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22/06/2022 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Lucas Franco

NOVA ORDEM

SAF gera esperança em torcedores, mas também questionamentos

Ideia de que SAF “não faz milagre” é unanimidade e debatedores expõem os cuidados a serem tomados

Torcedores do Bahia já entram no clima da SAF e esperam por acerto com o City Football Group
Torcedores do Bahia já entram no clima da SAF e esperam por acerto com o City Football Group -

Promulgada em agosto do ano passado, a Lei 14.193/2021, que cria condições mais favoráveis para que clubes de futebol se transformem em empresas, tem gerado debates no Brasil todo, especialmente entre torcedores de clubes próximos a serem adquiridos por empresários ou grupos estrangeiros. Uma dessas agremiações é o Esporte Clube Bahia, em negociações com o City Football Group, empresa sediada em Manchester, na Inglaterra, e com matriz em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Ainda que a aquisição de um clube brasileiro, parcial ou integral, não seja novidade, a “Lei da SAF” criou condições favoráveis ao ponto de que três clubes tradicionais do futebol nacional já fecharam acordo com aquisitores: Cruzeiro, Vasco e Botafogo.

Com a transformação de um clube em uma Sociedade Anônima de Futebol, torcedores têm a esperança de que as dívidas de seus times de coração sejam sanadas e com isso, melhores resultados venham a acontecer, mas contrapontos são feitos em paralelo.

"Você não quer uma SAF, você quer um sugar daddy”, provocou nas redes sociais, em março, o jornalista Irlan Simões, autor do livro “Clube Empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol”.

Simões diz não ser contra a SAF em si, mas recomenda que os torcedores conheçam mais experiências deste tipo jurídico além das mais famosas em grandes da Europa, onde 92% dos clubes das cinco ligas mais importantes funcionam sob modelo empresarial, e em outras partes do futebol mundial.

Além disso, o especialista alerta para o fato de que um clube que queira se tornar uma SAF, corre o risco de não garantir direitos de torcedores e a manutenção de sua identidade pelo fato, no seu ponto de vista, das associações brasileiras serem pouco participativas.

"Se comparar as associações brasileiras com as da Argentina e de outros países, você tem lá um nível muito mais alto de participação dos torcedores nas eleições, nas assembleias e nas discussões políticas do clube”, justifica. “Os torcedores são muito entusiasmados com SAF porque foram anos de bombardeio midiático defendendo esse modelo como a única solução para todos os clubes. Foram pouquíssimas as vozes dissidentes”, opinou.

Ainda de acordo com ele, a esperança de resultados imediatos alimenta os torcedores de clubes que são especulados para virar SAF, já que é comum que clubes em má posição financeira e desportiva sejam procurados por conta do menor custo envolvido na equação para as empresas compradoras, e o afastam de um debate mais aprofundado sobre o assunto.

“Eu posso afirmar sem medo de errar. Os clubes que tiverem SAFs vão ter bons resultados. É uma questão lógica: vai ter uma injeção de capital, que vai resolver as dívidas mais imediatas. O problema é na descida. Esse fôlego inicial não vai ser eterno. Só poderemos avaliar os resultados das SAFs daqui a até uns nove anos”, disse Irlan, que usou uma figura de linguagem atribuída ao autor do livro "O Mito do Clube-Empresa", Luciano Motta, em que compara um clube com uma galinha.

“Uma galinha não voa, ela salta, fica um tempo no ar até que ela aterrissa. A galinha vai pousar, mas a questão é saber como será a aterrisagem, se ela vai descer bonitinho ou se vai se estabacar no chão e quebrar o bico”, completou.

Do lado dos que defendem a Sociedade Anônima do Futebol como uma nova ordem vigente no futebol, o advogado José Francisco Manssur nega que problemas de um clube possam ser resolvidos apenas com a chegada de um aquisitor e que no caso específico do Bahia, as condições estruturais podem ter gerado interesse.

