MATURIDADE RAPPER
A lição de rua de Criolo sobre luta antirracista e o que ele aprende todo dia
"Foi difícil escolher o repertório": cantor celebra 50 anos no palco do TCA

Por Grazy Kaimbé*

“Cheguei aos 50 – e é pra poucos”. É assim que Criolo resume o momento que vive, com gratidão e orgulho. O rapper, cantor e compositor paulistano completou 50 anos em 5 de setembro e comemora a data com a turnê Criolo 50, que chega a Salvador neste sábado, 1º, às 19h, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves.
O projeto Criolo 50 já passou por outras cidades brasileiras, e a capital baiana será uma das últimas a receber essa celebração. Em entrevista, o cantor disse que o reencontro com o público baiano será mais que uma apresentação.
“Toda vez que vou à Concha é um encontro de amor e energia positiva. O grande milagre é o nosso encontro, porque nunca um show é igual ao outro. Cada pessoa traz sua história, e ali nascem novas conexões, amizades, amores, curas”, enfatiza.
Segundo o rapper, o show conta com releituras de álbuns que fizeram sucesso, como Nó na Orelha (2011), Convoque Seu Buda (2014) e Espiral de Ilusão (2017). “Foi difícil escolher o repertório. Conversei com um amigo que disse: ‘Tem que entrar tal música!’ E é difícil, porque a gente quer colocar tudo. Fizemos tudo com muito carinho, com novos arranjos e histórias. O show tem vários momentos, sempre com a energia lá em cima. Buscamos um equilíbrio, um show que seja um abraço, um aconchego”, antecipa.
Há também espaço para outros gêneros, como reggae, MPB, afrobeat e samba, gênero que o artista vem explorando com mais intensidade. “É bom demais unir esses gêneros. Eu venho de favela, nasci e fui criado em favela, então o samba sempre esteve presente. E quando o rap chegou, quando bateu na favela, foi identificação total, isso em 1987. Então, eu cresci com isso. É o mais natural. Essas expressões da alma, do coração, do sentimento da gente florescerem no rap e no samba. É uma celebração da verdade, do ensinamento de rua”, conta.
E mesmo com o samba fazendo parte de sua formação, Criolo conta que levou anos para ter coragem de se expressar através dele.
“Na parte das artes, o rap vem na frente. Eu nunca me senti capaz de fazer samba. Quando eu tive coragem pra pensar em fazer samba, esperei dez anos pra lançar um disco. Meu primeiro álbum, Ainda Há Tempo, foi lançado em 2006, mas começou a ser feito em 2000. O samba já existia na minha vida, mas só em 2007, 2008, eu comecei a sentir emoções no samba. Só tive coragem de mostrar pro mundo em 2017, de tanto respeito que eu tenho pelo samba. Então o samba veio depois, com muito respeito”, brinca.
No palco, o artista estará acompanhado por sua banda: Ed Trombone, DJ DanDan, Xeina Barros, Ricardo Rabelo, Bruno Buarque, Gustavo Sousa e Bira Sax. Em cada cidade por onde já passou com a turnê, há sempre algo especial.
Questionado sobre as surpresas para o público baiano, ele desconversa: “Aguarde. Nada de spoiler, não! Mas quem sabe... novas poesias, alguma surpresa sonora, uma música fora do repertório dos 14, 15 shows que já fizemos. O caminho é o endereço: Concha Acústica. Vocês têm que ir!”, convida.
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Para o artista, que cresceu no Grajaú, distrito do município de São Paulo, localizado na Zona Sul, a longevidade, para quem mora na favela, é para poucos.
“Tô muito feliz com isso, porque, do nosso ponto de partida, poucos chegam. Aquele território de abandono, de guerra, mas com muito amor dentro daquele barraco. Meu pai e minha mãe tentando fazer o impossível pra cuidar daquela criançada toda. Esse amor venceu a guerra”, disse.
Segundo ele, a celebração dos 50 anos marca também um período de renovação pessoal e criativa. Nos últimos anos, o artista ampliou sua atuação como produtor, ator e escritor.
Um dos projetos mais emocionantes do artista em meio às celebrações é o livro que prepara em parceria com sua mãe, Maria Vilani, poeta e educadora, com quem divide também a faixa Pequenina, do álbum Sobre Viver (2022), composta após a morte da irmã durante a pandemia.
“Foi muito emocionante. É o álbum que fiz em 2022, e minha mãe participa da música Pequenina. Ela faz a introdução. Isso veio por causa da minha irmã, que partiu durante o período da Covid. Eu não conseguia gravar a homenagem sozinho, então convidei minha mãe pra segurar minha mão no estúdio. Foi muito forte. Ela deixou suas palavras registradas, e foi um abraço, uma forma de dizer ‘vamos seguir’, porque ainda tem quem ficou, meu sobrinho ficou. Precisamos dar algo bom pra ele”, conta.
E o cantor seguiu e segue com projetos longevos. Ele conta que estão por vir dois discos inéditos: um de samba e outro apenas de rap, previsto para 2026, o primeiro inteiramente dedicado ao gênero em duas décadas. “Eu gostaria muito de finalizar esse álbum e esse livro com minha mãe. Vamos ter o suporte da poetisa pernambucana Luna Vitrolina, que vai ajudar a registrar nossos diálogos e organizar tudo pra compartilhar com as pessoas. Em 2026, vem o segundo disco de rap, depois de 20 anos sem lançar um 100% de rap. E também quero celebrar a amizade com meus amigos Amaro e Dino de Santiago, nesse disco (de samba) que sai ainda este ano. Tem muita coisa pra acontecer”, projeta.
Já no ano passado, o artista lançou a canção Esperança, em parceria com os artistas Dino D’Santiago e Amaro Freitas, que devem seguir fazendo parceria com o artista. “Foi uma identificação instantânea. Quando conheci o Dino, parecia que eu estava vendo um irmão. E com o Amaro, a mesma coisa. A gente se conecta pelas histórias de vida, pelo amor à música, pelo calvário que é ser um jovem preto periférico. Foi lindo”, conta.
A arte como cura

