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CRÔNICA

Falar baixo virou artigo de luxo em Salvador?

Uma reflexão bem-humorada, e irritada, sobre a invasão sonora que tomou conta de Salvador

Luisa Sá Lasserre*

Por Luisa Sá Lasserre*

16/11/2025 - 7:04 h
Crônica de uma cidade barulhenta: quem vai pedir silêncio primeiro?
Crônica de uma cidade barulhenta: quem vai pedir silêncio primeiro? -

Mãe, você tá direitinha? Tô lhe achando cansada! Eu tomei um guaraná mix, minha filha, tô ótima. Ixe, mãe, isso dá energia pra ninguém, é cheio de açúcar. Dá sim, dá sim, tem guaraná natural. Agora eu tenho que ir, tá bom, tchau. Mãe, a senhora tem que se cuidar. Tá bom, tá bom, tchau, minha filha. Beijo, mãe!

Peguei a conversa já perto do fim: atravessou a pequena sala onde eu e mais duas mulheres estávamos sendo atendidas e pairou feito nuvem acima da minha cabeça. Não foi uma escolha minha escutar o papo mãe e filha, apenas não tive alternativa. A mulher falava ao telefone em chamada de vídeo, alguns decibéis acima do considerado educado em local público, obrigando todas nós a participarem como ouvintes passivas da interação com a mãe. Agora, por que cargas d’água eu tenho que saber de que a dona fulana tomou um guaraná mix acreditando que lhe dava mais energia? Por que tenho que ouvir a conversa dos outros?

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O incidente me fez pensar o que já há muito observo: há pessoas que impõem seus sons aos outros, sem a menor cerimônia. Falam alto no celular em espaços fechados com gente em volta, fazem reunião online sem fones de ouvido nem noção de volume da voz, usam caixa de som nas alturas na academia, na praia, na praça. De onde tiraram a ideia de que precisamos todos ouvir o que só a elas interessa?

A invasão do espaço alheio é um problema urbano e uma questão de civilidade nessa nossa Soterópolis. Está lá nos mandamentos da boa convivência coletiva: falarás baixo, ouvirás tuas músicas em fones de ouvido, pouparás teus concidadãos de ouvirem o que não lhes diz respeito. Acho que seria de bom tom distribuir uma cartilha nas escolas e tornar esse manual real em materiais educativos.

Essa invasão pode ser vista também em outros âmbitos. No trânsito, por exemplo. Entre tantas questões que poderiam ser abordadas nesse quesito, vou me ater a uma específica: as buzinas das motocicletas. A depender do horário e do local que se transite por Salvador, por exemplo, a experiência ao volante pode ser bem resumida por um festival sonoro de “pen-pen-pen” (escute o som aí na sua cabeça). Duvido você passar alheio à buzinada em um tráfego carregado.

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Outro dia uma amiga em rede social levantou uma questão pra lá de existencial: que mensagem estão querendo nos passar tais motociclistas com suas buzinas? Você tá lá no seu carro ou no ônibus e passam duas, três, cinco motos em sequência e todas “pen-pen-pen”, como se dissessem “sai de baixo” ou “você tá na pista errada” ou, ainda, “você não deveria existir”. Exagerado?

Sabemos que são trabalhadores, pais e mães de família, gente como a gente, e estamos todos com pressa. Quer dizer, tem uns motoristas que andam parecendo que estão amarrados ou sendo rebocados, deixando um rastro de fila atravancada atrás de si e atrapalhando todo mundo que tem horário a cumprir… fora isso, reina a urgência. Mas será que dá pra buzinar um pouco menos?

Um motociclista experiente me garantiu que toda essa buzinada não é necessária, basta saber transitar nos corredores livres, desviar com segurança dos veículos e seguir sempre à frente da massa automobilística. Bom, nunca pilotei uma moto, mas sei que é um meio de transporte mais acessível frente ao custo absurdo dos carros hoje em dia. O problema é a nossa malha viária, o aumento populacional em cidades mal planejadas... e os nossos ouvidos cansados.

O espaço urbano é um emaranhado de barulhos. Um falando por cima do outro, música alta na hora e no local errados, buzinas atravessando o sossego sem pedir licença. Faz parte da experiência citadina, fazer o quê.

Quando testemunhei a conversa da mulher com a mãe outro dia, me perguntei por que tinha de ouvir aquele papo que não era meu nem me interessava. Mas, ora, não fosse isso, não haveria crônica…

*Luisa Sá Lasserre é autora do livro “Pensei, mas não disse” (Ed. Patuá)

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