PEGA, MATA E COME
Virna Jandiroba: a história até o UFC sem sair do interior da Bahia
Ex-campeã do Invicta, a baiana é número um no ranking peso-palha e quer o título no UFC Rio
Por Marina Branco

"Carcará, pega mata e come. Carcará não vai morrer de fome. Carcará, mais coragem do que homem". Quando Chico Buarque e João do Vale começaram a cantar essa música Brasil afora, não sabiam que estavam contando a história de uma atleta vinda de onde vem o carcará - do sertão brasileiro.
Lá em Serrinha, surgia Virna Jandiroba, a futura Carcará do MMA brasileiro e mundial. Sem nunca sair da Bahia, a interiorana lutou até seus sonhos, chegou à elite do esporte e, hoje, sonha com uma luta no evento do Ultimate Fighting Championship, o UFC, em seu próprio país, no card disputado este ano no Rio de Janeiro.
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A história começou lá atrás, nas influências de família, e passou por muitas modalidades até assentar na glória do UFC. "Comecei lá na minha cidade, em Serrinha. Eu já tinha tido alguma aproximação com o karatê porque os meus primos treinavam, e aí surgiu o kung fu porque outros primos treinavam também", conta.
"Eu já tinha, na verdade, uma admiração muito grande pelas artes marciais. Acho que muito também pela nossa geração da década de 90, assistindo os filmes, Karatê Kid e tudo mais. No meu imaginário de criança já existia todo esse encantamento por conta da própria coisa, do próprio mercado hollywoodiano e tal", explica.
Do kung fu, Jandiroba conheceu o Jiu-Jitsu, que até hoje é sua luta favorita e parte do treinamento diário da atleta. "Fiquei alguns meses no Kung Fu, mas depois acabei saindo porque os meus primos saíram também. Também tinha uma questão do machismo ali no momento", relata.

"Depois fui para o Judô, passei alguns meses no Judô também, e aí foi que o meu professor de Jiu-Jitsu me conheceu lá e falou: 'vamos fazer um treino de Jiu-Jitsu'. Dois meses depois que eu entrei, eu já estava competindo, me profissionalizei dois meses depois", completa.
"A luta me ajuda bastante. Se eu não competisse, ainda assim treinaria. Me ajuda muito na saúde mental. É um processo de autodescoberta constante, sobretudo o Jiu-Jitsu. Uso como veículo de autoconhecimento, cura, enfrentamento. Sou apaixonada", diz.
Ainda assim, Jandiroba não pensa mais em competir no Jiu-Jitsu, hoje estando 100% focada no MMA: "Não tenho vontade de competir no Jiu-Jitsu. Gosto de treinar, descobrir posições, conceitos, mas competir, não. Meu foco é no MMA, é o meu trabalho. O Jiu-Jitsu não virou hobby, mas faz parte do meu treinamento e segue sendo uma paixão".
Caminho até o MMA
Virna sempre foi encantada pela luta. Desde que brincava de lutar com os primos até se apaixonar pelo Jiu-Jitsu já na vida adulta e se tornar faixa-preta, nunca deixou de se dedicar ao esporte - mas ainda não conhecia seu destino final. O que a tornou conhecida para o mundo chegou por volta dos 24 anos de idade, criando um novo sonho para a Carcará que logo levaria esse nome.
"Muito pelas dificuldades que eu encontrava dentro do Jiu-Jitsu naquela época, era muito difícil viver do Jiu-Jitsu. Para sair de Serrinha e lutar nos grandes centros, no Sudeste, em São Paulo, era muito difícil. Eventualmente, uma vez no ano. À medida que fui graduando, fui deixando de competir, porque não tinham mais meninas para competir. Eu competia com meninas de todos os pesos, até no masculino", conta.

"Hoje, moro em Feira de Santana. Vim morar em Feira por causa da luta. Estudava na UFRB, ia e voltava diariamente. Em 2013, comecei a ficar em Feira. Dava aula em Serrinha, ficava entre os dois lugares. Depois me mudei definitivamente. Cheguei até o UFC sem sair da Bahia", diz.
"O sentido da minha atividade sempre foi a competição. Apareceu o MMA primeiro como um desafio, um frio na barriga. Na minha primeira luta ganhei 500 reais. Falei: 'poxa, já é uma grana'. Mais tarde, além de um sonho e uma realização pessoal, também se tornou meu trabalho. No começo foi muito difícil, às vezes eu lutava e não recebia nada, mas existia uma promessa de viver do esporte de forma digna", relata.
Rumo ao UFC
Assim, Jandiroba conheceu o MMA e, mais importante que isso, a modalidade pôde conhecê-la. Não demorou até que o talento da baiana fosse reconhecido e a porta para o UFC, maior palco do MMA mundial, fosse aberta para ela.
"Estreei em 2013, mesmo período que a Ronda estreou no UFC. Já se falava muito de UFC. Na minha estreia, fiz a primeira luta com o professor Renato Velami. Na segunda luta, ele falou: 'você pode chegar no UFC'. Eu vi pelos olhos dele, porque para mim era um mundo desconhecido. Conhecia o Jiu-Jitsu, mas não o MMA", comenta.
"Confiei nele e acreditamos. Trabalhamos duro para isso. Só 13 lutas depois, passando pelo cenário regional, nacional e internacional, chegando no Invicta, fui chamada para o UFC. Era um projeto desde o começo", conta.
Durante o processo, o Invicta FC chegou à vida de Virna. Vencendo a primeira luta ainda no primeiro round, logo se tornou campeã do peso-palha, atraindo todas as atenções do campeonato, defendendo e mantendo seu cinturão.

