E AGORA?
Saiba o que pode acontecer com Ancelotti após condenação na Espanha
Técnico da Seleção Brasileira foi sentenciado a um ano de prisão por fraude fiscal
Por Luan Julião

Recém-chegado à Seleção Brasileira, o técnico Carlo Ancelotti foi condenado a um ano de prisão na Espanha por fraude fiscal. A sentença, divulgada nesta quarta-feira, 9, pela 30ª Seção da Audiência Provincial de Madri, aponta que o treinador italiano deixou de declarar cerca de 1 milhão de euros (equivalente a R$ 6,2 milhões na época) em receitas de direitos de imagem entre 2014 e 2015, período em que comandava o Real Madrid.
Além da pena de prisão, Ancelotti também foi condenado a pagar uma multa de 386 mil euros (cerca de R$ 2,5 milhões) à Receita Federal espanhola, além dos custos judiciais do processo. O valor representa menos da metade do que o técnico recebe atualmente à frente da Seleção — cerca de 10 milhões de euros por ano, o equivalente a R$ 5,3 milhões mensais na cotação atual.
Em entrevista ao Portal A TARDE, o advogado criminalista Eduardo Maurício, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca e especialista em extradição, explicou que há possibilidade de recurso contra a decisão:
Defesa alega ausência de dolo e vai recorrer
"Sim, o direito a recurso é garantido. Neste caso, Ancelotti pode recorrer ao Tribunal Supremo da Espanha, se existir afronta constitucional, e também, posteriormente, ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, se for afrontado algum direito humano ou princípio fundamental."
A defesa do treinador alega que não houve dolo, já que o não recolhimento de impostos sobre os direitos de imagem em contratos publicitários teria sido orientado pelo próprio clube:
"Importante frisar que a defesa de Ancelotti pleiteia a sua absolvição por inexistência de dolo (vontade livre e consciente de agir), já que, no caso, em contrato, não houve recolhimento de impostos no que tange ao direito de imagem em comerciais, na época em que era técnico do time Real Madrid, por própria orientação do time e desconhecimento do ato ser ilícito por parte do técnico de futebol — isso é o que alega a defesa."
Pena não deve ser cumprida em regime fechado
Apesar da condenação, é improvável que Ancelotti cumpra a pena em regime fechado. Segundo o advogado:
"Neste caso, se permanecer a pena de 1 ano em condenação futura a transitar em julgado, Ancelotti não cumprirá a pena no regime inicial fechado, pois, conforme legislação espanhola, se a condenação for em pena abaixo de 2 anos, em que o crime não seja com violência ou grave ameaça, vai prosperar a liberdade condicional (semelhante à substituição por restritivas de direito no Brasil)."
Extradição do Brasil é possível, diz especialista
Sobre a possibilidade de extradição, caso o treinador permaneça no Brasil, Eduardo Maurício afirma que a legislação permite a medida:
"Sim, a extradição é juridicamente possível. Na condição de cidadão estrangeiro no Brasil, Ancelotti não é alcançado pela vedação constitucional de extradição aplicável a brasileiros natos."
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"O processo seria regido pelo Tratado de Extradição Brasil-Espanha, que permite a entrega por crimes fiscais, desde que preenchidos os requisitos formais, como o da dupla incriminação (o fato ser crime em ambos os países), e outras questões, como, por exemplo, direito a um julgamento justo, respeito ao contraditório e à ampla defesa, entre outras."
"O pedido de extradição seguiria o rito processual que lhe é próprio: análise de legalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF), seguida de uma decisão final do Presidente da República.
Do ponto de vista estritamente legal, se os pressupostos do tratado e da lei brasileira estiverem cumpridos, o deferimento do pedido pelo STF é o resultado esperado."
Risco de prisão ao desembarcar na Espanha
Caso precise viajar à Espanha, por exemplo, para partidas ou eventos ligados ao futebol, Ancelotti pode ser preso ao desembarcar, caso a Justiça não reconheça sua colaboração com o processo:
"A cidadania italiana de Ancelotti é um fator de dupla face neste cenário. Como cidadão da União Europeia, ele tem o direito de circular e residir na Espanha, mas, ao assumir o comando da Seleção Brasileira, ele passaria a ser um não residente, o que ativa, de forma automática, a percepção de um elevado risco para a efetividade da aplicação da lei penal. É precisamente neste ponto que a estratégia de seus advogados se torna o elemento decisivo para evitar a prisão. A principal missão da defesa seria demonstrar, de forma proativa e inequívoca, uma intenção de colaborar com a Justiça que seja robusta o suficiente para sobrepujar a presunção de risco à aplicação da lei penal."
"Isso se materializa em atos concretos: manter um domicílio para notificações na Espanha, responder prontamente a todas as intimações e, crucialmente, avançar com o pagamento da responsabilidade civil e, sobretudo, fazer a transferência da execução da pena ao Brasil (em um segundo cenário), para cumprimento no regime aberto com restritivas de direito. O objetivo é convencer o magistrado de que, apesar da ausência de residência, a cooperação do condenado é uma garantia mais eficaz do que a sua detenção. A falha em transmitir essa confiança tornaria uma detenção ao desembarcar, para a imposição de medidas cautelares, um desfecho quase inevitável."
Casos semelhantes se repetem no futebol
O especialista também explicou por que tantos nomes do futebol acabam caindo na “malha fina” da Receita espanhola:
"A legislação espanhola adota o princípio da tributação da 'renda mundial' para todos os seus residentes fiscais. A obrigação tributária que deu origem a este processo foi constituída durante o período em que Ancelotti foi residente fiscal na Espanha. O fato gerador do suposto crime ocorreu naquele momento e sob a vigência da lei espanhola."
"Seu atual local de trabalho ou residência é irrelevante para a existência dessa obrigação pretérita. A alta incidência de casos similares no futebol não se deve a uma legislação específica para atletas, mas à aplicação rigorosa das regras gerais a um setor com altos rendimentos, que devem recolher os impostos corretos, inclusive no cenário de direito de imagem."
"O fisco espanhol adota uma política de fiscalização intensa sobre rendimentos de direitos de imagem de residentes fiscais de alta notoriedade. A situação jurídica de Ancelotti é um legado de seu vínculo fiscal anterior com a Espanha, e o processo visa apurar o cumprimento das obrigações daquele período específico."
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