“A SAF traz uma oportunidade de recebimento de dinheiro novo. Isso pode, se for bem administrado, fazer com que o clube se torne mais competitivo do que os clubes que não são [SAF]”, argumenta Manssur, que foi um dos responsáveis por formular a lei.

O temor pela perda de identidade de um clube, com mudança de escudo, cores e até nome, para Manssur, não deveria existir entre os torcedores.

“Um clube, por mais que o investidor tenha mais de 50% das ações, só vai mudar a marca, cor, símbolo e sede se os associados aprovarem, exatamente como seria hoje. Então, o Bahia não corre risco de mudar sua marca, cores e símbolos, a não ser que os associados concordem com isso. Nenhum investidor, por mais que coloque um trilhão de reais no clube, tem o poder de sozinho fazer essas mudanças”, disse.

Para Pedro Henriques, dirigente do Bahia na segunda metade da década passada como vice-presidente entre 2015 e 2017 e como diretor executivo (CEO) até março de 2020, o fato de o investidor não sofrer uma pressão tão de perto quanto um dirigente, como aconteceu em seu caso, não é uma desvantagem para o clube.

“Falando friamente do aspecto de gestão de negócios, é até mais fácil para ele [superar eventuais más fases]. Não ter essa pressão tão próxima como a que a gente viveu. Isso é muito da nossa cultura. Por outro lado, não acho que o fato de uma pessoa ser de fora necessariamente não a faça criar um vínculo com o clube”, alega .

“A natureza jurídica da instituição não é tão relevante para a organização profissional. Eu não acho que é a solução mágica [a SAF]”, disse Henriques, que enxerga que o grupo sediado no Reino Unido tem credibilidade para gerar confiança. “O que me deixa mais confortável é a perspectiva de ver um player do tamanho do grupo City vindo, porque isso te atrai um valor agregado de know-how e profissionalismo que gera boas expectativas, mas tudo depende do contrato”, pontuou.

Henriques diz acompanhar as informações sobre possível acordo do clube com o City Football Group através da imprensa e citou a série documental “Sunderland 'Til I Die” como exemplo de que investidores podem estar próximos das agremiações. A produção da Netflix mostra que o clube do norte da Inglaterra, longe da elite do futebol nacional, passou a ter um novo dono, presente nas partidas e nos mesmos ambientes dos torcedores.

“A série acabou, mas eu continuei acompanhando, para ver o que aconteceu. O Sunderland não subiu e o cara [o dono] se sentiu tão mal que se sentiu obrigado a vender o time”, completou.

Experiências anteriores deixam com o pé atrás

Apesar do debate público sobre as SAFs ser relativamente novo, os torcedores mais antigos devem lembrar de nomes como Banco Opportunity e Exxel Group, parceiros de Bahia e Vitória, respectivamente, durante a investida dos clubes baianos no modelo de S.A (Sociedade Anônima).

Em 1998, a promulgação da Lei Pelé, que extinguiu o direito ao "passe" irrestrito dos jogadores pelos clubes e tornou obrigatória a transformação dos clubes em empresas em um movimento para profissionalizar o esporte, abriu as portas para novas empreitadas no modelo. Uma nova cláusula exitinguiu a obrigatoriedade em 2000, mas Bahia e Vitória já haviam aderido ao movimento.

Naquele momento, o Banco Opportunity, através do banqueiro Daniel Dantas, iniciou uma parceira com o Esporte Clube Bahia, na época presidido pelo ex-deputado Marcelo Guimarães e na disputa da Série B do Campeonato Brasileiro. Dessa parceria surgiu o Bahia S/A, sociedade dividida entra a Liga Futebol (empresa do banco), que detinha 51% das ações do clube, e o Bahia, que ficava com os 49% restantes.

