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14/07/2024 às 7:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

ENTREVISTA

Existe estelionato? Delegado avalia Jogo do Tigrinho

Confira a entrevista com o delegado Charles Leão, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Estelionato por Meio Eletrônico

Delegado Charles Leão
Delegado Charles Leão -

Apreciador das inovações tecnológicas, o delegado Charles Leão, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Estelionato por Meio Eletrônico, utiliza a Inteligência Artificial em suas pesquisas na internet. Mas faz questão de que o filho adolescente conheça equipamentos mecânicos que ele utilizou, como a máquina de datilografar. Responsável pela investigação de crimes patrimoniais online de alto valor, o delegado, especialista em Crimes de Internet e professor convidado de Segurança da Informação na Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) na Bahia, Leão conversou com A TARDE sobre as possibilidades de investigação do Jogo do Tigrinho e porque considera que se trata de estelionato e não um jogo de azar.

Estão saindo notícias sobre pessoas que se dizem lesadas pelo Jogo do Tigrinho, com relatos de enormes perdas de dinheiro. Há até casos de suicídio atribuídos informalmente ao endividamento gerado pelo vício nas apostas. Qual a diferença desse jogo para as apostas esportivas, por exemplo?

O jogo de azar depende da aleatoriedade. Você pode ganhar ou perder. Depende da sorte. A maioria das vezes você perde. Você conhece algum ganhador do Jogo do Tigrinho? Não existe. Quando a sua única alternativa é perder, para mim, é estelionato. Com as bets (sites de apostas esportivas) é diferente: é futebol em campo. O Vitória pode ganhar ou o Bahia pode ganhar. No caso do Tigrinho, as reportagens falam em jogo de azar, mas, para mim, é estelionato. Porque você já entra para perder. Você abre um site, faz um programa que imita um caça-níqueis, só que ele não é mecânico. Você conhece o programa do site? Tem como fazer uma auditoria? Uma máquina de caça-níqueis, que dizem que tem por aí, é um instrumento físico. Pode ter um artefato lá que faça alguma traquinagem. Mas aqui é um software que está rodando e que você não sabe quem programou. Tem uma coisa chamada saldo de tela. Se criar o Banco do Charles e abrir a conta de Gilson com US$ 1bilhão, isso é saldo de tela. Você vai comemorar, "ganhei, ganhei". Na primeira vez que você joga, não pode perder. Se você não ganhar nas primeiras rodadas, você desiste. Mas, mesmo assim, ganhando, ele te dá um saldo de tela, que você não consegue retirar. Outras pessoas te estimulam a ganhar mais dinheiro, aí a programação já começa a fazer com que você perca. Ao perder, você diz que se teve sorte no início essa sorte pode voltar e injeta mais dinheiro.

Há uma certa noção de que não se pode combater fraudes online, como o Jogo do Tigrinho, porque os sites são hospedados no exterior. Como o senhor responde a isso?

Uma matéria do site da Forbes diz que não se pode fazer nada porque o jogo está hospedado em Malta, um paraíso fiscal. O que tem a ver? Do jeito que se fala dá a entender que está fora do nosso alcance. Isso até desestimula um pouco as pessoas a procurarem os seus direitos. Até porque as vítimas têm vergonha. Não querem virar chacota em seu meio. Olha aí, dizia que estava ganhando e agora perdeu um milhão. Mas tem uma coisa: quando você coloca o seu dinheiro para apostar nesse jogo, faz o que? Eu nunca joguei nem acessei o site, porque tenho amor ao meu dinheiro. Mas quem joga faz um pix, usa o cartão de crédito ou um boleto. Quando você faz o pix, faz para quem? Para Malta? Faz para o sistema bancário brasileiro, de uma pessoa a outra, seja física ou jurídica. O crime é consumado no Brasil no momento em que se faz a transferência de uma conta para a outra. O que importa é que a autoridade brasileira chegue ao beneficiário dessa transferência aqui no país. Mas para isso é preciso que a gente receba uma denúncia. Nossa delegacia, especificamente, investiga casos que envolvam valores superiores a 80 salários mínimos. Mas ainda que a vítima do Jogo do Tigrinho tenha perdido bem menos do que isso pode nos procurar, porque podemos investigar pelo conjunto da obra. Se você, como apostador, enviar o dinheiro diretamente para a empresa que faz apostas, essa empresa vai precisar ter uma outra CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas), porque jogo de azar é ilegal. Se ela disser que vende colchões ou plantas, já se caracteriza lavagem de dinheiro.

Ou seja, a empresa que diz vender colchões mas recebe pix das apostas recebe uma comissão da empresa de Malta por cada aposta...

Também. E aí já se caracteriza lavagem de dinheiro, a introdução do valor de apostas ilegais dentro do sistema bancário. Posteriormente, se mistura com o dinheiro bom e sai lavado.

Já aconteceu alguma investigação do Jogo do Tigrinho a partir dos influencers digitais que fazem propaganda dessa modalidade de crime e que ostentam nas redes sociais?

Veja bem, a polícia é regida pela constitucionalidade. A pesca predatória, aliás, está sendo muito combatida. O que é pesca predatória? Eu suspeito de você e por isso vou te investigar. Precisamos ter um elemento mínimo para começar. Porque senão a própria Lei de Abuso de Autoridade vem atrás de mim. É preciso que haja uma denúncia e que haja indícios mínimos de crime.

Há uma outra modalidade de golpe na praça em que o criminoso envia fotos de uma jovem bonita como isca, verdade?

