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CÊNICAS

Teatro baiano ganha nova obra que une memória, afeto e debate sobre ditadura

O Trem que nos Leva estreia na Barroquinha com elenco de grandes nomes da cena baiana

Grazy Kaimbé*

Por Grazy Kaimbé*

03/09/2025 - 21:04 h
A montagem é uma produção do Grupo Minotauro e do Programa O Vila Ocupa a Cidade
A montagem é uma produção do Grupo Minotauro e do Programa O Vila Ocupa a Cidade -

Um dramaturgo experiente e consagrado busca inspiração para uma nova obra, mas não consegue encontrá-la. Até que, em uma estação de trem na Europa, enquanto espera o transporte de uma cidade para outra, embarca em um poderoso trem — o da memória.

Nesta viagem, retorna às lembranças da escola onde estudou na adolescência. É dessa premissa que nasce O Trem que nos Leva, espetáculo que estreia, hoje, no Espaço Cultural da Barroquinha, e segue em cartaz de quinta a domingo, às 19h, até o dia 21 deste mês.

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A montagem é uma produção do Grupo Minotauro e do Programa O Vila Ocupa a Cidade. A história foi escrita pelo dramaturgo Paulo Henrique Alcântara e será encenada por Márcio Meirelles – um dos maiores nomes do teatro local e nacional.

Paulo Henrique conta que esta será a primeira vez que Meirelles encenará um texto seu e não esconde a emoção. “Está me trazendo imensa felicidade. A encenação dele situa a escola em um espaço teatral e visualmente marcante: uma escola clássica, de quadro negro e giz, quase fotográfica, em tons sépia. Márcio conduz com maestria as várias camadas narrativas, como tempo, memória, metateatro, e coloca o público dentro da sala de aula, ao lado da mesa dos professores”, conta Henrique.

Apesar de ter mais de 50 anos dedicados ao teatro, Meirelles salienta que o convite trouxe entusiasmo e apreensão. “Eu gosto muito do trabalho de Paulo, tanto como dramaturgo quanto como encenador. Admiro o pensamento dele, sua preocupação com a memória do teatro baiano. Mas nunca me imaginei dirigindo uma peça dele porque nossas poéticas são aparentemente bem distintas”, reconhece.

Com esta parceria inédita, o elenco do espetáculo reúne grandes nomes do teatro baiano, como Edu Coutinho, Hyago Matos, Lúcio Tranchesi, Veridiana Andrade, Vivianne Laert e Wanderley Meira. Artistas que transitam por múltiplos personagens e situações, sustentando o jogo metateatral proposto.

Montagem

Para que todos esses talentos entrem em cena, o espetáculo se estrutura em três planos: o primeiro é o real, mas um real meio alucinógeno, onde o protagonista Fabiano embarca em suas memórias; o segundo é o da escola, espaço que marca o início de sua trajetória como dramaturgo; e, por fim, o plano em que ele escreve a peça para ser encenada.

“Esses três planos definem também o espaço cênico. Temos o chão, que é o corredor; as carteiras, que remetem à escola, e o palco, que, na Barroquinha, corresponde ao altar. A peça seria inicialmente montada em palco italiano, mas não encontramos espaço disponível e fomos para a Barroquinha, que é um lugar belíssimo e propõe outra relação com o público. Isso acabou determinando a cenografia”, conta Meirelles.

“O resultado é um cenário simples, mas que dialoga com a dramaturgia de Paulo, muito leve, mesmo tratando de temas profundos. Essa leveza me amedrontava um pouco porque não é algo que me define. Então, buscamos um equilíbrio: puxamos para o meu peso e, ao mesmo tempo, acolhemos a leveza dele. Estou feliz com o resultado”, completa.

Segundo o diretor, a parceria foi crucial para o processo criativo. Márcio conta que Paulo Henrique acompanhou de perto os ensaios, sugerindo ajustes e acolhendo mudanças propostas por ele. “Quando o texto vai para o corpo dos atores, muita coisa se revela. Foi um trabalho de troca constante e muito prazeroso”.

Outra marca de Meirelles, também presente em O Trem que nos Leva, é o uso de recursos audiovisuais. As imagens produzidas por Rafael Grilo ajudam a construir os planos narrativos, especialmente os delírios de Fabiano com trens, túneis e estações. Já o desenho sonoro é assinado por Ramon Gonçalves.

“O teatro é essa sobreposição de narrativas: texto, corpo, figurino, cenário, música, vídeo, luz. Tudo converge para uma experiência complexa”, afirma Meirelles.