Como maior acionista, a Liga Futebol fez um aporte no clube e trocou toda a mesa diretora do Bahia, com exceção de Marcelo Guimarães que continuou presidindo o clube. Alguns resultados imediatos até apareceram, como a quebra do jejum de três anos sem conquista do Campeonato Baiano em 1998, mas o acesso não foi conquistado no ano ou mesmo no ano seguinte e só viria através da virada de mesa promovida em 2000 para a disputa da Copa João Havelange.

Após boas campanhas nacionais, o Bahia viveu novo rebaixamento em 2003 e de lá caminhou para o pior momento da sua história com a queda para a série C em 2005.

Sentindo que a parceria não estava resultando em benefícios, o Bahia procurou o banco Opportunity para dar fim ao acordo, que tinha um prazo estabelecido de 25 anos. Para finalizar o trato, o Esquadrão de Aço teria que assumir toda a dívida pendente com a Liga Futebol (cerca de R$ 40 milhões) e repassar percentuais progressivos de vendas de atletas, sendo 10% em 2007, 20% em 2008 e 30% de 2009 até 2023.

A parceria foi finalizada em 2008, mas o banco Opportunity não foi pago em momento algum, o que resulta em um processo pendente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) onde a instituição bancária cobra R$ 100 milhões do clube baiano.

O Vitória viveu momento semelhante também em 2000. Após ter ficado em 4º lugar no Brasileirão de 1999, o rubro-negro fechou contrato, através do presidente Paulo Carneiro, para a venda de 50,1% das ações da Vitória S.A, que já estava instaurada desde 1998, para um grupo de investidores argentinos do Fundo Exxel Group por um valor de US$ 6 milhões.

O negócio, em meio ao movimento de "profissionalização e garantia da ética empresarial" dos clubes brasileiros, foi bastante elogiado e o clube vislumbrava um potencial de crescimento imenso.

Porém, a crise financeira na Argentina em 2001 fez com o que o Exxel Group, formado para gerir o clube, anunciasse seu interesse em deixar o mercado brasileiro de futebol. A saída foi se arrastando até que em 2004, em uma operação que rendeu processos contra o presidente do rubro-negro Paulo Carneiro, o Vitória recomprou os 51% de participação do Exxel Group na Vitória S/A.

O nó na corda, e que ajudou a jogar o Leão em uma profunda crise, estava no valor da transação. Para reaver os direitos, o Vitória precisou pagar um montante de US$ 7,5 milhões divididos em 60 parcelas, o que afundou o clube em dívidas, levou até o rebaixamento para a Série B em 2004 e posteriomente para a C em 2005 e resultou na renúncia de Paulo Carneiro no comando do clube.

Em 2010, após planejamento financeiro, o Vitória quitou as dívidas resultantes da operação e dissolveu na totalidade a sociedade anônima do clube.

>> Assista: Desatando nós - Documentário de Luciana Queiroz e Roberto Studart se debruça sobre o tema mostrando o cenário de declínio do futebol baiano a partir do final dos anos 90 e a sua relação com o a transição para o modelo de clube-empresa.

Oposição à diretoria é favorável à SAF

Ainda que a diretoria do Esporte Clube Bahia não dê maiores detalhes das negociações com o investidor, com o intuito de não atrapalhar o andamento do processo, a oposição também se coloca favorável à adesão do clube à Sociedade Anônima do Futebol neste momento.

“A SAF pode trazer para o clube uma gestão profissional e competente, focada no futebol, em ter resultado esportivo e consequentemente, econômico. Coisa que a atual gestão, em seu segundo ciclo de poder, vem comprovando não ter”, justificou o grupo +Bahia, único que lançou chapa para competir com Bellintani na última eleição presidencial, em 2020.

Com respostas elaboradas em conjunto por seus membros, o +Bahia diz não enxergar “passe de mágica” com a mudança do tipo jurídico da instituição e rechaça a ideia de que a participação dos torcedores poderia se perder a partir da aquisição. “A associação vai continuar existindo e [o Bahia] vai continuar tendo sua democracia”.

