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DEBATE

Orgulho Nerd: Por que Salvador ainda não tem uma Comic Con?

Mesmo com público fiel e crescente, produtores apontam falta de apoio, infraestrutura e investimento

Por Beatriz Santos

25/05/2025 - 7:00 h
O universo geek movimenta bilhões na indústria do entretenimento
O universo geek movimenta bilhões na indústria do entretenimento -

Neste domingo, 25 de maio, data que celebra o Dia do Orgulho Nerd ou Dia do Orgulho Geek, a capital baiana se vê à margem dos grandes eventos de cultura pop que movimentam multidões em outras regiões do país. Apesar de contar com um público apaixonado e iniciativas locais resistentes, Salvador ainda não conseguiu sediar convenções de grande porte, como a CCXP. A pergunta permanece: o que falta para isso acontecer?

O universo nerd ou geek, que antes ocupava um espaço pequeno nas mídias e nos debates culturais, hoje movimenta bilhões na indústria do entretenimento e se consolidou como parte central da cultura de massa. Quadrinhos, games, filmes de super-heróis, cosplays, RPGs e colecionáveis deixaram de ser um nicho para se tornarem fenômenos globais. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, eventos dedicados a esse público se tornaram tradição e atraem milhares de visitantes de todas as idades e perfis, aquecendo a economia criativa local e impulsionando o turismo.

Em Salvador, no entanto, esse cenário ainda encontra barreiras. Mesmo com uma comunidade ativa e apaixonada, composta por cosplayers, gamers, ilustradores, fã-clubes e pequenos empreendedores do setor, segundo produtores e frequentadores ouvidos pelo Portal A TARDE, a cidade carece de investimentos, infraestrutura e apoio institucional que possibilitem a realização de convenções em larga escala. Os eventos existentes, muitas vezes organizados de forma independente, enfrentam dificuldades para se manterem e alcançar maior visibilidade.

Bon Odori

Se há um exemplo de evento com atrações geeks que deu certo em Salvador, esse é o Bon Odori, promovido pela Associação Cultural Nippo Brasileira (Anisa). O festival, voltado a celebrar a cultura japonesa, atraiu 80 mil pessoas em 2024 e espera receber 85 mil neste ano. “O nosso festival vem crescendo a cada ano. Hoje, ele se tornou o segundo maior do Brasil, atrás apenas do de São Paulo”, afirma Marcelo Naoto, presidente da Anisa.

A explosão de popularidade se deve, segundo ele, ao avanço da cultura pop japonesa: animes, mangás, doramas e J-pop. “A cultura japonesa vem crescendo bastante ao longo dos últimos anos, principalmente por causa do avanço da cultura pop japonesa — especialmente os animes, mangás, doramas japoneses e o J-pop. Isso fez com que o público em geral passasse a gostar muito e a apreciar nossa cultura. Tanto que, no nosso festival, a maior parte do público é de apreciadores da cultura japonesa, e não apenas de descendentes.”

Bon Odori atraiu 80 mil pessoas em 2024
Bon Odori atraiu 80 mil pessoas em 2024 | Foto: André Tapioca

Apesar da popularidade, o Bon Odori também enfrenta dificuldades para conseguir investimento. Naoto também reforça que, embora Salvador conte com boa infraestrutura turística, há uma carência de locais adequados para eventos de grande porte, o que limita a expansão da programação.

“O maior desafio para a realização é a barreira econômica, devido à dificuldade de conseguir patrocínio. Salvador peca na oferta de espaços. Hoje, apenas dois locais conseguem suportar a estrutura que o Bon Odori necessita: o Parque de Exposições e o Centro de Convenções”, afirma.

Mesmo com os obstáculos, o presidente da Anisa enxerga com otimismo o potencial da capital baiana para receber grandes eventos voltados ao público nerd e geek. “Acredito, sim, que Salvador tem público suficiente para comportar um evento de porte nacional como a CCXP, principalmente porque temos um público que aprecia muito essa cultura pop e que é bastante fiel aos eventos que participa ano após ano. Além disso, como é uma cidade turística, um evento desse porte atrairia também pessoas de fora.”