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Repressão

A viagem de Fabiano, personagem principal da peça, é ambientada em uma escola nos anos 1980. A trama se desenrola no contexto da redemocratização, quando o País ainda lidava com os resquícios da ditadura militar. Professores e alunos debatem temas que vão do teatro ao cinema, passando por política e censura. O cenário escolar se mostra espaço de tensão, mas também de descobertas e afetos.

“Hoje, ainda vivemos sob a ameaça de discursos que exaltam a ditadura. Na peça, Fabiano recorda tanto a professora que reprimia o teatro quanto o professor de História que insistia em ensinar sobre a ditadura”, conta Alcântara.

As pessoas que cercam Fabiano representam forças opostas da escola e da sociedade. De um lado, a professora Vilma, de Educação Moral e Cívica, guardiã da moral e dos bons costumes, que vê o teatro como perigoso.

De outro, o professor Martim, jovem e idealista, filho de exilado político, que insiste em ensinar sobre a ditadura. Há ainda Enício, professor de Matemática, apaixonado por cinema, e Leda, a professora de Literatura, que conduz Fabiano de volta ao passado.

Vivianne Laert, atriz que dá vida à personagem mais difícil da peça, contou sobre o processo de encenação. Ela interpreta Vilma, a antagonista, uma mulher que traz um contraponto à busca criativa e transformadora dos outros personagens. “Ela não é vilã, mas representa uma visão oposta. Interpretar essa mulher tão diferente de mim é um desafio que me instiga”, comenta Vivianne.

Para a atriz, trabalhar com Meirelles é sempre desafiador. “Márcio pede que entreguemos o texto cru, inclusive cruelmente, para que o público faça da palavra o que quiser. É um grande desafio, mas o resultado é muito bonito e impactante”, explica.

Diferente da personagem de Vivianne, o ator Lúcio Tranchesi interpreta um professor essencial na vida de Fabiano. “Ele é um personagem muito humano e com várias camadas. É um professor já mais velho, mas muito parceiro dos colegas. Carrega uma delicadeza na forma como vive sua homossexualidade, de maneira platônica, e tem uma relação muito bonita com a mãe”, explica Lúcio.

“Acho que o público vai se identificar com várias histórias. É um espetáculo que tem uma complexidade de personagens e situações, com um elenco muito comprometido e maduro. Isso já garante uma qualidade na encenação. É muita gente competente envolvida. Tenho certeza de que será um espetáculo profissional, de qualidade, que o público vai receber muito bem”, celebra Lúcio.

Além dos professores, Eron, amigo de escola e parceiro de criação, simboliza as cumplicidades da juventude. Ao todo, seis personagens povoam a trama, espelhando a exigência que Fabiano recebe de escrever uma peça para seis atores.

Para Alcântara, a escola é um espaço privilegiado para se pensar o teatro: “Ela é lugar de conflitos de gerações, de tensões entre professores e alunos, mas também de descobertas. É um excelente cenário para imaginar uma peça”.

Metalinguagem

Um dos aspectos mais instigantes de O Trem que nos Leva é o uso da metalinguagem como recurso dramatúrgico. Ao narrar a história de Fabiano, a peça mostra também o processo de criação do próprio espetáculo dele, em que o dramaturgo escreve a obra ao mesmo tempo em que ela acontece diante do público. Essa sobreposição de planos, realidade, memória e escrita, coloca espectadores e atores em constante trânsito entre ficção e realidade, lembrança e invenção.

“Quando o teatro mostra seus bastidores, revela algo que o público não vê: a preparação, as escolhas criativas, os ensaios, que também são espaços de tensão. O público acompanha o processo de criação em camadas: vê Fabiano escrevendo, as cenas surgindo e o diálogo com seus personagens”, enfatiza Alcântara.

Assim, a peça funciona como um duplo movimento, já que fala da vida pela arte e, ao mesmo tempo, fala da arte pela vida, reforçando o caráter reflexivo do teatro enquanto linguagem crítica. “Essa peça é também uma homenagem aos professores que marcaram minha vida e à escola como espaço de afeto e transformação”, conclui Alcântara

‘O trem que nos leva’ / Hoje a 21 de setembro (quinta a domingo) / 19h / Espaço Cultural da Barroquinha / R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)

*Sob a supervisão do editor Eugênio Afonso

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Espaço Cultural da Barroquinha Teatro

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