Para o grupo de oposição, o rebaixamento para a Série B no ano passado não coloca o clube em situação desfavorável e a adesão à SAF seria questão de tempo, independentemente da situação em campo. “Entendemos que um risco maior seria o Bahia ficar à margem desta ‘onda’, aguardando um retorno à Série A para o início de uma discussão e busca de parceiros”, justificou.

Possíveis consequências da adesão e da não adesão

José Francisco Manssur alega que o risco de um clube ficar de fora das negociações com empresários e grupos interessados na aquisição é deixar de receber investimentos em um período que, segundo ele, as possibilidades de arrecadação têm diminuído.

“Como associação, o Bahia recebe menos da TV [do que clubes de Série A de São Paulo e Rio]. A distância financeira diminuiria. Cada clube tem um valor. O interesse da torcida é importante. Não adianta ter um número alto de torcedores se eles não são engajados”, justifica o advogado, ao se dizer com menos expectativas de que arrecadações com cotas de TV, bilheteria e negociações com jogadores possam garantir boa saúde financeira para as agremiações.

Ainda segundo ele, o engajamento do Bahia com causas sociais e ambientais pode aumentar o valor de mercado do clube.

“As sociedades anônimas no mundo todo têm estado cada vez mais preocupadas com essas pautas. O Bahia é o clube brasileiro mais engajado nesses aspectos. O fato de o Bahia já ter essa preocupação vai afetar ainda mais o investidor estrangeiro”, argumenta Manssur, que diz enxergar diferentes possibilidades de SAF a depender das ambições do clube.

“No Brasil há mais de oitocentos clubes inscritos na CBF, com características diferentes, alguns focados em resultados esportivos para seus torcedores e outros mais ligados à formação. É preciso conhecer a identidade e a vocação do clube a ser negociado”, completa.

Para Irlan Simões, falta um debate sobre experiências de SAF tidas como não bem-sucedidas, para fazer um contraponto, segundo sua avaliação.

“Eu tomo como exemplo o que aconteceu no futebol do Chile. Os donos das S.A.s não estão investindo na formação de jogadores, e se você vê, a seleção do Chile não se renova. Não tem novos talentos. Foi uma escolha dos proprietários de lá. Talvez isso não acontecesse em associações”, comentou.

Um torcedor do Bahia e do Manchester City

Além de proprietário do Manchester City, clube atualmente treinado por Pep Guardiola, o City Football Group administra outras dez agremiações pelo mundo.

Em uma época em que falar de futebol em Manchester era fazer associação ao United, o então adolescente nos anos 1990, Ted Simões, torcedor do Bahia e fã do Oasis, assistiu uma matéria que mudou sua vida.

“Acho que foi na MTV, mostrou a paixão deles [Liam Gallagher e Noel Gallagher] por futebol e que eles torciam pelo Manchester City. Eu nem sabia que existia Manchester City. O patrocinador na época inclusive era “Brother” [irmão, em inglês]”, relembra Ted, que hoje é professor e diz que há alguns anos seria inimaginável ter alunos que torcem pelo City.

“Naquela época era mais difícil acompanhar os jogos [do City]. Era mais comum a transmissão de jogos do Italiano e do Espanhol. Mas no videogame eu já escolhia o City desde aquela época e sabia quem eram os jogadores”, relata o citizen baiano, que apareceu em uma transmissão de TV para o mundo todo estendendo uma bandeira do Bahia após um gol de Tevez, no início dos anos 2010, no Etihad Stadium. “Aqui [em Salvador] na época do Facebook virou meme”, conta.

Mesmo sendo torcedor do clube inglês muito antes da boa fase atual, de seis títulos de Primer League em onze edições do torneio disputadas, Ted Simões diz que seu coração mesmo é tricolor e que não gostaria de ver o escudo do Bahia se adaptar para ficar semelhante ao do Manchester City. “Morro de medo disso”, conta.

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