ABRE ASPAS
Essa profissão será uma das mais importantes nos próximos cinco anos
Área pode mudar a segurança digital

Por Gilson Jorge

No último dia 9, o físico e influenciador Luiz Augusto, conhecido como Econofísico, postou no Instagram um vídeo exaltando o Campus Integrado de Manufatura, o Senai Cimatec, onde tinha acabado de fazer uma palestra sobre tecnologias quânticas.
Empolgado, o Econofísico qualificou o gigantesco campus instalado no bairro de Piatã como a Nasa do Brasil, elogio que é comentado nesta entrevista pela professora doutora Valéria Loureiro da Silva, coordenadora do Centro de Competência Embrapii Cimatec em Tecnologias Quânticas.
O centro é o único do país a oferecer pós-graduação em computação quântica e comunicação quântica. Uma área que, avalia-se, deve se tornar fundamental em até cinco anos, seja na tecnologia bancária, seja a defesa dos interesses das nações. Com pós-graduação no Bellcore, o centro de pesquisas da gigante estadunidense AT&T, e 16 anos de experiência na indústria de fibra ótica, a professora decidiu voltar ao Brasil e foi convidada a trabalhar no Cimatec.
O que é exatamente criptografia quântica e por que o Senai Cimatec se dedica a esse tema?
Criptografia é a parte da ciência ou da tecnologia que vai embaralhar as suas mensagens para que ninguém consiga escutá-las ou entendê-las, caso elas sejam captadas. É uma forma de você manter a tecnologia segura. Se você entrar no WhatsApp, vai ver escrito lá que a sua conversa é criptografada de ponta a ponta. Isso significa que se tem duas pessoas conversando só elas conseguem entender e decifrar. Se alguém interromper aquele tráfego e tentar escutá-lo não consegue. Isso é na teoria. Na prática, existem limitações. Essa criptografia usa algoritmos matemáticos para embaralhar a conversa, de forma que ninguém entenda, e depois trazê-la de volta.
É uma coisa chamada chave criptográfica. Esse conceito existe desde a Antiguidade. A primeira técnica documentada vem do Império Romano e se chamava Criptografia de César. Em algum momento, a gente brincou disso na infância. Aquela coisa de mandar mensagens substituindo letras por números. Ou uma letra por outra letra. É o mesmo princípio. Como a língua do P. Mas o que acaba acontecendo é que se você fizer uma análise matemática, você consegue decifrá-la.
Por exemplo, você já brincou de forca? Qual a primeira letra que você usa nesse jogo? O A, a letra que aparece com mais frequência na língua portuguesa. A segunda é o E. Se você tiver um texto longo e fizer uma análise da frequência, você descobre quais são A e E. Tendo 70%, você consegue adivinhar qual é a palavra. Para não ter esse problema, a criptografia desenvolve algoritmos matemáticos, muito complexos, para gerar essas trocas, e embaralhar essa conversa para que ninguém saiba o que está sendo falado. Mas qual o problema? Esses são algoritmos matemáticos e com o passar dos anos o tamanho da chave criptográfica foi aumentando para dar maior segurança, porque o poder computacional vai aumentando e poderia quebrar chave em um tempo curto.
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E o que há de tão especial na criptografia quântica?
O que está acontecendo é que a gente tem uma nova forma de fazer computação, a computação quântica. Esses computadores quânticos estão evoluindo bastante, eles ainda não são tão eficientes, ainda têm alguns problemas, mas estão cada vez mais próximos de terem a capacidade necessária para você poder quebrar as chaves criptográficas atuais. Porque existem alguns algoritmos quânticos. Então, a gente precisa de uma nova forma de fazer a criptografia, que não dependa dessa complexidade matemática. Uma dessas formas é a criptografia quântica.
A criptografia quântica vem de uma técnica em particular, que oferece mais segurança para a criptografia. O Senai Cimatec escolheu essa área porque ela é importante. Há uma ameaça. Se você tem essas quebras criptográficas fica à mercê de hackers e de outras ações que venham espionar. Por exemplo, você não quer que um hacker assuma o controle das turbinas de Itaipu e decida quando ou não inundar a Argentina. Assim como uma coisa que acontece hoje, com os hackers assumindo o controle de suas contas bancárias. Ou de drones e aeronaves, ou de plataformas de petróleo. E os hackers estão fazendo isso.
O número de ataques cibernéticos tem crescido ano a ano. E eles estão ficando cada vez mais sofisticados. Eles sequestram a informação ou bloqueiam o seu acesso porque eles criptografam com uma técnica mais difícil. E eles pedem pra você pagar um resgate para eles liberarem para você. E aí pode ser que eles liberem ou não, com ou sem grana. Eles podem danificar vários equipamentos ou fazê-los funcionar. Eles assumem o controle de uma forma que eles possam causar danos. Então, você precisa dessa proteção extra. Se você não a fizer, os bandidos vão fazer e você vai pagar o preço depois. É melhor você se defender e ter a segurança de que eles não consigam o acesso.
Qual a dimensão das oportunidades de trabalho nessa área?
