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Muçununga: Projeto restaura 1.200 hectares de Mata Atlântica no Sul da Bahia

Projeto Muçununga prevê recuperar 1.242 hectares e plantar mais de dois milhões de mudas

Divo Araújo

Por Divo Araújo

27/11/2025 - 16:01 h
Projeto Muçununga
Projeto Muçununga -

Após uma longa história de pressão sobre a Mata Atlântica, o sul da Bahia começa a se firmar como cenário de iniciativas voltadas à reconstrução de sua vegetação nativa. Entre elas, destaca-se o Projeto Muçununga, uma proposta inovadora de restauração ecológica conduzida pela startup brasileira Biomas, em parceria com a Veracel Celulose, indústria de base florestal que atua há mais de 30 anos na região. O projeto prevê recuperar 1.242 hectares de áreas degradadas e plantar mais de dois milhões de mudas, distribuídas em 70 espécies nativas da Mata Atlântica.

Para promover a restauração dos remanescentes de vegetação nativa nesse trecho do sul baiano, a Biomas — criada através da união de seis grandes grupos econômicos (Itaú, Rabobank, Santander, Suzano, Marfrig e Vale) — prevê investir R$ 55 milhões. Para tanto, além da Veracel, o projeto também conta com recursos da Carbon2Nature Brasil, empresa da Neoenergia em parceria com o grupo Iberdrola.

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A maior parte do investimento no projeto — batizado de Muçununga, em homenagem a um ecossistema que só ocorre nessa região de Mata Atlântica — será destinada à aquisição de mudas, insumos e às atividades de plantio. Também vai custear o monitoramento ambiental, desde o acompanhamento da biodiversidade até o crescimento da nova floresta. Outra parte dos recursos será voltada a ações sociais nas comunidades vizinhas e aos custos de certificação.

O Muçununga é o primeiro projeto de restauração florestal conduzido pela Biomas. “Nada melhor do que iniciar essa jornada ao lado da Veracel, que conhece profundamente o território, está instalada na região há muitos anos e reúne o know-how local e uma estrutura sólida”, explica Marcelo Pereira, diretor de restauração da startup Biomas.

Segundo o dirigente, o trabalho lançado em abril deste ano começou há mais tempo, quando a Veracel ofereceu áreas dentro de sua base florestal que não estavam sendo utilizadas para o cultivo de eucalipto. A partir daí, os técnicos da Biomas realizaram uma triagem para garantir que se tratava de terrenos aptos à restauração da Mata Atlântica, sem sobreposição com áreas de preservação permanente ou reserva legal. “É um projeto totalmente adicional nesse sentido”, explica.

Trajetória ecológica

O cronograma estabelecido pela startup prevê o plantio de mudas provenientes de viveiros da Bahia, de Minas Gerais e de São Paulo. As primeiras foram para o campo em julho e, até agora, já foram restaurados 215 hectares de Mata Atlântica — com expectativa de fechar o ano alcançando 315 hectares. Um hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol.

A recomposição total dos 1.242 hectares só deve ser concluída no primeiro trimestre de 2027. “Mas o trabalho não termina quando a muda entra no solo”, ressalta Pereira. De acordo com ele, a área receberá manutenção periódica pelo menos até 2032, enquanto os monitoramentos ambientais — fundamentais para medir a evolução da floresta — continuarão por 40 anos.

Projeto Muçununga
Projeto Muçununga | Foto: Divulgação

A definição das espécies utilizadas partiu de uma lista inicial de 200 variedades. A equipe realizou uma triagem criteriosa, considerando a capacidade de adaptação e desempenho em relação às condições de solo e clima. “O objetivo final é simples de dizer, mas complexo de executar: restaurar a área para que ela se aproxime, o máximo possível, do que um dia foi em seu estado original”, afirma o diretor.

Ele recorre a uma metáfora para explicar o processo. “O tempo de vida de um ser humano — 80 anos, com sorte — é muito curto diante da trajetória de uma floresta. Enquanto nós corremos uma prova de 400 metros, a floresta corre uma maratona de 40 quilômetros.”

Por isso, explica, o papel da Biomas nos primeiros anos é estabelecer condições para que a floresta se desenvolva sem depender de novas intervenções humanas. A seleção das espécies segue essa lógica: criar uma “trajetória ecológica”, oferecendo à floresta, nos primeiros quilômetros dessa maratona, todos os recursos necessários para que ela siga sozinha.

Modelo de negócios

Tudo isso tem um custo que vai muito além do plantio, e é justamente aí que entra o modelo de negócio da Biomas, estruturado na geração de créditos de carbono de alto padrão. Trata-se de um tipo de crédito que não se limita ao benefício climático — captura e estoque de CO₂ —, mas incorpora também ganhos em biodiversidade e impacto social.

Para garantir essa integridade, as áreas escolhidas precisam atender a exigências rigorosas dos organismos certificadores, desde documentação fundiária até critérios ambientais. Só então o projeto avança para o desenho de manejo, definição da estratégia de restauração e implementação.

A estimativa é que o Projeto Muçununga gere cerca de 500 mil créditos ao longo desses 40 anos. Embora não divulgue valores, o diretor confirma que o projeto é economicamente sólido e atrativo para investidores. Essa viabilidade retroalimenta o negócio e abre caminho para novas iniciativas de restauração na região.

Pereira diz que a criação da Biomas pelos seis grandes acionistas é uma resposta à urgência climática. “São instituições muito bem-sucedidas que criam a Biomas para dar uma contribuição relevante ao enfrentamento da crise climática”, resume.

O diferencial, destaca o diretor, está na governança. A Biomas opera com conselho de administração, comitês de risco e mecanismos de controle herdados das empresas acionistas — um padrão pouco comum no mercado de carbono. Essa governança robusta garante transparência e segurança para projetos que atravessam décadas.

A longevidade das instituições acionistas também pesa. Muitas têm mais de um século de atuação e comprovada capacidade de atravessar ciclos econômicos. “Estamos falando de iniciativas que precisam de garantias de continuidade por gerações”, afirma Pereira. “E eu não tenho dúvida de que essas seis instituições estarão aqui daqui a 40, 50, 80 anos.”

Projeto Muçununga
Projeto Muçununga | Foto: Divulgação

Movimento mais amplo

Apesar da importância do trabalho da Biomas, a área restaurada através do Projeto Muçununga representa apenas uma parte de um movimento mais amplo dentro do território da Veracel celulose. A empresa já mantém 100 mil hectares destinados exclusivamente à preservação ambiental, o que supera em muito as exigências legais — que seriam de 30 mil hectares, somando reserva legal e áreas de preservação permanente.

Esse excedente de vegetação nativa só foi possível, explica a bióloga Virginia Camargos, gerente de Meio Ambiente da companhia, porque o modelo de plantio privilegia os platôs — regiões mais altas e planas — enquanto os vales são integralmente destinados à conservação.

Muitas dessas áreas, quando adquiridas, eram antigas pastagens ou terras agrícolas degradadas. “Estamos falando de restaurar áreas que não são obrigação legal, mas que têm potencial de gerar serviços ambientais que finalmente passam a ser reconhecidos e remunerados.”

A lógica desse mosaico — no qual manchas de eucalipto convivem lado a lado com grandes extensões de Mata Atlântica — é, segundo Virgínia Camargos, uma das chaves para compreender o modelo ambiental da Veracel. “O eucalipto ganha com a floresta natural e a floresta natural ganha com o eucalipto”, explica.

A empresa se beneficia da presença dessas áreas nativas, porque elas contribuem para o controle biológico de pragas e reduzem a necessidade de defensivos agrícolas. “O eucalipto ganha porque aí ele tem o controle natural de pragas e doenças. É uma questão de estratégia do negócio”, explica a gerente.

