TEATRO
Elas no teatro: 3 espetáculos que mostram a arte feita por mulheres
Mostra reúne espetáculos criados e protagonizados por mulheres e celebra a força feminina no teatro

Por Maiquele Romero*

Não é raro que as histórias do teatro comecem antes do palco, na vida. Às vezes, elas começam no quartinho apertado onde uma diarista aprende a resistir, no terreiro de samba onde três gerações de mulheres negras sustentam a cultura com o corpo, na sala onde meninas descobrem que podem reescrever a história do Brasil.
É desse impulso, o de transformar diferentes vivências femininas em cena, que nasce a mostra Elas (En) Cena.
Leia Também:
A mostra acontece de sexta-feira, 7, a domingo, 9, no Teatro Módulo, reunindo espetáculos criados e protagonizados por mulheres. Idealizado pela Bole Bole Produções, o projeto celebra diferentes trajetórias, territórios e formas de existência feminina, reconhecendo o teatro como espaço de resistência, memória e futuro.
Nos três dias da mostra, o público poderá conferir os espetáculos Inferno, Santana e Meninas Contam a Independência, seguidos de bate-papos mediados pela atriz Cássia Valle, que conduzirá uma conversa sobre “o valor e a potência do trabalho feminino na produção artístico-cultural baiana e brasileira”.
“A mostra nasce do desejo de reunir e celebrar a presença de mulheres em todas as instâncias da cena, não apenas no palco, onde a visibilidade é maior, mas também na coxia, na escrita, na direção, na produção e na técnica. Queremos evidenciar nosso poder e nossa capacidade de fazer girar essa engrenagem que é o fazer teatral e o fazer cultural”, afirma Vadinha Moura, gestora do Teatro Módulo e idealizadora do projeto.
A mostra nasce com intenção declarada de deslocamento. “Com a mostra Elas (En)Cena, queremos provocar, no melhor sentido da palavra. Provocar reflexão, movimento, identificação. Fazer sentir, reconhecer-se, emocionar-se”, diz Vadinha.
A curadoria selecionou três espetáculos com perspectivas diversas, identidades negras, luta contra a invisibilidade e formação de consciência crítica. “Buscamos obras artisticamente potentes e com perspectivas plurais. Selecionamos três espetáculos que dialogam entre si, mas vêm de diferentes gerações, territórios e estéticas”, observa.
Mais do que reunir obras, a mostra afirma um gesto político: colocar mulheres em todas as etapas do processo criativo. “Não há uma experiência feminina única, há muitas vozes, histórias e camadas. Reconhecê-las e colocá-las em cena é ampliar repertórios, afirmar pertencimentos e celebrar quem constrói, com sensibilidade e potência, a cultura e o teatro que fazemos”.
‘Inferno’
A abertura da mostra é com Inferno, monólogo protagonizado por Ana Paula Bouzas. Em cena, uma diarista transforma o quartinho de empregada em trincheira de denúncia. O espetáculo trata da invisibilidade das trabalhadoras domésticas, revelando a violência por trás do que historicamente foi romantizado como “serviço de casa”.
O espetáculo estreou em 2019 no Sesc Copacabana (RJ) e já integrou festivais como o Festival de Curitiba e o Festto (MG). É o sexto solo da atriz, bailarina e coreógrafa premiada pela APTR (RJ) e reconhecida por sua atuação em Marighella, Medida Provisória e Urubus, além de vasta trajetória no teatro e na dança.
‘Santana’
No sábado, Santana, da DAN - Território de Criação, mergulha no Engenho Velho de Brotas e no legado do samba junino. A história é costurada através de três gerações de mulheres pretas, Cremilda, Marta e Nália.
A dramaturga Joseane Nascimento conta que a peça nasce de vidas que ela conhece de perto: “Muitas mulheres que eu conheci que têm essa história, essa vivência de criar suas filhas e filhos sozinhas com muita luta, com muita dor, trabalhando muito para cuidar das suas crianças. A minha mãe foi uma dessas mulheres, uma mulher forte, uma mulher incrível”.
Ela reforça o papel do território como dramaturgia: “Santana representa o Engenho Velho de Brotas de várias formas. Na figura dessa mulher forte. Na representatividade religiosa que meu bairro tem – na arte e no samba junino, em especial”.
Na cena, três gerações se articulam entre fé, resistência e afeto. Como resume a atriz Naira da Hora, que interpreta Nália: “O samba junino é isso. É uma expressão cultural, periférica, favelada, que vem desse lugar onde expressam as dores de homens e mulheres, pretos e pretas, e de pessoas LGBTQIAPN+”.
Para Joeseane, a peça devolve às mulheres negras o espelho que raramente encontram: “Eu me vejo em Cremilda, eu vejo a minha mãe, eu vejo muitas mulheres. Então, o que fica é essa sensação de que essa história representa muitas histórias”.
Meninas contam...
Encerrando a mostra, o espetáculo infantojuvenil Meninas Contam a Independência, da grupA Panaceia, coloca meninas no centro da história do Brasil.
Para Camila Guilera, atriz e cofundadora da grupa, as novas gerações trazem outra forma de estar no mundo: “Acho que as meninas de hoje têm muito a nos ensinar: em espontaneidade, em autoconfiança, em espaço para cultivar as suas possibilidades e a crença que cada uma tem nas suas possibilidades, que é uma coisa incrível”.
Para Ana Luisa Fidalgo, atriz e cofundadora da grupA formada apenas por mulheres, fazer parte da mostra reafirma escolhas políticas.
“Acho que é um projeto que traz muito do que a gente quer, do que a gente pratica, do que a gente tem como escolha mesmo, trazer para a nossa grupa. Então, valorizar o teatro feito por mulheres, trazer o protagonismo das mulheres, afirmar esse lugar é muito importante”, comenta a atriz.
Arte como caminho coletivo
A mostra também revela os desafios que persistem. Vadinha sintetiza: “Temos na Bahia um potencial artístico e criativo extraordinário. O maior desafio, no entanto, continua sendo a escassez de apoio e incentivo para que artistas e toda cadeia de profissionais da cultura possam viver dignamente e seguir fortalecendo esse legado coletivo que faz do teatro baiano uma das expressões mais vibrantes do país”.
Mesmo diante das dificuldades, ela afirma o poder do encontro entre mulheres: “trabalhar entre mulheres ainda é muito especial, é aprender novas formas de existir no mundo, é ressignificar processos e vivências anteriores, quebrar hierarquias e, ao mesmo tempo, reafirmar que competência, sensibilidade e liderança podem, e devem, caminhar juntas”.
A Mostra Elas (En) Cena tem patrocínio Companhia de Gás da Bahia – Bahiagás e do Governo do Estado da Bahia.
Serviços
➡️ Mostra ‘Elas (En) Cena’
▪️Data: sexta-feira (7) 20h: INFERNO, sábado (8), 19h: SANTANA, domingo (9), 11h: MENINAS CONTAM A INDEPENDÊNCIA
▪️Local: Teatro Módulo
▪️Ingressos: R$ 60 e R$ 30
▪️Vendas: Sympla
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes



