O PREÇO DO HIT
Quanto ganham (de verdade) os compositores de músicas?
Compositores baianos equilibram inspiração com cobrança por sucesso na internet para conquistar público

Por Pedro Hijo

Se antes uma canção chegava ao público por meio das fitas cassete entregues a operadores de rádio, hoje ela precisa disputar espaço em um mar de mais de 200 mil faixas que entram diariamente nas plataformas de streaming, segundo dados da União Brasileira de Compositores (UBC). Serviços como Spotify, Deezer e Apple Music correspondem a mais de 80% do consumo no Brasil e assumiram o papel de orientar o que será ouvido ou não pela maior parte das pessoas.
Às vésperas do Dia Nacional do Compositor, 7 de outubro, fica a pergunta: como preservar a inspiração dos autores em um universo onde os algoritmos determinam o que tem chance de dar certo?
O baiano Rafa Chagas viu a vida mudar quando compôs a música Zona de Perigo, para o cantor Leo Santana. A faixa, que acumula mais de 200 milhões de reproduções no Spotify, ganhou os troféus de música do Carnaval de 2023 e se tornou um dos maiores acertos de Rafa. Depois dessa, ele agregou ao currículo músicas para as cantoras Anitta, Iza e Ivete Sangalo.
O compositor diz que ainda não ficou rico, mas conseguiu dinheiro para abrir um estúdio que leva o nome da música cantada por Leo. A empresa, aberta em sociedade com os compositores Lukinhas, Pierrot Jr e Everton Soares, virou ponto de encontro de outros artistas que buscam por um sucesso. "A composição funciona através da execução pública, do digital, dos shows e também depende do investimento que o artista faz", explica. "É um trabalho coletivo".
A história de Rafa ajuda a lançar luz sobre uma questão maior: Ainda é possível contar exclusivamente com a inspiração ou as métricas da internet criaram um novo modo exclusivo de fazer música de sucesso? Segundo o gerente de projetos da gravadora HitLab, Luis Felipe Regis, há espaço para ambos.
Conhecido como Lufa, o profissional é uma das mentes por trás do fenômeno J. Eskine, pupilo da gravadora. O hit Resenha do Arrocha, lançado no fim do ano passado pelo cantor, acumula mais de um bilhão de visualizações na internet e mais de 40 milhões de streams.
O artista é apenas um dos agenciados pela HitLab, que é liderada pelos empresários Bruno e Fabio Duarte. A companhia, inaugurada há um ano, nasceu no auge dos streamings e atua como braço digital de grandes gravadoras e plataformas musicais do Brasil. Segundo Lufa, o objetivo é atrair nomes consagrados e emergentes para transformar o Nordeste em polo musical. "Os algoritmos e as métricas são parte fundamental do mercado atual, mas a nossa missão é garantir que isso não afaste os artistas do processo criativo", diz o gerente.
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Valores