Corredores ecológicos

Para Virgínia, os benefícios se multiplicam em camadas: além de ampliar a cobertura florestal com Mata Atlântica nativa, a restauração cria corredores ecológicos conectando fragmentos antes isolados, reforça a biodiversidade regional e ancora um modelo econômico no qual a comercialização de créditos de carbono passa a financiar uma parte das ações ambientais da companhia.

Ela explica que áreas contínuas de conservação interligadas funcionam como corredores naturais, permitindo a circulação da fauna e favorecendo a troca genética entre populações silvestres. Essa conectividade, diz, é essencial para garantir a perpetuação das espécies e reduzir a fragmentação da paisagem — um dos principais fatores de ameaça à biodiversidade na Mata Atlântica.

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Segundo Virgínia Camargos, porém, nenhum avanço técnico se compara ao desafio social de mudar percepções arraigadas sobre o valor da floresta. “O maior desafio não é nem a gente como empresa, mas conseguir influenciar vizinhos, pessoas do território, para que passem a ver a floresta em pé como um ativo ambiental”, afirma.

A pressão por madeira, a caça e outras atividades predatórias ainda persistem na região. A entrada do mercado de carbono, diz ela, ajuda a mudar essa visão ao demonstrar que “a floresta em pé, o animal vivo, valem muito mais” do que a exploração imediata. Para a bióloga, essa mudança cultural é decisiva para que a conservação seja entendida como parte da prosperidade da região — e não como obstáculo a ela.

Resultados surpreendentes

Os resultados desse modelo, segundo Virgínia Camargos, já começam a aparecer de forma concreta — e surpreendente. A Veracel mantém programas contínuos de monitoramento de fauna e flora em diversas áreas sob manejo da empresa. Foi em uma desses monitoramentos que surgiu um registro considerado histórico: a imagem de uma onça-pintada capturada por uma “camera trap”.

“Tinha mais de 20 anos que não ocorria na nossa região”, lembra ela. O Centro de Pesquisas de Grandes Mamíferos classificava a espécie como extinta localmente, e o flagrante mudou o rumo das investigações. A presença de um animal de topo de cadeia levantou a questão: seria os corredores ecológicos suficientes para sustentar ecossistemas completos, inclusive seus maiores predadores?

Projeto Muçununga
Projeto Muçununga | Foto: Divulgação

A descoberta levou a Veracel a convidar novos parceiros de pesquisa e, desde 2019, a empresa trabalha com o Instituto Pró-Carnívoros em estudos que avaliam a qualidade das florestas do território.

Os resultados, afirma Virgínia, têm sido animadores. Ao comparar os fragmentos conservados pela Veracel com áreas de proteção integral, como o Parque Nacional do Pau Brasil, os pesquisadores constataram que “70% das espécies que ocorrem no Parque Nacional estão ocorrendo em fragmentos florestais menores da Veracel”.

Para Virgínia Camargos, o avanço do Projeto Muçununga abriu não apenas uma nova frente de restauração, mas também um precedente estratégico: provar que modelos de conservação financiados por créditos de carbono são possíveis, rastreáveis e vantajosos no extremo sul da Bahia.

Ela afirma que a Veracel está “aberta a parcerias” e que ainda há áreas aptas a receber novos projetos com esse mesmo enfoque — desde que cumpram os critérios técnicos e regulatórios exigidos pelo mercado.

O interesse, reforça, não nasce de uma mudança no foco da empresa, cujo “core business” segue sendo a produção de eucalipto, mas do entendimento de que o carbono se tornou uma oportunidade adicional capaz de fortalecer o território e ampliar a proteção ambiental.

O potencial não se limita às áreas corporativas. Virgínia enfatiza que o mercado de carbono pode se transformar em uma alternativa economicamente relevante para produtores rurais da região — muitos deles ainda presos a mitos e desinformações. “Algumas pessoas acreditam que, se entrarem no mercado de carbono, vão perder a terra”, diz. “E não vão.”

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Tags:

Biodiversidade créditos de carbono Mata Atlântica Projeto Muçununga restauração ecológica sustentabilidade

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