O cenário geek no Brasil cresceu bastante. Algo que antes era mal visto, hoje é comum. Vemos isso em todas as crianças que gostam de animes e mangás, nos adolescentes e jovens adultos que curtem o universo Marvel e outras atrações desse tipo. O que antes era mal visto, hoje é apreciado pelas pessoas.
Marcelo Naoto

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Realidade dos produtores

Apesar de ter a cultura pop com um dos pilares, o Bon Odori não contempla totalmente o público nerd/geek, especialmente, os fãs de personagens e franquias não orientais. Além disso, a presença de artistas internacionais, anúncios sobre filmes e séries, standes variados com brindes, entre outras atividades, são alguns dos atrativos encontrados apenas em eventos de maior porte como a CCXP, em São Paulo, e o Sana, no Ceará.

Com mais de uma década de atuação na cena nerd de Salvador, a produtora Mega Hero se consolidou como uma das principais responsáveis pela promoção de eventos voltados à cultura pop na capital baiana. Criada em 2011 com o nome Toku Bahia, e rebatizada em 2012, a produtora organiza eventos como Calafrio, Orgulho Nerd, Otaku Matsuri e o Orgulho Otaku, que terá nova edição em 16 de agosto de 2025, com expectativa de público de 300 pessoas.

“O evento normalmente atraía entre 150 a 200 pessoas, mas tivemos um crescimento grande em relação ao último ano. Por isso, o evento vai acontecer em dois espaços diferentes em um mesmo local: Sala de Cinema Walter da Silveira e Biblioteca Central”, explica Raphael Maiffre, cofundador da Mega Hero e também coordenador da parte jovem do Bon Odori, o Palco Mirai.

A realidade na Bahia contrasta com o incentivo dado a eventos em estados do Sudeste
A realidade na Bahia contrasta com o incentivo dado a eventos em estados do Sudeste | Foto: André Tapioca

Apesar do crescimento, ele concorda com Naoto e diz que a ausência de infraestrutura adequada ainda é uma barreira. “Salvador é carente de espaços que comportam eventos voltados para esse nicho. E aqueles que podem comportar uma parte deles, ainda enxergam esse público com um certo ‘preconceito’, não acreditam de fato no potencial de como isso fomentar a cultura local”, afirma Maiffre.

A realidade baiana contrasta com o incentivo dado a eventos desse tipo em estados do Sudeste.

Salvador é uma cidade rica, plural e que precisa abrir os olhos para o mercado nerd. São Paulo por exemplo, desde o ano passado tem um edital que é destinado a eventos e produções para esse mercado, eles já entenderam que isso movimenta a cultura local.
Raphael Maiffre

Para Ana Luiza Bélico, que integra a organização da Mega Hero há 13 anos, há uma urgência em ampliar a visão sobre o potencial dos eventos nerds para o turismo e a economia criativa local. “O investimento no setor turístico é crucial para que investimentos como grandes convenções voltem seus olhares para Salvador. Opções de hospedagem, centros de convenções de diversos portes, lojas que vendem produtos temáticos, um local como o bairro da Liberdade em São Paulo, uma cena consistente e que entenda seu valor são elementos que vão atrair investimentos para esse nicho.”

Salvador já possui a indústria do Carnaval que gira milhares de reais ou mais, e às vezes sinto que as outras manifestações se perdem na falta de interesse e no vácuo que o Carnaval gera na cidade. Salvador é muito rica de cultura e acredito que ela tem espaço para todos os tipos de manifestações culturais, assim como São Paulo, só precisamos enxergar que existe espaço para todos.
Ana Luiza Bélico

O consumo de cultura pop asiática também é uma característica marcante do público local. “De uma forma geral o público de Salvador que frequenta eventos à cultura nerd tem ido para eventos que abraçam segmentos diferentes, justamente porque hoje não temos mais eventos de grande porte acontecendo por aqui. Mas eu diria que o ‘cosplay’ é um forte chamariz, sobretudo se estiver atrelado a concursos e desfiles. Algo que sempre falo é que o público de Salvador é majoritariamente consumidor de cultura pop asiática, então eventos que focam nessa vertente costumam atrair mais gente”, observa Maiffre.

