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Ela aprendeu a nadar aos 64: por que começar mais tarde pode ser uma vantagem

Baianos provam que aprender na maturidade pode mudar vidas

Pedro Hijo

Por Pedro Hijo

21/09/2025 - 4:25 h
A professora de inglês Conceição Rodrigues, de 64 anos
A professora de inglês Conceição Rodrigues, de 64 anos -

Na piscina de uma academia no bairro da Pituba, em Salvador, a professora de inglês Conceição Rodrigues, de 64 anos, encarou um desafio que, para muitos, parece trivial: aprender a nadar. Algo que costuma ocorrer nos primeiros anos de vida só entrou de fato no caminho dela depois dos 50. “Foi um processo”, diz. Assim como Conceição, outros baianos também resolveram enfrentar o medo ou a vergonha e adquirir, já adultos, competências normalmente associadas à infância ou juventude.

Segundo conta a professora, a decisão não foi planejada. O impulso veio de uma mudança na grade da academia onde praticava hidroginástica. A turma das seis da manhã, único horário em que conseguia treinar, deixou de existir. No lugar, restou apenas a natação. “Eu tive que me jogar”, conta, lembrando que sempre teve receio da água por causa de um trauma de infância.

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Conceição era escoteira e, em um acampamento, viveu um episódio num passeio à praia que marcou a relação dela com o mar. “Na água, fizemos uma cordinha com as mãos, mas uma onda forte bateu e a corrente humana se partiu", relata. "Depois daquele momento, fiquei emburrada e com medo”. Desde então, sua aproximação com o mar se limitou à simpatia de pular as sete ondas a cada virada de ano.

Para o funcionário público Oto Juan, de 33 anos, a motivação para aprender a dirigir foi o desejo de independência. Faz apenas dois meses que ele tirou a carteira de habilitação. Durante muito tempo, não sentiu falta. Vivia bem com aplicativos de transporte e ônibus, até que a espera constante e a falta de autonomia começaram a pesar. "Saber dirigir poderia me economizar tempo, um bem precioso nos dias de hoje”.

Apesar de nunca ter considerado dirigir uma prioridade, a pressão social chegou. “Se espera que nós, homens, já saibamos dirigir quando atingimos certa idade", diz. As primeiras aulas trouxeram desconforto, não pela reação externa, mas pela autocrítica: “A insegurança partia de mim mesmo”. Com o tempo, percebeu que a maturidade trazia vantagens: lidava melhor com o trânsito movimentado, a impaciência dos motoristas e até com as broncas dos instrutores.

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Encarando limites

Para Conceição, ser a mais velha da turma de natação não é motivo de constrangimento. Ela entendeu que aprender a nadar era menos sobre idade e mais sobre encarar limites. "Superar o medo foi o primeiro passo", diz. Depois, passou a enfrentar o desafio de coordenar respiração, braços e pernas. “O mais difícil foi conciliar os movimentos com a respiração".

Para se manter motivada, criou um ritual: anotar em um caderno a distância percorrida em cada aula. Quando ouvia o professor comentar o desempenho de outros alunos, transformava em meta pessoal. "Não me comparo, não me sinto acuada", afirma. "Vai demorar mais tempo do que para os mais jovens, mas cada um tem seu ritmo”.

A oportunidade de conquistar habilidades que pareciam restritas ao passado, em geral, passa pelas mãos de um professor. O baiano Edvan Cruz, de 47 anos, viu na bicicleta a chance de transformar o hobby de ensinar em profissão. Já foram mais de 1.500 alunos em dez anos de aulas na escolinha que montou em Salvador. "Do meu público, 90% tem entre 40 e 80 anos", diz o professor, também conhecido como Edy.

Segundo ele, a maioria chega movida pelo desejo de realizar um sonho antigo. "Muitos não aprenderam antes por falta de tempo dos pais, por responsabilidades precoces ou até por restrições de gênero", explica. "Muitas mulheres que são minhas alunas não podiam andar de bicicleta quando pequenas porque só liberavam que elas brincassem de boneca".

O processo de aprendizagem, porém, é diferente: enquanto as crianças chegam destemidas, os adultos trazem medos, inseguranças e até vergonha. Para ajudá-los a vencer essas barreiras, as aulas começam pelo equilíbrio, sem pedais, até que o aluno conquiste confiança no próprio corpo e na bicicleta. O objetivo não é apenas ensinar a pedalar, mas criar autonomia e pertencimento.

Uma das alunas de Edy é a baiana Iracema Leal, de 65 anos. Para ela, aprender a andar de bicicleta foi uma mudança de vida. "Me libertei", afirma. Faz três anos desde que o medo de cair virou coragem de rodar os pedais e seguir adiante. "Confiei no meu professor e fui".