"Foi incrível. Um evento tocado por mulheres, o que já é muito representativo. O tratamento é muito respeitoso. Foi uma grande escola que me preparou para o UFC. Foi minha primeira experiência internacional, onde lutei pelo cinturão e defendi esse cinturão. Já vivi isso e em breve estarei vivendo no UFC novamente", relembra.
Veio, então, o grande momento: "A notícia (de que iria para o UFC) chegou quando uma luta caiu e eu ia estrear em 20 dias. Foi uma mistura de emoções: alegria, realização, ansiedade. Mas foi a realização de um sonho".
"Eu vim de uma cidade pequena, Serrinha, e consegui chegar ali dentro do UFC, diante de tanto de invisibilidade que a gente sofre, dentre outras coisas, e preconceitos também. Conseguir chegar ali já foi um grande trunfo, e estar entre as melhores do mundo, hoje, em primeiro lugar no ranking peso-palha, para mim é realmente motivo de muito orgulho", relata.
Carcará aprendendo a voar
Foi na chegada ao UFC que Virna conheceu seu novo nome, que voou até ela em uma de suas primeiras lutas. "Na minha segunda ou terceira luta, eu já estava pensando em algo que representasse o sertão, que representasse o Nordeste. Acabei entrando com a música do João do Vale, 'Carcará'. Meu amigo falou: 'velho, tu já tem o teu codinome, a tua representação'. Falei: 'é verdade, caiu como uma luva'. Foi no MMA que surgiu o Carcará", conta.
Agora Carcará, Virna começou a se adaptar à nova vida no UFC, em outra prateleira do MMA mundial e perdendo a primeira luta que disputou. "Lutei com a Carla Esparza, que já tinha sido campeã. Isso me acordou para o quão profissional eu precisava ser. Já me profissionalizava, mas esse momento virou a chave. Precisava organizar todos os aspectos: físico, mental, se alimentar bem", relata.
"Talvez, se tivesse lutado com alguém iniciante, eu não teria tido essa virada de chave tão cedo. A frustração da derrota me trouxe essa realidade. Fui amadurecendo no processo. Agora cheguei consolidada, confiante, falando: 'é isso mesmo, aqui é meu lugar'. Foi o processo de construção que me colocou com os pés no chão", avalia.

De volta às raízes
A lutadora que nunca precisou sair da Bahia para chegar ao UFC agora quer lutar em seu próprio país. Com o card do UFC Rio marcado para 11 de outubro, a Carcará sonha em integrar os selecionados para a luta, sem nenhuma novidade até então.
"Não tem nenhuma devolutiva do UFC, só meu pedido. Gostaria muito de lutar. As pessoas acham que quero lutar no Rio, mas não quero só lutar: quero lutar pelo cinturão. Estou pensando em todas as possibilidades", afirma.
"Continuo treinando. Depois das lutas a gente sempre dá uma diminuída, mas continuo treinando de forma tranquila. Gosto de treinar sem luta marcada, porque há mais possibilidade de aprendizagem. Estou treinando a 70%. Quando marcar a luta, a gente intensifica", conta.

A meta, para ela, é lutar pelo cinturão contra a lutadora Mackenzie Dern, buscando uma revanche pela luta perdida em 2020 no UFC. "Seria o fechamento de um ciclo incrível. Nunca lutei no Brasil. Disputar o cinturão em casa, com meu povo, com meus pais, minha família, meus amigos assistindo... seria mais uma realização. Acho que eu ia zerar o game mesmo", garante.
"Espero muito, e tenho fé, que minha próxima luta seja pela disputa do cinturão. Não sei quando, mas é lá que a galera vai me ver", finaliza.

Futuro da luta baiana
Enquanto constrói seu legado, Virna já se tornou uma das maiores referências do esporte para jovens meninas, especialmente da Bahia, que veem na Carcará a certeza de que é possível conquistar o sonho.
"Acho que meu papel é de continuidade. Outras mulheres vieram antes, como Amanda, que também saiu da Bahia. Uso muito a Amanda como referência. Reforçar a mensagem de que é possível, que nós mulheres podemos. Esse também é um espaço nosso", opina Jandiroba.

"A primeira coisa (para conseguir) é acreditar. Já temos muitos exemplos na Bahia. É possível. E também é trabalhar duro. Não tem segredo. Claro que a gente precisa de apoio, mas cada um pode com a força que tem", aconselha.
Voando dentro ou fora da Bahia, uma coisa é certa - o Carcará, conhecido por se adaptar a diferentes situações, se adapta e seguirá se adaptando a diferentes modalidades, campeonatos e adversárias para dar cada vez mais orgulho à luta baiana e brasileira.
Ficha Virna Jandiroba
- Nome: Virna Carole Andrade Jandiroba
- Nascimento: 30 de maio de 1988
- Local de Nascimento: Serrinha, Bahia, Brasil
- Altura: 1,60m
- Peso: 52 kg
- Categoria: Peso-palha (52 kg)
- Apelido: Carcará
- Atual Ranking: #1 no ranking peso-palha do UFC
- Principais Títulos: Ex-campeã do Invicta FC
- Estilo de Luta: Dominante no solo (grappling) com boa evolução na trocação (striking)
- Prêmios: Performance da Noite no UFC
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