Além de encontros e reencontros, Criolo vê a arte como instrumento de cura e de reconexão. “A arte mostra o caminho para sua autocura. É você quem se cura. A arte te visita, passa por você e te transforma. Às vezes a gente ouve uma música e se emociona sem entender por quê. Pode ser uma música em outra língua, ou uma que sua avó gostava. E isso te toca. A arte te faz compreender o mundo pelos olhos de quem viveu antes de você. Ela te mostra onde está o seu antídoto, e ele está dentro de você”, pondera.
Essa compreensão atravessa toda a sua obra, marcada por canções que transitam entre denúncia, amor e espiritualidade.
Perguntado sobre qual música escolheria para representar os 50 anos de vida, ele hesita: “Difícil... não tem uma só, não. Acho que a gente tinha que ter uma tarde pra cantar tudo. Cada música tem uma história, um momento. Tem canção que fiz com 14 anos, outras com 22. E tem músicas novas, que talvez nem saíram ainda. Quem sabe, nos próximos discos, alguma feita na velhice se torne a escolhida”.
O rapper também se coloca como aprendiz diante da luta antirracista e das transformações sociais, que também moldam sua trajetória. “Sou mais um que soma. Todo dia eu tô aprendendo. Meu pequeno letramento vem do meu pai, do DJ DanDan, meu amigo há 25 anos, e de tudo que o hip-hop trouxe de suporte pra gente entender que tem muita coisa errada e muito caminho pela frente. Acredito que o racismo é o espelho da crueldade em carne viva, por opção”.
Além dos familiares, quem sempre esteve ao lado do artista durante todos esses anos foram os fãs. E, segundo ele, essas pessoas são parte essencial dessa trajetória.
“Eles trazem energia positiva. Às vezes, a pessoa te manda uma boa energia e nem sabe que está mudando sua vida. Já pensei em parar várias vezes, e sempre aparece alguém com uma palavra, um carinho. Isso te move. Você não sabe pra onde vai, mas sabe que vai tocar algum coração, e isso sempre chega na hora certa”, define o rapper.
Criolo – Turnê “Criolo 50” / Sábado (1º), 19h / Concha Acústica do Teatro Castro Alves / Ingressos entre R$ 95,00 e R$ 150 / Vendas: Sympla
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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