Tivemos um caso desses aqui. O rapaz que foi vítima nem aguardou eu chegar, mas ficou o registro aqui. Esse golpe usa foto de novinho ou de novinha. O criminoso tem uma foto de perfil de uma pessoa jovem e bonita e começa a falar com você. Começa uma paquera mútua, mas iniciada por esse novinho ou essa novinha, que termina em troca de imagens. O criminoso envia uma foto de uma pessoa jovem nua, começa se corresponder com quem recebeu as fotos e pede que a pessoa também envie fotos dela sem roupa. Quando a pessoa manda fotos em que está nua e aparece o rosto, começa a ser chantageada. Você forneceu as ferramentas que essa quadrilha precisa para começar o ataque. Aí aparecem indignados os pais de quem começou a troca de mensagens, dizendo que o filho ou filha é menor de idade e que a pessoa vai ser investigada por pedofilia, entra um delegado ou juiz falso. A quadrilha usa nomes e fotos de delegados e juízes reais e afirma que é melhor a vítima pagar o valor exigido do que enfrentar um registro de ocorrências. A vítima vai pesquisar no Google e vê que o delegado existe. E a pessoa entra em desespero, porque uma acusação dessas faz um estrago muito grande. Chantageadas, as vítimas acabam depositando dinheiro para os criminosos. Se a vítima não parar um momento para pensar, ela perde muito dinheiro. Há três anos, houve um caso aqui em que a pessoa, um senhor de idade, deu R$ 400 mil aos criminosos.

Esta delegacia é especializada em casos com fraudes de grandes valores. O senhor pode citar um episódio peculiar?

Houve o caso de um boleto de R$ 900 mil em que o dinheiro da fraude foi pago ao Google. A vítima achou que estava pagando a um fornecedor seu com um boleto. Quando pagou, o dinheiro foi para a dona do Google. A vítima disse que efetivou todos os passos para pagar aquele boleto e o dinheiro foi enviado para uma empresa do sul do país. A gente começou a investigar e viu que esse dinheiro na verdade foi parar na dona do Google. Assim como houve outro caso aqui em Salvador de um boleto de uma loja, de R$15 mil, que também foi pago à dona do Google, para alavancar propaganda. Fizemos o indiciamento e mandamos para a Justiça. O estelionato sempre tem um esqueleto, muda a roupa.

Ou seja. Até uma big tech como a dona do Google acaba se beneficiando indiretamente de fraudes eletrônicas...

Se houver uma polícia preparada, isso vai stopar (anglicismo que significa interromper). Você vai detectar o dinheiro indo para o Google, que não está envolvido na fraude, mas é utilizado na fraude. O criminoso emite um boleto para sua organização e faz com que a vítima pague através de um vírus ou uma alteração qualquer que gera um crédito para aquela empresa.

Como a polícia desvenda esses casos?

A gente tem que sair do mundo virtual para o real. A gente procura a empresa que emitiu o boleto e questiona para quem ela emitiu, por que, em que circunstâncias, o que ela vendeu e para quem, onde vai entregar. É aquela história do "Siga o dinheiro". Uma vez eu dei uma palestra sobre crimes na internet, que é minha praia, e me perguntaram sobre deepweb (sites da internet que não são acessíveis aos internautas comuns). São investigações difíceis. Mas uma coisa que move a maioria dos criminosos na área patrimonial é a vaidade. O criminoso quer ostentar. Ele não ostenta na deepweb. Por mais difícil que seja a investigação, uma hora ele vai sair da deepweb. Se ele comprar uma droga ou uma arma, ele vai querer receber. Ele vai ter que sair da deepweb para usufruir e ostentar. Você não vai ter um carro, usar roupa de marca e cordão de ouro ou morar bem na deepweb.

E a dona do Google não detecta isso...

Para o Google, R$900 mil é moeda. Mas a organização criminosa pode usar esse montante para impulsionar uma página no Google ADS. A empresa que se beneficiou da fraude pode dizer que tinha uma verba reservada para pagar anúncios, mas na verdade é esse dinheiro advindo da prática criminosa. Quando eu vi esse crime, uma das primeiras coisas que me perguntei foi isso: como esse dinheiro foi parar no Google.

A vergonha de cair em um golpe desses também deve inibir denúncias...

Sim, inclusive um dos passos desse crime é prospectar informações em redes sociais. O que eles fazem? Pesquisam esposa, esposo, o meio social, os colegas profissionais. Porque aí o poder da chantagem, da extorsão, fica maior. O criminoso diz: "Eu contarei a seu cônjuge, a todos os seus amigos", o que geraria um estardalhaço. As vítimas ficam muito abaladas psicologicamente e uma parte cede. Agora, eu recomendo que não ceda. Se ceder, será algo sem fim. O criminoso sabe da vulnerabilidade dessa pessoa, do medo que ela tem de um escândalo. Depois que é depositada a primeira quantia, o criminoso vê pelo círculo social da vítima que ela pode dar mais. Não pague nada e venha a uma delegacia de polícia. Na semana passada, chegou aqui a vítima de um golpe de R$ 70 mil, em um site falso de um banco. O cliente declarou que estava fazendo uma operação, quando o site pediu uma informação diferente. Ele diz que fechou a aba da página e, ao acessar de novo o endereço, percebeu que alguém remotamente tinha conseguido a senha e o login e fez pagamento de um boleto de R$ 70 mil. Há fraudes contra bancos. Muita coisa.

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