes espirituais afro-atlânticos, para pensar como saberes que não devem ser ditos, só transmitidos, se sustentam ao longo do tempo.

"Essas mulheres carregam um saber antigo, transformado pela experiência da diáspora e da deportação. Aqui, estou em imersão total, como artista, mas também como mulher que se reconhece nessa história", diz.

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Bahia, África e Senegal

No projeto, T.I.E colaborou com a artista Delphine Diallo, fotógrafa e videomaker franco-senegalesa, criando juntas uma instalação-performance que será apresentada na Casa do Benin, com abertura marcada para esta sexta-feira, 7, às 15h.

"Estamos construindo uma narrativa que não é apenas nossa. É uma narrativa que atravessa o oceano. Que vem antes de nós. Que nos ultrapassa. A arte é só a superfície onde isso aparece", afirma.

Para Delphine, o projeto carrega o mesmo sentimento: “O Oceano Negro é pensado como uma ponte, não uma fronteira. Foi uma experiência extraordinária de expansão criativa, uma forma de união e de evolução em parceria com o futuro".

Ela afirma que essa união simbólica entre as margens do Atlântico (Bahia, Senegal, França e Estados Unidos) revela algo essencial sobre o que ela chama de "arte profunda".

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"Hoje o mundo pede uma arte que tenha profundidade. E essa profundidade vem dos ancestrais africanos da diáspora. É uma arte enraizada na espiritualidade e nos corpos que buscam libertar-se das estruturas coloniais, patriarcais e capitalistas que ainda extraem e oprimem", diz.

Nas fotografias e retratos de Delphine Diallo, o olhar feminino é o centro. A artista acredita que a transformação do mundo e da arte passa pela mulher e pela reconexão com o corpo. "São as mulheres que devem guiar a liberação do nosso coração e da arte em si", afirma.

"Todas as mulheres do mundo têm um útero. Elas trazem a memória, são guardiãs de espaços multidimensionais, porque carregam dentro de si a inteligência ancestral", explica.

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É a partir desse pensamento que Delphine cunhou os termos 'WombTech' e 'SoulTech': tecnologias espirituais baseadas no corpo, na intuição e na ancestralidade. "A mulher sabe, porque ela traz a vida em um útero cheio de água. Ela é o futuro. E as mulheres negras farão a libertação dessa objetificação", diz.

Seus retratos, marcados por contrastes suaves e simbolismos sutis, são menos sobre representação e mais sobre reencontro. A fotografia, para ela, é uma forma de ativar a memória e visualizar o que ainda não existe.

"Quando fotografo corpos negros hoje, produzo imagens do futuro e do passado ao mesmo tempo. O futuro não existe se não o imaginarmos. Estar aqui, agora, falando com vocês, isso já é o futuro", explica.

Assim, para as artistas, a exposição precisava passar pela Bahia, berço de tantos conceitos importantes para sua arte. "A Bahia é a África colada à América antes de se separar", diz T.I.E.

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"Quando chego à Bahia, sinto-me ancorada e reconectada. Como no Senegal. Aqui a realidade tem várias dimensões. A vida não é só racional, não é só pensamento. É presença, é corpo, é pulsação. É a existência viva de quem ainda está criando o mundo", conta.

"Minha experiência aqui foi um vórtice. Um verdadeiro vórtice", finaliza.

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