O consumo de cultura pop asiática é uma característica marcante do público
O consumo de cultura pop asiática é uma característica marcante do público | Foto: André Tapioca

Apesar das dificuldades, ambos destacam que o cenário evoluiu e o público se renovou. “Os eventos do Mega Hero estão cada vez maiores, o público tem se renovado e isso é incrível. Eventos como o Calafrio que começou num mezanino de uma loja de quadrinhos, terá esse ano dois espaços públicos para a realização de sua 8ª edição. Mas chegará um ponto eu acredito que iremos precisar de novos recursos, o que inclui um espaço maior e sinto que Salvador ainda precisa investir mais nesses ambientes”, defende Maiffre.

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Uma publicação compartilhada por Dia do Orgulho Otaku | Evento (@orgulhootaku_evento)

Eventos nerds/geeks na Bahia

O cenário também tem registrado cancelamentos como o do Anipólitan, considerado um dos maiores festivais de cultura pop da Bahia. O evento não aconteceu em 2024, e desde então, não anunciou uma retomada.

Enquanto a capital ainda enfrenta desafios estruturais e de investimento para consolidar grandes eventos voltados à cultura nerd, cidades do interior da Bahia lidam com problemas parecidos. Em Feira de Santana e Alagoinhas, iniciativas como o AniHime, o AGF (Alternative Geek Festival) e o Festival Game Show (antigo ACF – Anime Cosplay Festival) movimentam centenas de pessoas e demonstram que o interesse pelo universo pop se estende muito além da capital.

Em Feira de Santana, o AniHime se destaca como um dos principais eventos da região. “Ultimamente, o público dos nossos eventos varia entre 500 e 700 pessoas. Esse número muda bastante dependendo do tipo de evento: em ações beneficentes, chegamos a reunir cerca de 2.000 pessoas (arrecadando, em média, de 1.800 a 2.000 toneladas de alimentos), mas, em eventos com cobrança de ingresso, o público cai drasticamente”, afirma Iggor Dias Senna, da organização.

As atrações também têm seu público cativo, com destaque para as competições de cosplay, os torneios de games e as apresentações de K-pop. “Cosplay e games lideram o interesse, mas muitas pessoas também buscam atividades como K-pop, quizzes, RPG, entre outras. Cada atração tem seu público fiel”, explica Iggor.

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Uma publicação compartilhada por Cosplays Feirenses | Encontros geeks (@cosplaysfeirenses)

No entanto, o desafio mais persistente continua sendo a falta de apoio. “Há mais de 15 anos, o maior desafio continua sendo o mesmo: apoio. Existe um certo preconceito com eventos geek. Muitos locais preferem não ‘abrir as portas’ para a realização desse tipo de evento, mesmo sabendo que o público-alvo está lá. Ainda assim, optam por não apoiar.”

Em Alagoinhas, o AGF segue a mesma lógica: muito esforço e pouco investimento. Alexandre Mota, envolvido com a organização do AGF e também do Festival Game Show, reforça o crescimento do público, mas aponta a ausência de patrocínio como principal entrave. “Em alguns eventos, considerando um ou dois dias de duração, chegamos a reunir de 1.000 a 2.000 pessoas. Existe sim um crescimento.”

Segundo ele, até mesmo empresas locais ainda não enxergam o valor do público geek como um mercado em potencial. “A maioria das marcas concentra seus investimentos no Sudeste, onde há maior retorno de mídia e de público. Mesmo empresas locais, às vezes, não enxergam o público geek como um consumidor prioritário.”