Essa é uma área emergente, com pouca gente trabalhando no Brasil, com pouco conhecimento e a grande maioria das empresas não tem nem consciência dos riscos que elas estão passando. A Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial] criou um programa chamado Centros de Competência em que foram identificadas diferentes áreas que requerem tecnologias emergentes, mas que a indústria ainda não estava preparada, e está financiando esses centros de competência.
Tecnologias quânticas é uma das áreas em questão. Quando a Embrapii abriu as chamadas a gente se candidatou e apresentou um plano para esse tipo de tecnologia. E fomos escolhidos por eles para fazer. A chamada e a seleção ocorreram em 2023 e a gente assinou contrato com eles em 23 de dezembro do mesmo ano. Temos dois anos de existência. A gente começou com um grupo de pesquisadores bem pequenininho. E hoje a gente está com mais de 100 pessoas envolvidas. O número grande de pessoas não é só porque o nosso projeto é ambicioso, mas também porque dentro desse centro de competência a gente tem quatro missões: o desenvolvimento da tecnologia, a formação e capacitação de pessoas, a atração e criação de startups, e o envolvimento das empresas para a adoção das tecnologias.
Por isso, nós temos tanta gente. Dentro dessas 100 pessoas, a gente tem bolsistas de graduação, de iniciação científica, de mestrado, de doutorado, pesquisadores e professores universitários que querem colaborar. Alguns prepararam uma quantidade enorme de cursos que a gente ofertou gratuitamente. A gente criou vários eventos para trazer as empresas e conscientizá-las. A gente trabalha o ecossistema inteiro para poder levar essas tecnologias quânticas para a indústria.
Se hoje, alguma indústria quiser contratar alguém para implementar o sistema de criptografia quântica não vai encontrar quem faça. Ou vai ter um número tão pequeno e ele não vai saber se o que o vendedor do equipamento está dizendo é verdade ou não. A gente não oferece só os equipamentos, oferece muitos cursos de capacitação e consultoria. Para eles estarem preparados para essa migração que precisa ser feita nos próximos cinco anos.
Por que cinco anos?
De três a cinco anos. Essa é a previsão que a gente tem de quando o computador quântico vai estar com o operacional funcionando com capacidade suficiente para talvez quebrar isso. E não tem a ver só com hackers. Pode ser uma nação que queira saber o que a gente está fazendo. Pode ser uma nação interessada em nossos recursos naturais, que vai quebrar nossas informações para fazer espionagem industrial ou de nação para nação, para saber onde estão as nossas reservas de petróleo, onde está aquilo que a gente tem antes de a gente anunciar.
As terras raras, por exemplo?
Sim, terras raras. Tem informações que são nossas, que a gente quer manter em sigilo, segredos militares, coisas que estão acontecendo na Amazônia e que você quer proteger. Tem os contrabandistas. Infelizmente, hoje o crime está expandido e bastante tecnológico.
Deve estar acontecendo, então, um fluxo de profissionais de outras regiões vindo se qualificar no Cimatec para ser essa mão-de-obra que a indústria vai precisar...
O nosso primeiro curso de especialização foi presencial, uma turma-piloto que graduou 19 pessoas e tinha pessoas que não eram da Bahia. A gente pagou para esses estudantes uma bolsa para eles virem e ficarem aqui seis meses. Depois, a gente acabou contratando metade dessa turma que a gente formou. Enquanto a gente fazia essa turma piloto, acabou desenvolvendo o nosso próprio curso. A gente tem cursos EAD, uma especialização em comunicação quântica e outra em computação quântica.
A gente abriu 50 vagas para cada curso, em meados deste ano, e a gente teve mais de mil inscrições. A gente então expandiu e ficaram 200 vagas para computação quântica e 100 para comunicação quântica. E agora a gente vai lançar uma especialização voltada para a gestão.
No início deste mês, depois de fazer uma palestra no Cimatec, o físico e influenciador Luiz Augusto, o Econofísico, gravou um vídeo elogiando a instituição e se referiu a ela como a Nasa do Brasil. É uma comparação justa?
(Risos). Não, acho que a gente não é tão arrogante. A Nasa é muito maior e faz coisas muito mais sofisticadas do que a gente faz. Mas ele realmente ficou impressionado, não só com a criptografia quântica, mas com os outros laboratórios do Cimatec. A gente tem uma parte de robótica muito forte, a parte de materiais, a parte automotiva. Ele ficou bem impressionado com todas as coisas de ponta que a gente faz. Não só com as pesquisas acadêmicas, mas as pesquisas aplicadas à indústria e à sociedade.
A propósito, durante o processo de implantação da BYD em Camaçari, a Ceo da empresa para Américas e Europa, Stella Li, chegou a declarar que a Região Metropolitana de Salvador tem potencial para ser uma espécie de Vale do Silício do Brasil, até por conta do Cimatec. A senhora concorda?
Dentro das dimensões do Brasil, isso daí é possível, sim. A gente investe em tecnologias emergentes que têm aplicação para a indústria. O Cimatec é parte do Sistema Senai, então nossa missão é apoiar e desenvolver a indústria. E o Brasil tem poucas instituições que fazem essa conexão tão bem quanto a gente faz.
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