CENSURA?
Entenda proposta que quer excluir obra de Jorge Amado das escolas
"Capitães de Areia", que debate sobre violência e abandono, foi alvo de críticas de vereadora bolsonarista em Santa Catarina
Por Carla Melo

Uma das maiores obras já escritas pelo baiano Jorge Amado, e um dos legados clássicos da literatura brasileira, 'Capitães de Areia' ficou nacionalmente conhecido por dar visibilidade e levar em discussão a violência, a criminalização e o abandono infantil enfrentadas na década de 1930 diante das transformações políticas e sociais no Brasil.
Nela, o escritor e poeta baiano se debruça na história de um grupo de crianças, liderado por Pedro Bala, todos marcados pela criminalidade, pela marginalização, pela pobreza e principalmente pelo abandono. Toda a narrativa se passa em Salvador diante de um trapiche na cidade longe de qualquer atenção da sociedade.
À época do lançamento, a obra foi recebida como um ultraje, enfrentando censuras com a queima dos exemplares a mando do Estado Novo (1937-1945), período ditatorial marcado pelo fechamento do Congresso e centralização do poder. Quase 90 anos depois, a obra, que virou clássico da literatura e ferramenta de crítica política e social, parece ter voltado à época de ‘caças à bruxas’.
O que está acontecendo?
Durante uma sessão na Câmara Municipal de Itapoá (SC), a vereadora Jéssica Lemoine (PL), apoiadora do ex-presidente Jair Bolsonaro, solicitou formalmente a retirada do livro "Capitães da Areia", de Jorge Amado, dos materiais didáticos das escolas públicas do município.
A justificativa da parlamentar para a exclusão, seria de que a obra “promove a marginalização infantil, romantiza o estupro e a relação sexual entre adultos e crianças”. De acordo com ela, a classificação indicativa do livro — que, segundo ela, seria para maiores de 18 anos — teria sido alterada para permitir o uso da obra com alunos do 7º e 8º ano do ensino fundamental, com idades entre 12 e 13 anos.
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Ainda de acordo com ela, trata-se de uma “maneira do Governo Federal e da esquerda de introduzir a literatura brasileira, que é entendida por eles como material a ser trabalhado em sala de aula”. Apesar de não ter apresentado documentos que embasassem o pedido, disse ter sido motivada por pais que a alertaram sobre o conteúdo da obra.
A vereadora sugeriu que a inclusão de Jorge Amado no currículo escolar, um “escritor comunista”, estaria ligada a uma tentativa de “infiltração da esquerda” por meio do conteúdo literário.
Livro pode ser excluído das escolas?
Ao contrário de filmes e outros tipos de mídia, não há obrigatoriedade de indicação etária para livros no País, já que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), órgão responsável pela regulamentação, não os considera produtos classificáveis. Dessa forma, fica a critério das editoras sugerir ou não uma faixa etária.
ABL repudiam a proposta
Diante da polêmica, a Academia Brasileira de Letras (ABL) divulgou uma nota de repúdio assinada por Merval Pereira, presidente da instituição, na quinta-feira, 3. De acordo com a entidade, o projeto de exclusão da obra “chega a ser patético”.
"A Academia Brasileira de Letras vem mais uma vez se posicionar contra a tentativa de censura a livros, como acontece agora em Santa Catarina. Escrito em 1937, o livro Capitães de Areia vem sendo admirado desde então. O acadêmico Jorge Amado, um dos nossos maiores escritores, reconhecido internacionalmente, ser discriminado por suposta influência política comunista, a essa altura do século 21, chega a ser patético. Até porque Jorge Amado renegou o comunismo em 1956", diz a nota.
“A Academia Brasileira de Letras reafirma seu compromisso com a liberdade de expressão e com o valor da literatura na formação crítica dos jovens”, continuou a academia.
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