ABRE ASPAS
"A força da Bahia na música latina internacional precisa ser evidenciada", diz Flávio Saturnino
Empresário detalha o crescimento da música baiana no cenário internacional

Por Pedro Hijo

Na última semana, sete artistas baianos foram indicados às principais categorias de língua portuguesa do Grammy Latino, a mais prestigiada premiação da música latina no mundo. Para o empresário Flávio Saturnino, trata-se de um reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelos talentos locais. "O crescimento da capital baiana na indústria musical é perceptível", afirma o sócio-fundador do portal Popline, um dos maiores sites sobre música pop do país. Atuando na indústria fonográfica desde 2006, Flávio trabalha com marketing digital para gravadoras e artistas de destaque, como Wanessa Camargo, Naldo e Diego Martins. De acordo com ele, a revolução digital transformou a música e democratizou o acesso.
“A forma atual de lançar canções, explorando diferentes estratégias, é libertadora", avalia. Esse movimento, acrescenta, não se restringe ao universo musical: produtores independentes de diversas áreas podem alcançar grandes audiências, estimular o consumo, fortalecer a marca e converter a presença digital em público no mundo real. Na Bahia, o cenário é ainda mais promissor. Para Flávio, artistas locais vêm conquistando espaço além do eixo tradicional Rio-São Paulo, o que evidencia que a música feita em Salvador dialoga com tendências globais.
Nesta entrevista, ele também ressalta a relevância da língua portuguesa no mercado internacional, aponta nomes baianos que vêm construindo comunidades sólidas no ambiente digital e indica estratégias para que músicos independentes ampliem a presença nas redes sociais. “Hoje, basta agradar ao algoritmo, e alguém pode se tornar um fenômeno digital”, reforça.
Qual é o impacto das redes sociais na forma como artistas independentes lançam músicas e alcançam o público?
A revolução digital tem proporcionado um momento único na história da música e do consumo musical. Quando falamos de redes sociais, não estamos nos referindo a uma única plataforma, mas a diversas, e são espaços onde o artista pode distribuir sua música e produzir conteúdo para promovê-la. Olhar para trás mostra o quanto o que vivemos hoje é diferente. Eu nasci em 1990, ou seja, eu vivenciei a época analógica. Descobri música usando CDs e fitas cassete. Essa forma atual e democrática de lançar música, de ter diversas estratégias, é libertadora. Fica evidente o número de artistas que não puderam ter acesso a essas ferramentas antes. Principalmente no nosso país, com mais de 200 milhões de habitantes e com esse traço multicultural, o poder da mídia sempre foi controlado. O sucesso ficava nas mãos da mídia tradicional.
Para lançar um CD, era preciso ter gravadora; para visibilidade, era necessário ter boas relações com rádios, revistas e canais de TV. Hoje, basta agradar ao algoritmo, e alguém pode se tornar um fenômeno digital. E isso não vale apenas para a música, mas para qualquer área ou segmento. Muitos criadores de conteúdo independentes conseguem alcançar centenas de milhares de pessoas, mudar suas vidas e viver da internet. Na música, acontece o mesmo: artistas independentes podem ter relevância, alcance de audiência, gerar consumo, fortalecer a imagem e autoridade, atrair marcas e, consequentemente, converter isso em público offline, gerando demanda para shows e outras oportunidades
Quais são os artistas baianos que estão se destacando no uso das mídias digitais atualmente? O que eles estão fazendo de diferente ou inovador?
Existem vários exemplos. Como já dizia [o apresentador de TV] Faustão, a Bahia é uma gravadora disfarçada de estado. Atualmente, a gente continua promovendo e revelando grandes talentos da música para o Brasil. São diversos artistas da Bahia que conseguem, de forma inspiradora, gerar conteúdo digital afim de construir comunidades de fãs e consumidores, sem necessariamente tocar nas rádios ou aparecer em todos os programas de televisão.
Dois exemplos, na minha opinião, vão ganhar ainda mais espaço nos próximos anos. São duas mulheres da mesma cidade, inclusive, Feira de Santana: Rachel Reis e Duquesa. Esta última conseguiu chegar ao BET Awards, a principal premiação de cultura negra em nível global. Nas redes sociais, ela furou a bolha de forma impressionante, se comunicando com o público de até 25 anos, super conectado com música e tendências. No caso da Rachel, é inspirador ver como ela criou, dentro de um repertório autoral, uma comunidade muito forte nas redes sociais. Há dois anos, ela apresentou o Grammy Latino. São artistas que nascem na Bahia, mas já pensam e atuam de forma global. Quis trazer esses exemplos porque são artistas que não ficaram presas ao regionalismo. Pelo contrário, suas primeiras grandes conquistas têm um tom global. Isso inspira os artistas locais. Muitas vezes tentam colocá-los numa caixinha, dizendo que a música da Bahia é só para a Bahia.
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Mas hoje é possível, com conteúdo bem produzido, alcançar público além da sua região. Isso mostra que artistas independentes podem fazer um bom trabalho nas redes sociais. O surgimento do TikTok, por exemplo, mudou a forma de consumir conteúdo. Antes, em redes como Instagram, Facebook, Orkut e MySpace, era preciso seguir alguém para ver seu conteúdo. Hoje, a descoberta é espontânea: o Instagram incentiva assistir vídeos curtos, conteúdo que o algoritmo envia para um público que possivelmente vai gostar daquele material. Isso leva a um ponto importante: quanto custa produzir conteúdo relevante hoje? O custo não é só financeiro, mas de tempo. Testar o algoritmo e entender como ele funciona exige volume. Portanto, a estratégia central de qualquer artista independente é entender como escalar a produção de conteúdo, aproveitando tanto a base de seguidores quanto a que o algoritmo pode trazer.
Essa produção de conteúdo em larga escala é uma das estratégias que você costuma trabalhar com gravadoras e artistas?
Sim. O Popline, por exemplo, é um espaço que trabalha em parceria com esses nomes. É um portal 100% “Made in Bahia”. Eu sou de São Francisco do Conde, no interior do estado. Criei o Popline como trabalho escolar, quando estudava na Escola Odorico Tavares, no segundo ano do ensino médio. Desde então, o portal se tornou um veículo influenciador, que hoje consegue, editorialmente, amplificar a produção de conteúdo com os artistas, seja com cobertura jornalística, shows e eventos. Ao mesmo tempo, eu também consegui, dentro do mercado e pelas minhas relações, desenvolver parcerias fortes e duradouras com escritórios, gravadoras e artistas. Hoje, eu olho para o artista e penso em que tipo de negócio posso desenvolver com ele. Um dos negócios mais importantes que criamos é a GoPop, uma joint venture com foco na música. É uma distribuidora que já trabalha com nomes como Wanessa Camargo, Naldo e Sambei. Essa parceria com a gravadora é muito forte.
Nesses quase 20 anos de site, como você percebeu a evolução da indústria de música baiana?
É evidente que, nas últimas duas décadas, Salvador se firmou como um polo cultural. Somos um berço ligado à nossa ancestralidade, que contribui tanto com artistas quanto com gêneros musicais. O pagodão baiano, por exemplo, que hoje serve de base para a música urbana em todo o Brasil, também nasceu na Bahia. O crescimento da capital baiana na indústria musical é perceptível, e cada vez mais surgem boas notícias da música baiana. O recorde de indicações ao Grammy Latino é um exemplo claro. Em um ano em que a música latina recebe tanto reconhecimento global, essa conquista tem grande relevância. É importante destacar que, nesse contexto, os artistas baianos se somam a dezenas de brasileiros que ocupam um espaço que é nosso por direito. A força da Bahia e do Brasil na música latina internacional precisa ser evidenciada
Olhando para o futuro da música baiana, quais tendências você acredita que vão ganhar mais força nos próximos anos?
Estamos vivendo um momento de protagonismo notável da língua portuguesa no mundo. Durante o verão europeu, percebi a grande presença de músicas em português no exterior. Um exemplo é o remix da canção Banho de Folhas, de Luedji Luna, feito por um DJ brasileiro que tem repercussão internacional significativa. O remix, lançado três ou quatro anos após a versão original, já ultrapassa 30 milhões de plays no Spotify, grande parte deles de fora do Brasil, e continua relevante internacionalmente. Isso evidencia a força da música baiana e da língua portuguesa. Banho de Folhas atravessa fronteiras sem precisar de versões em espanhol ou inglês, sendo exportada em seu idioma original, com sua linguagem natural. É um exemplo claro de como, na era digital e no consumo globalizado, a barreira do idioma deixou de ser um limite como era antigamente.
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