Quem frequenta? O público que sustenta a cena nerd baiana

Imagem ilustrativa da imagem Orgulho Nerd: Por que Salvador ainda não tem uma Comic Con?
| Foto: André Tapioca

Diversificado e engajado, o público que frequenta os eventos nerds em Salvador é peça-chave para a sobrevivência e expansão dessa cultura na cidade. São fãs que, apesar das limitações, continuam comparecendo, consumindo e incentivando a produção local — muitas vezes sendo o único apoio para que esses encontros aconteçam.

Jurouni Mendes, que acompanha o cenário desde 2007, reconhece as melhorias ao longo dos anos, mas destaca que os avanços ainda não atingem o necessário em termos de estrutura.

Ao longo dos anos, tivemos avanços do ponto de vista mais didático; contudo, no quesito estrutural, ainda deixa muito a desejar, principalmente por conta da falta de iniciativas. Mal temos espaços para nos reunirmos em Salvador. Hoje, isso se resume a encontros em praças, shoppings e teatros — o que não é ruim, de certo modo, mas ainda somos carentes de centros realmente capacitados e que consigam acolher a todos com comodidade e segurança.
Jurouni Mendes

Mesmo com as dificuldades, ele valoriza o esforço dos organizadores e aponta a força do público como combustível para a continuidade dos eventos. “Acredito que todos os eventos se empenham para entregar sempre o melhor. Vale ressaltar o esforço e a vontade de todos em produzir, mesmo diante das adversidades. O apoio, aqui, acaba vindo por parte do público, que abraça a ideia e injeta a energia necessária para que os organizadores sigam com o projeto.”

Além do incentivo institucional, ele destaca a responsabilidade dos próprios fãs: “É necessária uma mudança de paradigma por parte do público local, no sentido de entender que, para trazer algo mais atrativo, é preciso que abracemos as oportunidades que nos são dadas. Com bons resultados, mais eventos dessa magnitude certamente virão, tornando Salvador uma referência no cenário geek em nível nacional.”

Os eventos evoluíram, mas os avanços ainda não atingem o necessário em termos de estrutura
Os eventos evoluíram, mas os avanços ainda não atingem o necessário em termos de estrutura | Foto: André Tapioca

Alan Santos também é frequentador assíduo de eventos na capital baiana e pontua os desafios climáticos enfrentados pelo público, especialmente pelos cosplayers. “Por Salvador estar em um local que vive entre dois extremos — muito sol ou muita chuva —, eventos em locais totalmente cobertos fazem falta, principalmente quando se trata de eventos com maior estrutura. E por ter um público grande, um local fechado e com ar-condicionado cairia muito bem — o que é uma possibilidade com o novo Centro de Convenções.”

Alan reforça ainda a importância do investimento para fortalecer a cena baiana. “É sempre bom ter mais eventos, mas, mais do que isso, é importante ter apoio e patrocínio para os eventos que acontecem aqui. Esse seria um passo importante, pois, além de valorizar a cultura do produtor local, mostraria que Salvador pode, sim, ser um caminho para atrair novas oportunidades e que aqui não é só Carnaval e São João — que, claro, merecem seu destaque, mas não se trata só deles.”

Para ele, a expansão do acesso ao conteúdo pop tem alimentado o crescimento da base de fãs, inclusive de nichos antes menos explorados. “A prova disso é a área do K-pop e dos idols asiáticos: cada vez mais artistas de lá têm vindo ao Brasil, e aqui em Salvador os eventos focados nesse público também têm crescido. São produções mais simples, se comparadas aos grandes eventos, mas que ainda assim buscam oferecer vivência e entreter bem as pessoas que não podem ou não têm condições de viajar para os eventos do Sudeste.”

E Salvador, um dia terá sua CCXP?

A resposta unânime entre organizadores e fãs é: sim, Salvador tem potencial. Mas é preciso mais do que desejo. É necessário investimento público, apoio privado, incentivo turístico e, principalmente, acreditar que essa cultura tem valor — econômico, social e cultural.

*Sob supervisão de Bianca Carneiro

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Tags:

ccxp cultura pop Dia do Orgulho Nerd

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