A tarefa de alcançar o sucesso na internet mantendo a inspiração, no entanto, não parece tão simples. Para obter boa remuneração, o compositor precisa de um catálogo vasto, com muitas músicas e grande número de execuções. Segundo o compositor Manno Góes, atual membro da diretoria da UBC, os streamings democratizaram o acesso às obras e permitiram que qualquer artista lançasse música, mas criaram um filtro mais rigoroso e aumentaram a competição. "Especialmente para novos compositores ou quem não tem catálogo consolidado", afirma.
A remuneração é considerada baixa e é um ponto constante de discussão da organização de compositores. “A forma de pagamento dos streamings ainda é muito injusta com os autores”, avalia Manno. Autor de sucessos como Lepo Lepo, da banda Psirico, e Pra Frente, de Ivete Sangalo, Magno Sant'anna explica que a média de pagamento por faixa depende. “Se a música não vira hit, o valor é irrisório, são centavos por execução".
No entanto, se a canção cai no gosto popular, o compositor pode chegar a receber entre R$ 100 mil e R$ 200 mil em um mês de pico de execuções. Esses foram valores que ele recebeu com o sucesso de Lepo Lepo.
Rafa Chagas confirma a volatilidade. “Você pode pegar milhões ou mil reais", conta. "Depende se a música for bem trabalhada, se for comprada para uma publicidade. Não dá para romantizar”. Segundo dados da UBC, a arrecadação de direitos autorais no Brasil em 2023 ultrapassou R$ 1,5 bilhão, mas a distribuição ainda é concentrada em poucos catálogos de sucesso. “Para ter uma boa remuneração, o compositor precisa de um repertório vasto, com muitas músicas e execuções. Isso é um desafio para os novos autores”, explica Manno.
A engenharia por trás do hit demanda um estudo aprofundado. Antes de compor uma música, Magno pesquisa as gírias que o artista costuma usar, quais são as preferências dele e assiste até aos vídeos e stories do perfil no Instagram. "A música tem que soar como ele", afirma. Para um único projeto, Magno costuma escrever cerca de 30 músicas feitas especialmente para o artista. "Mas eu sei que talvez só uma vai ser escolhida, com sorte", diz o compositor dono de um catálogo de 700 músicas publicadas.
Há também uma lógica coletiva que favorece o potencial da canção nas redes. O formato de escrita em grupo tem nome: "Song campings". São encontros de compositores, produtores e intérpretes, muitas vezes organizados por gravadoras como a HitLab. “Nos nossos últimos campings tivemos cerca de 20 participantes", diz Lufa. "O processo é livre, mas sempre com um objetivo temático. O último foi sobre arrocha, por exemplo".
Mensalmente, cerca de 20 músicas são produzidas em cada estúdio da gravadora, com unidades em São Paulo e Salvador, mas apenas metade deste número ganha as plataformas. A quantidade muda durante o São João e o verão, quando, de acordo com Lufa, uma música é lançada por dia.
Inspiração
Apesar da aparente correria pelo sucesso, há quem opte pelo fluxo mais orgânico. A cantora e compositora baiana Joana Terra prefere ser conduzida pelas palavras e não pelo algoritmo. “Às vezes a melodia chega inteira, como se eu fosse apenas uma porta-voz de algo que precisava vir ao mundo”, conta. Para ela, compor é um território de observação e entrega: é sobre perceber os movimentos da natureza, as reações humanas, as inquietações existenciais e as pequenas alegrias que atravessam o dia a dia.
Joana também reconhece os limites e as dificuldades do caminho. Para ela, muitas vezes, é cansativo reafirmar seu lugar como compositora, especialmente em um cenário em que mulheres são mais lembradas como intérpretes do que como autoras. “Hoje, sou grata porque vivo totalmente da minha música".
Ela mantém a fé na vocação e na entrega à arte, mesmo diante da ansiedade gerada pelo excesso de informações e pela necessidade de visibilidade nas redes sociais. Para ela, o direito autoral é um complemento de renda, atualmente, concentrada nos shows.
Sonho

Assim como Joana, o servidor público Cristian Cruz de Araújo também conhece os limites e os desafios do caminho da criação musical. Com 18 anos, percebeu a facilidade que tinha para escrever músicas e viu ali uma oportunidade de ter o trabalho reconhecido por cantores e artistas de destaque.
Atualmente, segue na luta para criar contatos e fazer com que as composições cheguem aos ouvidos de produtores e intérpretes de difícil acesso. "O que me impulsiona é viver da arte e ter estabilidade financeira como compositor", conta Cristian, que atualmente, conta com outro parceiro de composição, Oto Resende. "O meu sonho não morreu e acredito que é possível a gente chegar lá", diz o servidor público.
Para Magno Sant'anna, engana-se quem acredita que compor traz dinheiro fácil. “É dedicação de uma vida inteira”, afirma, destacando a necessidade da disciplina no ofício. Ele compara a composição a empregos tradicionais. Com um espaço de criação na própria casa, ele acorda cedo, se veste como se fosse sair para o trabalho e se fecha no estúdio para compor. “A música tem que ser levada a sério. Não é 'ah, vou fazer uma música ali', não é assim”, explica.
Para ele, o sucesso de uma composição nasce do tempo investido, do foco, da pesquisa constante e da atenção ao mercado. “Tem que amar música”, reforça, lembrando que cada hit é resultado de esforço e dedicação genuína.
Rafa Chagas concorda com Magno. Segundo o cantor e compositor, é um engano achar que o sucesso vem apenas quando a música é gravada por um artista reconhecido. “Quero que minhas canções cheguem às pessoas", diz. "Quero que a tia da cantina cante minha música, que vire trilha de vidas, se for pelo algoritmo ou pelo acaso, pouco importa, o que conta é ser ouvido".
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