ÍCONE
O poeta do samba baiano: centenário de Batatinha é celebrado com shows e homenagens
Projeto revive o legado de Batatinha, símbolo do samba baiano, com turnê especial
Por Maria Raquel Brito*

Uma caixa de fósforos para fazer seu batuque, caneta e papel para escrever as letras que lhe vinham à cabeça. Assim surgiram muitas das canções de Oscar da Penha, o Batatinha, um dos mais emblemáticos sambistas da Bahia. Agora, essa obra rica é celebrada através do projeto Batatinha – 100 Anos de Samba e Poesia, em homenagem ao centenário de seu nascimento.
O tributo, idealizado pelo ator, cantor, compositor, poeta e diretor Dody Só e realizado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), acontece através de uma série de apresentações ao longo do mês de agosto, em cinco diferentes cidades: Salvador, no dia 1º; Camaçari, no dia 8; Feira de Santana, no dia 15; Santo Amaro, dia 22; e fecha com chave de ouro em Cachoeira, no dia 29 de agosto.
Cada sessão conta com uma palestra de Artur da Penha, filho de Batatinha, que antecede os shows com uma viagem pela vida do pai. Depois, começam as apresentações musicais, com participações para lá de especiais.
“A gente tem em Salvador Juliana Ribeiro, uma artista e pesquisadora do samba e que traz muito o legado de Batatinha no seu trabalho. Em Camaçari, Nelson Rufino, que é irrefutável enquanto um sambista que tem levado a voz do samba da Bahia para todos os cantos”, afirma Gabriela Sanddyego, diretora das artes da Funceb..
“Em Feira de Santana, teremos Zé Araújo, que é um legado vivo da música também. Quando a gente vai para Santo Amaro, o convidado é Jota Velloso, um artista de lá, que teve relação com Batatinha. E em Cachoeira recebemos Claudya Costa, que tem uma história com a cidade e com o samba”, detalha.
Considerado um cronista lírico do cotidiano da Bahia com suas letras reais e melodias melancólicas, Batatinha nasceu na Rua das Flores, no Pelourinho, em 5 de agosto de 1924.
Assim, o centenário mesmo foi em 2024, e as comemorações vêm acontecendo desde então, organizadas pela família do bamba. Por questões logísticas, o projeto com apoio da Funceb não pôde ser feito no ano passado, mas isso não fez com que os envolvidos perdessem o gás – o importante sempre foi manter viva a obra de Batatinha.
“A vida às vezes não nos dá tudo que a gente quer no momento certo. A gente já vinha pensando nesse projeto, conversando, e muitas vezes existe a vontade de fazer, mas existem os trâmites legais e o tempo vai passando”, diz Dody.
“Mas o fato de estar chegando agora não modifica o centenário dele. São 101 anos, mas continua centenário e chegou agora o momento em que conseguimos produzir, viajar para várias cidades e levar a obra, a vida e o legado de Batatinha, o legado do samba baiano. A gente precisa valorizar esse samba. Temos importado muita coisa do Rio e de São Paulo. São belas, bonitas, mas é um samba diferente. O daqui tem a sua originalidade”, defende.
Para Artur da Penha, o projeto é uma chance de mostrar para os amantes do samba e também para o novo público, a parcela mais jovem, a importância de fomentar os legados de artistas que impactaram a música brasileira, especificamente o samba, que, segundo ele, ainda precisa de maior fomentação cultural.
“Acreditamos muito na ideia de que tudo aquilo que é realmente ‘bom’ em sua essência tem o poder de permanecer, e tratando-se de Batatinha não é diferente. Seu corpo físico não se encontra mais entre nós, mas com toda certeza seu legado continua”, diz.
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Homenagem ao poeta
Desde o falecimento de Batatinha em 1997, aos 72 anos, o movimento da família do artista é rumo à manutenção de sua memória, o que tem sido feito por meio de merecidas homenagens.
No mês em que completaria cem anos, agosto passado, uma dessas consagrações foi a sessão histórica na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) para marcar o centenário do “poeta popular de muita nobreza e diplomado em matéria de sofrer”, como definiu, à época, a deputada Fabíola Mansur (PSB), proponente da sessão.
Quando pensaram no show, os familiares de Batatinha logo convidaram Dody Só para idealizar o espetáculo. O diretor já havia trabalhado com a obra do sambista no espetáculo Batatinha Zy Cartola, de 2012.
Começou então a pôr em prática os planos para consolidar a apresentação: entrou em contato com a Funceb, montou um set de músicos de qualidade, pensou a cenografia e, ao lado do diretor musical Marquinho Carvalho, os arranjos que mais se encaixavam com a proposta.
