PERFIL
Ele sobreviveu aos bombardeios em Gaza e conta sua história na Bahia
Flica 2025 recebe Atef Abu Saif, autor de “Quero estar acordado quando morrer”

Por Gilson Jorge

O terror das mortes violentas não é exatamente uma novidade na vida do escritor e ex-ministro da Cultura da Palestina, Atef Abu Saif. Nascido em Gaza, em 1973, o intelectual era um bebê de quatro meses quando o Estado de Israel, criado 25 anos antes, protagonizou o seu quarto conflito armado com o mundo árabe, a Guerra do Yom Kippur.
Mas o que Atef vivencia desde outubro de 2023, com o massacre da população civil palestina, não encontra paralelo em nenhuma outra história que tenha presenciado. Em sua ofensiva contra o Hamas, Israel matou mais de 65 mil pessoas, das quais 80% eram civis, de acordo com dados internos israelenses. Quase 170 mil palestinos ficaram feridos.
Depois de escapar dessa estatística macabra, Atef lançou no ano passado o seu mais recente livro, Quero estar acordado quando morrer: diário de um genocídio em Gaza. Nele, Atef conta o horror vivido durante três meses por ele e por seu filho com os frequentes bombardeios e incursões militares israelenses, até que eles conseguissem fugir para o Egito.
Essa história vai ser contada pessoalmente na Bahia no próximo dia 25, quando o escritor participa da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), na Tenda Paraguaçu, às 19h, em que vai falar da literatura como testemunho, autoficção e memória, relatando sua experiência e opinando sobre as perspectivas locais depois do que classifica como genocídio.
Em entrevista ao A TARDE, Atef fez considerações sobre a região e a frágil situação do povo palestino, desesperado pelo fim dos ataques. "A troca de reféns de parte a parte não é um negócio justo, mas que os palestinos têm que aceitar porque o objetivo é parar a guerra", afirma o escritor.
Atef pontua que nesse nomento todos querem o fim dos ataques, por diferentes objetivos. Netanyahu quis entregar ao povo israelense o resgate dos reféns, os palestinos em geral não querem estar sob a ameaça de bombas, e o Hamas quer se reorganizar.
Ex-porta voz do Fatah, partido oponente ao Hamas, Atef defende o direito de Israel existir dentro das fronteiras demarcadas em 1967, o que se contrapôe à visão do Hamas de que não deve existir um estado judaico no território. Israel, por sua vez, avançou em muito sobre os territórios palestinos acordados há 58 anos e ameaça ocupar Gaza e a Cisjordânia, as áreas que oficialmente são palestinas, mas vivem sob o jugo israelense.
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À medida em que cresce internacionalmente o reconhecimento do Estado Palestino, o governo de Netanyahu cogita dividir a Cisjordânia em duas partes separadas por uma faixa central colonizada com assentamentos de israelenses. O apoio à causa palestina tem sido demonstrado por ativistas como Greta Thunberg, os barcos que tentam levar ajuda humanitária e mesmo nas arquibancadas em partidas de futebol.
"Cresce internacionalmente o entendimento de que há um genocídio, especialmente na Europa, na América Latina e em alguns países asiáticos", declara o escritor, que não acredita haver possibilidade de que volte a acontecer o mesmo nível de destruição e morte após o cessar-fogo.
Atef não vê o Hamas como um grupo terrorista, e sim como uma organização que luta armada pelo fim da ocupação israelense dos territórios palestinos, o que é um objetivo compartilhado pelo Hamas e pelo Fatah. "Nenhum palestino é terrorista. O Hamas faz parte do povo da Palestina. Há uma parte da população que apoia o Hamas, que foi eleito democraticamente", afirma o escritor.
Atef aponta que existe uma ocupação de territórios palestinos por parte de Israel e que há uma luta por liberdade. "Eu não vou analisar a relação entre Israel e o Hamas, isso é algo que os historiadores podem fazer. Mas, para mim, há um terrorista: a ocupação que precisa ser parada. A Palestina tem o direito de ter seu estado, seu exército. E então todos os partidos políticos serão pacíficos”.
Ater decidiu que queria ser um escritor ainda na infância em Jaffa, cidade portuária próxima a Tel Aviv. Ele sentia que era preciso contar a história da sua avó, que foi expulsa de casa a obrigada a fugir da perseguição do exército israelense. "Ela sempre me falava dos dias bonitos em Jaffa, das idas à praia e ao cinema com o meu avô. Eu queria que as pessoas soubessem da sua dor, do seu sofrimento", relata o autor.

Sobre as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em fevereiro deste ano, de que Gaza poderia se transformar na Riviera do Oriente Médio, o escritor afirma que não se pode levar tão a sério as falas do homem mais poderoso do mundo. "Ele manifesta opiniões contraditórias a respeito de muitos assuntos", declara Atef.
Mas alerta que os palestinos rejeitam qualquer iniciativa que signifique a remoção da população de Gaza: "Tirar as pessoas e transformar a área em propriedade das empresas de Trump não é aceitável. Nós adoraríamos que Gaza virasse uma riviera, mas sem remover os palestinos".
Depois de dois anos de destruição e morte, Atef conclama a comunidade internacional a apoiar a reconstrução da infraestrutura de Gaza, dar qualidade de vida às pessoas e ajudar a trazer estabilidade à região. "Uma vida miserável em Gaza tornaria mais provável uma nova guerra", avalia.
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