Vencer o bloqueio psicológico é essencial, garante Edy. Muitos chegam movidos pela curiosidade, mas logo pensam que a idade já não permite aprender. “Vender uma aula de bike para um adulto não é como vender um produto numa prateleira”, explica.

O ensino exige metodologia: as aulas de bike trabalham o equilíbrio e a coordenação motora até que o aluno se sinta seguro. Só depois focam em postura, frenagem, curvas e desvios de obstáculos. Iracema confirma que esse processo foi fundamental. Hoje, participa da maioria dos passeios promovidos pela escola. "Vou de Itapuã até a Barra todo fim de semana", conta, com alegria.

Imagem ilustrativa da imagem Ela aprendeu a nadar aos 64: por que começar mais tarde pode ser uma vantagem
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Coragem

Houve um misto de sentimentos no primeiro dia em que Oto finalmente pegou o carro sozinho, já habilitado. "A sensação era de medo e de que eu deveria voltar para a autoescola", diz, rindo. Ele lembra que, apesar do receio, também havia a emoção de estar no controle. "Eu sabia pouco, mas via que era o suficiente, então, me deu coragem".

Olhando para trás, Oto admite que talvez tivesse sido mais fácil aprender antes. Os erros, os medos e o nervosismo ficariam por conta da pouca idade. “Se eu pudesse voltar no tempo, teria aprendido a dirigir mais cedo porque as pessoas esperam menos de quem é mais jovem".

Esse impulso pelo aprendizado também guiou a baiana Joselina do Amparo, de 54 anos, quando decidiu retomar os estudos quase duas décadas depois de ter deixado a escola.

Natural de Gandu, no sul da Bahia, Joselina interrompeu os estudos ainda jovem. Aos 19 anos, mudou-se para Salvador e foi trabalhar como empregada doméstica. A rotina e as dificuldades financeiras a afastaram dos livros. “O que me impediu de continuar foram as condições diante de tanta dificuldade. Eu precisava colocar dinheiro dentro de casa”, lembra.

Mesmo distante da sala de aula, o desejo de aprender não desapareceu. Joselina acordava cedo para acompanhar o Telecurso 2000 e, da janela, via crianças uniformizadas indo para a escola. “Aquilo me inquietava", diz. O incentivo decisivo veio de dentro da própria casa em que trabalhava: os patrões começaram a insistir para que retomasse os estudos.

Dedicação

Foi assim que, em 2008, aos 37 anos, ela se matriculou no programa de Educação de Jovens e Adultos do Colégio Antônio Vieira, no Garcia. A adaptação não foi simples. Trabalhar o dia inteiro e estudar à noite era desafiador. "Mas nada que me impedisse de seguir”, conta.

O esforço compensou. Em cinco anos, concluiu o ensino fundamental e médio, sempre com destaque. “Eu era muito participativa, gostava da escola, da formação que ia além do acadêmico, que elevava a nossa autoestima".

No convívio com os colegas, Joselina se surpreendeu com a força do ambiente coletivo. “Lá, todo mundo era adulto, com histórias marcantes. Isso foi surpreendente”, diz, lembrando que boa parte da turma era formada por porteiros e empregadas domésticas, moradores de periferia.

Novos caminhos se abriram. Incentivada por professores e pela própria curiosidade, decidiu prestar vestibular. Passou para Nutrição e Direito, escolhendo o segundo curso. “Uma professora dizia sempre que eu tinha perfil de advogada", recorda. "Aquilo ficou na minha cabeça”.

Com apoio dos patrões e uma bolsa social, conseguiu se formar na Universidade Católica de Salvador. Em 2017, veio a aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pouco depois, fundou com a filha dos antigos patrões um escritório de advocacia em Salvador. “Eu tinha vergonha de dizer que fui empregada doméstica, mas hoje digo com orgulho", conta. "Foi o trabalho que me sustentou e me trouxe até aqui”.

Atualmente, Joselina olha para trás e se reconhece em cada etapa superada. Para ela, aprender na maturidade foi mais do que retomar os estudos: foi um ato de coragem. “Se eu pudesse voltar no tempo, teria estudado antes", reflete. "Mas aprendi que cada um tem seu ritmo".

A advogada conta que, antes de voltar à escola, ouviu muitas vezes a frase: “Estude para se tornar alguém na vida”. Para adultos que, como Joselina, desejam aprender novas habilidades, ela deixa um recado: "Você já é alguém na vida. Estude e aprenda para se superar a cada dia”.

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