“A gente foi montando e chegou a esse show, depois de escolher meticulosamente as músicas”, resume. Um dos resultados, e fica aqui um spoiler, foi um cenário composto por uma grande caixa de fósforos em que os músicos e bailarinos irão passar, disposta de forma a ser vista por todos da plateia – uma referência às famosas caixinhas que Batatinha usava como instrumento para fazer seu batuque.

Apoio importante
Dody reforça a importância do apoio da Funceb e da família de Batatinha no processo de dar vida ao projeto.
“É preciso reconhecer. Porque eu sou uma pessoa que briga, que critica, mas posso afirmar aqui o que é bacana também. Quando você tem um olhar refinado para a cultura baiana, consegue aproveitar esses ícones maravilhosos da cultura baiana, porque a Bahia é extremamente rica. Então eu parabenizo a Funceb por reconhecer isso e a família de Batatinha também, que é sensacional”, diz.
Em Salvador, o espetáculo acontece na Praça Quincas Berro d’Água, no Pelourinho, aberto ao público.
No interior, as apresentações vão ocorrer em escolas públicas, de modo a despertar o interesse de ainda mais pessoas, sobretudo as novas gerações, para a potência formativa do samba enquanto expressão de identidade.
“[Levamos o projeto para as escolas] com essa perspectiva de que a arte precisa estar de mãos dadas com a educação. Nós temos na escola pública um público pensante e produtor de cultura e conhecimento. Então, precisamos aproximar projetos como esse, legados como o de Batatinha, desse público, a fim de que isso também colabore com essa formação, para que isso faça com que a identidade baiana seja reforçada, para que haja uma valorização de quem somos, dos artistas desta terra”, afirma Gabriela Sanddyego.
Tradições e experiências negras
Precursor do Dia do Samba em Salvador, celebrado em 2 de dezembro desde 1973, Oscar da Penha viveu outras vidas antes de encontrar a música. Trabalhou como marceneiro, entregador de marmitas, aprendiz de sapateiro e depois como contínuo na Imprensa Oficial da Bahia.
Neste último já começava a pôr em prática, conscientemente ou não, sua missão: a música. Em cada tempo livre que conseguia, Batatinha, ainda como o jovem Oscar, acendia de forma ritmada seus cigarros, batucando na caixa de fósforos.
De vez em quando surgia uma letra junto com o ritmo, ocasiões em que ele escrevia os versos no caderno e pedia a um colega jornalista que corrigisse a ortografia para ele.
Desde que passou a se dedicar à música, registrou 116 canções, muitas delas imortalizadas por grandes nomes da música brasileira, como Gal Costa, Beth Carvalho e Caetano Veloso.
Um verdadeiro “bluesman” baiano, Batatinha cantava em suas canções, delicadas e sofisticadas, amores impossíveis, saudades fundas e silêncios que diziam mais que palavras.
Interrogação do corpo
Sua obra está entrelaçada com as tradições e experiências negras da Bahia, o que torna sagrada e ainda mais urgente a revisitação de suas canções para dar continuidade à luta contra o apagamento cultural e estimular o orgulho das raízes afro-baianas.
Para Dody, a arte com raízes na cultura negra e periférica é um dos elementos que une a sua própria arte à de Batatinha. Enquanto o sambista nasceu e cresceu no Pelourinho, o diretor e cantor nasceu na Liberdade, dois pontos marginalizados da capital baiana.
“Continuamos, homens e mulheres negros, sendo colocados sempre à margem do processo. E não vai ser fácil sair daí. Não foi fácil para Batatinha, também não é fácil para mim”, afirma.
“Embora eu esteja fazendo esse projeto, tenha uma empresa de produção, trabalhe incansavelmente nas várias artes, como diretor, como ator, como músico e como cantor, não é fácil, porque a gente sempre é visto com um olhar de desconfiança. Parece que a gente nasce com uma interrogação do corpo. Batatinha nasceu com essa interrogação, eu nasci com essa interrogação”, conclui Dody.
Shows e palestras “Batatinha – 100 Anos de Samba e Poesia” / Salvador: amanhã, 20h, com Juliana Ribeiro, na Praça Quincas Berro d’Água (Pelourinho) / Camaçari: dia 08/08, 19h, com Nelson Rufino, no Colégio Estadual de Tempo Integral Gonçalo Muniz / Feira de Santana: dia 15/08, 19h, com Zé Araújo, no Colégio Estadual de Tempo Integral de Feira de Santana / Santo Amaro: dia 22/08, 19h, com J. Velloso, no Colégio Teodoro Sampaio / Cachoeira: dia 29/08, 19, com Claudya Costta, no Cineteatro Cachoeirano
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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