MMA
Conheça a baiana que sofreu agressão, aprendeu a lutar e chegou ao UFC
Ravena Oliveira, nascida em Miguel Calmon, interior da Bahia, viu em Rocky Balboa uma chance de mudar de vida

Por Marina Branco

Quando Ravena Oliveira fala que "a luta salvou sua vida", não é metáfora.
A história de Ravena começou como a de muitas meninas Brasil afora. Crescendo sob os cuidados da mãe e da avó, a pequena nascida em Miguel Calmon, cidade do interior da Bahia, conheceu as maiores dores da vida ainda em casa, e aprendeu a lutar contra todas elas.
Morando com o tio, Ravena passou por diversas situações de agressão física, buscando maneiras de defender a si e às que amava. Um dia, passou na televisão um filme de Rocky Balboa, lenda do cinema e do MMA mas, acima de tudo, ídolo da mãe de Ravena.
Leia Também:
Apesar de não gostar do personagem ou de seus filmes, Ravena conheceu a história de Rocky, que encantou tanto sua mãe que a levou a inscrever a si mesma e à filha em aulas de luta. Juntas, as duas foram aprender a lutar - pela admiração ou pela resistência - e ela nunca mais saiu de lá.
"Minha mãe sempre gostou de assistir aos filmes de Rocky Balboa", lembra Ravena. "No início, eu era meio que obrigada a assistir, mas acabei me apaixonando", conta.
Foi a própria mãe quem a levou até a primeira academia da cidade, onde ela conheceu o professor Wesley, responsável por apresentá-la ao Muay Thai e ao Jiu-Jitsu. Ainda menina, Ravena precisou insistir para ser aceita, já que, na época, só homens eram aceitos na academia - e foi ali que descobriu a vocação que mudaria seu destino.
Ravena encontrou nas artes marciais o caminho que transformaria dor em força, medo em coragem e um destino incerto em propósito. Com o tempo, o sonho se tornou profissão. O Muay Thai e o Jiu-Jitsu abriram as portas, mas não garantiam sustento, o que a levou a migrar para o MMA.
"Foi quando entrei pra Life Artes Marciais, equipe de Feira de Santana, onde estou até hoje. Desde então, vivo disso", conta.
A luta, diz ela, foi abrigo e escudo. "Quando eu treinava, esquecia minha realidade. A luta me libertou de traumas. Eu penso que minha vida tinha tudo pra dar errado, mas Deus colocou as pessoas certas no meu caminho e a luta me salvou. Ela me moldou, me fortaleceu pra ser a Ravena que eu sou hoje", relembra.
Foi na luta que Ravena encontrou sua força, tanto interna quanto externa, e nunca mais ficou desamparada. Aos 14 anos, ainda adolescente, o mesmo agressor que a atacava quando criança tentou agredi-la mais uma vez - mas a história passou a ser diferente.
"Foi quando usei o que aprendi na luta pra me defender. Foi a única vez que usei fora do ringue, mas ali eu percebi o poder que a luta me deu", lembra.
Do interior ao maior palco do mundo
Lutando contra os desafios dentro e fora do ringue, Ravena continuou crescendo nas artes marciais. Alcançando patamares de excelência, a baiana alcançou o Ultimate Fighting Championship, o UFC, maior palco do MMA no mundo, representando Bahia e Brasil em seus combates.
A chegada ao UFC foi o ápice de anos de luta — literal e metafóricamente. "Não foi fácil. Foram anos de espera, de trabalho, de achar que estava dando passos atrás. Mas Deus faz tudo perfeito", diz, emocionada.
O momento da notícia ela jamais esquece: "Falaram que iam gravar umas coisas na academia, e quando cheguei lá estavam meu professor e pessoas muito importantes pra mim. Me deram a notícia. Foi o dia mais feliz da minha vida. Toda vez que me sinto desmotivada, lembro desse dia".
A estreia veio cercada de nervosismo, mas também de plenitude. "Eu estava muito à vontade. Não consegui a vitória, mas foi uma grande guerra", resume.
Segundas chances
Mas nada nunca foi fácil na vida da lutadora. Após um ano no UFC, Ravena não conseguiu adicionar vitórias a seu cartel, e acabou perdendo seu contrato. Desde então, a atleta enfrentou o maior adversário do esporte: o tempo. Dois anos de espera até receber, por telefone, a notícia de que teria mais uma chance.
"Eu nem acreditava. Estava treinando quando recebi a ligação. Me deu vontade de chorar. Parecia que meu momento nunca ia chegar, mas Deus é perfeito. Foi sensacional", conta, com a voz embargada.
Agora, Ravena voltou ao UFC, em busca da primeira vitória na categoria e sempre representando o Nordeste no caminho até lá. "É incrível mostrar que no Nordeste também conseguimos alcançar nossos sonhos", afirma.
"Nunca precisei sair da Bahia pra chegar ao UFC, e isso é motivo de muito orgulho. Quero que as meninas do interior saibam que também podem chegar aqui", diz.
"Eu carrego a bandeira da Bahia, de Feira e de Miguel Calmon, um povo sofrido, mas que corre atrás dos objetivos", diz. E é exatamente assim que sempre agiu - mesmo depois de chegar ao UFC, ela nunca se afastou de suas origens, e continua treinando na Life MMA e vivendo perto da família.
"Pra mim, é importante mostrar que dá pra chegar lá sem precisar sair do interior. Dá pra vencer acreditando e trabalhando duro", garante.
O amor que veio de casa
Sem nunca sair de perto de quem trouxe a ela o início de tudo, Ravena hoje divide cada conquista com a mãe. Superando muitas outras dificuldades que chegaram a tirar a visão da mãe, a lutadora conseguiu pelo MMA uma vida melhor para quem sempre lutou por ela.
"Minha mãe é minha maior apoiadora. Ela ama quando eu conto essa história. Ela sempre fala: ‘lembra que foi graças a mim’. Ela é o grande amor da minha vida", se declara Ravena.
O vínculo entre as duas é símbolo da força que move Ravena, e a mesma força que ela quer transmitir a outras meninas do interior.
"Meu conselho é acreditar no sonho e trabalhar duro. Não tem mágica. É treinar cansada, se esforçar e ter uma boa equipe. Se você tiver sorte de encontrar uma como a minha, o caminho fica mais leve. Mas acima de tudo, é acreditar", aconselha.
Sonho que ainda pulsa
Se o caminho até aqui já foi repleto de superações, Ravena sabe onde quer chegar. "O cinturão é o meu sonho. Eu não tenho pressa, mas quero subir cada degrau e um dia colocar esse cinturão aqui", projeta.
E, entre risos, ela lembra o detalhe e a referência que marcaram o início de tudo. "Sou apaixonada por Rocky Balboa até hoje. Tenho um quadro dele em casa, assisto sempre. Meu sonho é conhecer o Stallone (diretor do filme). Tomara que ele não morra antes, pelo amor de Deus", brinca.
Entre a menina assustada que começou a treinar com a mãe para se defender e a mulher que hoje luta sob os holofotes do mundo, há uma história de fé, força e resistência. E, no fundo, a mesma certeza: a luta salvou Ravena - e agora é ela quem salva histórias com o exemplo que carrega.
FICHA DA LUTADORA
- Nome: Ravena Oliveira
- Idade: 28 anos
- Natural de: Miguel Calmon (BA)
- Altura: 1,65 m
- Categoria: Peso-palha (até 52,1 kg)
- Equipe: Life MMA (Feira de Santana)
- Cartel: 7 vitórias, 3 derrotas, 1 empate
- Estreia no UFC: 2023
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes