BRASIL
Alta de dólar pode aumentar preço da gasolina e produtos de consumo
Especialista em economia internacional aponta que o cenário está sendo influenciado pelo mercado interno e externo
Por Carla Melo
Nas últimas semanas, o cenário de alta do dólar tem feito parte das informações diárias dos brasileiros. Neste primeiro semestre do ano, o dólar câmbio em 2024 registrou uma alta acima de 16% - somente na segunda-feira, 1ª, o dólar atingiu R$ 5,66, o maior patamar da moeda americana desde 10 de janeiro de 2022.
Em meio à turbulência do mercado financeiro, na quarta-feira, 3, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e secretários da Fazenda em encontro da Junta de Execução Orçamentária (JEO), a fim de criar mecanismos para conter o cenário cambial.
Ao fim da reunião, o governo federal anunciou que deve realizar um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias que estarão no projeto de lei orçamentária de 2025 e que deve implementar o arcabouço fiscal, um mecanismo fiscal para controlar o crescimento das despesas e das receitas do país, controlando os gastos públicos. Questões que devem acalmar um pouco os nervos do mercado financeiro.
"A primeira coisa que o presidente determinou é que cumpra-se o arcabouço fiscal. Essa lei complementar foi aprovada no ano passado, a iniciativa foi do governo, com a participação de todos os ministros. Portanto, não se discute isso. Inclusive, ela se integra à Lei de Responsabilidade Fiscal. São leis que regulam as finanças públicas do Brasil e elas serão cumpridas", destacou o ministro da Fazenda.
Apesar de ser uma conjuntura interna, outros fatores também ajudam a entender o cenário cambial no Brasil.
O que está causando a alta do dólar?
Especialistas em economia internacional explicam que dois fatores são responsáveis pela elevação do dólar: a manutenção da alta de juros dos Estados Unidos e a demora na implementação do Arcabouço Fiscal pelo Governo Federal.
Nesta quarta-feira, 3, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), do Federal Reserve (Fed), destacou na ata da reunião, que deve manter os juros entre 5,25% e 5,50%. Segundo o comitê, a decisão está alinhada às perspectivas econômicas incertas e à inflação ainda elevada.
“A recente indicação dos Estados Unidos de uma provável queda da taxa de juros somente no segundo semestre fez com que parte do dólar no mundo, e consequentemente no Brasil também se elevasse. Isso tende a atenuar no segundo semestre, quando possivelmente a gente vai ter uma queda da cotação da moeda americana, uma queda dos juros nos Estados Unidos e vai acarretar em retorno do dólar do Brasil, diminuindo a cotação”, explica Daniela Cardoso Pinto, professora de Pós Graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política.
Além disso, uma das principais questões discutidas na política e economia brasileira, refere-se à implementação do arcabouço fiscal com a apresentação das despesas e receitas no país.
“Quando o governo Lula tomou posse e muito rapidamente desenhou um novo Arcabouço Fiscal, conseguiu mandar reforma tributária para o Congresso, isso foi muito bem sentido pelo mercado, tanto que a cotação do dólar baixou. Só que, mais de seis meses depois, nós não temos a implementação desse mecanismo, que fala que a despesa no Brasil não pode crescer mais que 70% da arrecadação da receita. Só que nós não temos tido aumento da receita, só aumento da despesa”, explica a economista.
Ainda segundo aponta a especialista, sinalizar onde os gastos deveriam ser diminuídos no orçamento fiscal, pode controlar a alta do mercado financeiro.
“Se você está aumentando a despesa, não está aumentando a receita e não fala de onde vai cortar gastos para chegar nesse arcabouço fiscal, o mercado fala que não vai investir no país, e vai tirar o capital estrangeiro. Essa sinalização faria com que você tivesse uma queda na cotação do dólar, e no segundo semestre, uma redução da taxa de juros norte-americana também vai ajudar a gente voltar para o padrão mais próximo de 5”, continua Daniela.
Aumento dos preços no Brasil
Caso o dólar continue subindo de forma desenfreada, os brasileiros poderão sentir esse impacto no bolso de forma mais palpável nos próximos meses, principalmente quanto à importação de produtos, em que o reflexo da valorização da moeda estrangeira fica ainda mais evidente. Para a especialista em economia internacional, a não contenção do cenário pode ter um ‘efeito cascata’ neste processo.
“A gente importa muito o petróleo. Então, quando se tem essa alta no produto, inicia o repasse desse aumento do custo para aquele que abastece o carro. Ou seja, para o transporte público, para aquele que faz frete de alimentos, que também fica mais cara, Começa a ter um efeito dominó”, avalia Daniela.
O Brasil é o 29° maior importador do mundo, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos ficaram na lista de segundo produto mais comprado pelo país, em 2023, correspondente a 6,1% do total das importações do Brasil.
Apesar dos cenários de preocupação, Daniela explica que, se a alta for pontual e houver atenuação no valor da moeda, os efeitos são mínimos. A especialista então alerta que seria necessário um mês para perceber o reflexo na economia real, através das importações mais caras.
“Acaba sendo muito mais um alvoroço do mercado, porque há segmentos que estão ganhando muito do que passar todo o dólar, através de alguns investimentos, do que um reflexo na economia real”, continua a especialista.
Dólar na América Latina
Na segunda década de 80, o Brasil passou por uma alta inflação de 100%, que forçou a recessão e desaceleração contínuas, marcada pelo alto desemprego, salários desvalorizados e o aperto monetário. Os brasileiros passaram a se basear no dólar, como forma de se aferrar em uma moeda estável.
Essa realidade é o que está sendo vivida atualmente na Argentina, cuja inflação chegou a 4,2% em maio, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) do país.
Ícaro Iacksen, 27, é estudante de medicina no país argentino, mas trabalha na área de marketing e publicidade em diversas empresas. Para conseguir driblar um pouco a inflação da Argentina, ele recebe em reais e em dólar, que estão mais estabilizados que os pesos argentinos.
“Ainda assim, aqui na Argentina é muito comum os empregos que são por horas trabalhadas, que não são de carteira assinada. Apesar de você não ter direitos trabalhistas, eu e muitos argentinos, inclusive, preferem essa modalidade porque é uma maneira de eles receberem o salário em moeda externa, em moedas do exterior, seja em real ou dólar, ou em ouro, a depender da empresa que eles estejam trabalhando, para conseguir derivar um pouco a inflação”, explica ele.
Dolarizar a economia argentina para estabilização dos pesos argentinos é um dos objetivos do governo de Javier Milei. Entretanto, é preciso que o país cumpra com alguns requisitos para que essa medida seja bem sucedida. Uma delas é a existência de uma reserva internacional com a moeda estrangeira, neste caso, o dólar.
“Qual é o grande problema? Para você dolarizar uma economia, você precisa ter dólar. A Argentina, diferentemente do Brasil, não tem reserva internacional. Então você não tem como dolarizar uma economia se você não tem aquela moeda", explicou a professora de Pós Graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política.
“É muito mais interessante para ele, assim como líderes populistas, sejam eles de extrema direita ou extrema esquerda, ficarem fazendo falas grosseiras para tirar o foco da situação econômica, onde ele consegue baixar a inflação, mas matando os argentinos de fome, porque o PIB não cresce. Uma economia que não cresce é só essa inflação acabar, porque as pessoas não comem. Argentina é muito mais delicada porque não tem como fazer o uso dessa política monetária cambial, que é a utilização do dólar para poder baixar os preços e diminuir a inflação”, continua ela.
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