CARRO DE CORRIDA
Trovão baiano: conheça a Xangô, equipe de Fórmula Elétrica de Salvador
A equipe nasceu na Escola Politécnica da Ufba e já planeja sua primeira competição

Por Marina Branco

Na época de Ayrton Senna, o Brasil inteiro tinha uma paixão em comum - a Fórmula 1. Com a morte do maior ídolo nacional, os brasileiros acabaram se distanciando um pouco do esporte, mas a Fórmula Elétrica nunca se distanciou dos brasileiros, e seguiu presente desde participações de pilotos do Brasil nas maiores categorias de Fórmula até talentos escondidos em cidades como Salvador.
Prova disso é o que surgiu em meados de 2023, quando um grupo de sete jovens engenheiros baianos tomou uma decisão que mudaria o cenário da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia: criar a primeira equipe de Fórmula SAE Elétrica de Salvador.
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O espírito era de inovação, mas também de identidade. O resultado foi a Xangô E-Racing, projeto pioneiro que une tecnologia, sustentabilidade e a força cultural da baianidade.
"Eu e mais seis ex-membros do 'Fórmula a Combustão', movidos pelo espírito da inovação, vimos a oportunidade de trazer, de maneira pioneira, o fórmula na categoria elétrica para Salvador e para a Ufba, correspondendo a anseios tecnológicos pós-pandêmicos e tratando de tecnologias verdes desde a cultura de base do engenheiro moderno", conta o ex-capitão da equipe, Matheus Caldas.

Do sonho à oficina
O projeto começou pequeno, com apenas sete integrantes oficiais. A virada, no entanto, aconteceu quando a ideia foi aprovada pela congregação de professores da Escola Politécnica, passando a ser apoiada pela universidade em si.
"Após sermos concebidos oficialmente na congregação, passamos para 22 membros ativos e assim iniciamos o que hoje é a Xangô E-Racing", lembra Matheus. Pouco tempo depois, o grupo cresceu ainda mais. Hoje, já são mais de 40 membros ativos, divididos em áreas técnicas e administrativas.
A organização é quase empresarial: há subdivisões de equipes responsáveis por diferentes etapas da produção do carro, como chassi, dinâmica e powertrain/eletrônica, além de cargos corporativos, como líder técnico e líder administrativo.

A equipe também conta com uma oficina própria dentro da Escola Politécnica, onde o protótipo de carro é construído, embora alguns serviços precisem ser realizados fora da universidade.
Em quase todos os projetos estudantis de grande porte, dinheiro é um desafio - e na equipe não é diferente. A Xangô E-Racing conta com incentivos da Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão, mas a maior parte dos recursos vem do próprio esforço dos membros.
"A equipe é financiada pelo esforço dos membros, que trabalham em atividades como venda de rifa para alavancar o fluxo de caixa. Ao mesmo tempo, buscamos subsídios por meio de patrocínios de empresas", explica o ex-capitão.
Do código ao CAD: como nasce um carro de corrida
O grande objetivo da Xangô é colocar um carro soteropolitano nas pistas, e o sonho se torna mais real a cada dia que passa. Na equipe, o desenvolvimento do protótipo segue uma linha bem definida, onde tudo começa no ambiente virtual.
"O processo da confecção do protótipo segue uma linha que começa com a estruturação de modelos de linguagem feita pelos membros a fim de conceber conceitualmente os nortes para o projeto em si", explica Matheus.
"A partir disto é feito o modelo 3D do protótipo em CAD. Somente após isso, são compradas as peças orçadas no projeto e partimos para a montagem do modelo físico fiel ao projeto", detalha.
Depois de dois anos de desenvolvimento dos modelos em código, a equipe agora entra em uma nova fase. "Estamos no estágio de começar a fazer o CAD do carro após dois anos de desenvolvimento dos modelos em código", completou.
Por enquanto, ainda não há carro físico rodando: o time opera apenas com simulações computadorizadas. "Estamos trabalhando no protótipo 1 da Xangô para que possa ser confeccionado posteriormente", afirmou.

Rumo às pistas
Atualmente, a equipe é composta, em sua maioria, por estudantes que nunca competiram. Apenas alguns dos membros já tiveram contato com a Fórmula a combustão anteriormente, passando a experiência que viveram para os novos membros que passarão por isso em breve.
Esse detalhe traz tanto dificuldades quanto oportunidades. De um lado, há o desafio de formar jovens sem experiência - de outro, a chance de moldar uma geração de engenheiros já conectados às demandas da mobilidade elétrica.
O grande foco da equipe é, então, fazer com que todos vivam essa experiência, se consolidando na Fórmula SAE Elétrica, competição que ocorre todo mês de agosto em Piracicaba, São Paulo. Lá, equipes de todo o Brasil apresentam e defendem seus projetos em provas que avaliam desde a concepção técnica até o desempenho dinâmico do carro em pista.

"A competição consiste em diversas provas que vão qualificar tecnicamente o projeto dos competidores e testar as habilidades dos estudantes de engenharia em defender seu protótipo e apresentá-lo da melhor maneira possível", conta Matheus.
No torneio, a Sociedade de Engenheiros Automotivos estabelece rígidos padrões de segurança, que fazem com que equipes como a Xangô precisem trabalhar a fundo e se adequar aos mínimos detalhes antes de competir, levando em consideração inclusive especificidades da pista, como uma curva a quase 90 graus no percurso.
"Esses padrões são bem definidos e são testados durante o primeiro dia de competição, antes de liberar que o piloto faça manuseio do carro", explica. O volante também é responsabilidade dos próprios membros da equipe.
"Por regra, o piloto pode ser qualquer um registrado pela equipe, mas tradicionalmente são os próprios membros que têm a honra de manusear o protótipo. Até por questões de saber passar o feedback de como está o carro para ajustes finos", completa.

Trovões baianos
Assim, surgiu, se consolidou e sonhou a Xangô, que segue crescendo carregando consigo o simbolismo de ser uma equipe soteropolitana e baiana na identidade e no nome.
"Xangô é uma referência ao orixá da religião iorubá que representa a justiça e os trovões, trazendo a baianidade como uma das principais características da equipe de fórmula elétrica", explica o ex-capitão.

Para ele, a criação da Xangô E-Racing é mais do que apenas disputar corridas. "A Xangô foi criada pensando em ser um pilar fundamental na formação dos membros. As projeções são disputar o título da categoria da maneira mais engajada possível e se tornar um centro de referência em formação técnica", comenta.
Enquanto o primeiro protótipo físico ainda não ganha forma, a equipe segue firme na oficina e nos computadores, sonhando com o dia em que a baianidade vai ecoar em trovões - não de tempestade, mas de motores elétricos - na pista de Piracicaba.

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