LIDERANÇA
Mulheres têm poder na gestão pública baiana
Cada vez mais, elas têm disposição, sabedoria e condições de ocupar espaços antes monopolizados pelos homens
Por Miriam Hermes
Há menos de um século, as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas. Em pouco mais de nove décadas, elas continuam na luta pela garantia de seus direitos como cidadãs com a mesma disposição, sabedoria e condição de ocupar os espaços antes monopolizados pelos homens. Ainda assim, já existem avanços – senão quantitativos, ao menos em termos de qualidade. A gestão pública e, por consequência, a população agradecem a presença feminina cada vez maior.
Na Bahia, de acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-BA), nas última eleições municipais, de 2020, 16% das candidaturas foram de mulheres. Hoje, dos 417 municípios do Estado, apenas 55 são administrados por elas, o que representa 13,19% do total de prefeituras.
No Brasil, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres são quase 53% do eleitorado. Mas apesar da maioria de votantes, em 2020 foram eleitas 658 prefeitas, o equivalente a apenas 13% do total. Destas, a grande maioria é de pardas e brancas, com educação de nível superior, em geral empresárias e profissionais autônomas.
Entre as principais dificuldades que elas ainda enfrentam estão a desigualdade salarial, o acesso desproporcional a cargos de liderança, pouco apoio para conciliar trabalho, vida familiar e social, bem como a persistência de estereótipos de gênero arraigados em boa parte da população.
SUZANA RAMOS
‘Precisamos nos conscientizar de que movemos o mundo’
“Estamos prontas para assumir qualquer papel desejado. Precisamos nos conscientizar cada vez mais de que somos fortes e movemos o mundo”, disse a prefeita de Juazeiro, Suzana Ramos, destacando que as mulheres não devem se abater com baixa autoestima e comparações, “pois somos únicas, cada uma com seu jeito próprio de ser”.
Mãe de um estudante de Medicina, aos 15 ela começou a trabalhar e aos 27 se casou com o ex-vereador e ex-deputado estadual Joroastro Ramos. Ficou viúva em 2007 e enfrentou o luto dando prosseguimento aos estudos no nível superior em Serviço Social. Entrou para a política por influência do marido e se elegeu vereadora três vezes. Em 2020, venceu o pleito como primeira prefeita do município de Juazeiro.
Suzana lamenta todas as violências que ainda atingem as mulheres e pontuou que no seu mandato tem investido no apoio às causas femininas. No contraponto das dificuldades, citou “a natureza sensível e humana que possuímos, que nos dá capacidade de administrar a vida pessoal, familiar e profissional ao mesmo tempo”.
SHEILA LEMOS
‘A presença em cargos de liderança é importante’
A prefeita de Vitória da Conquista, Sheila Lemos, destacou a “sensibilidade aflorada” das mulheres, que lhes dá “a capacidade de unir emoção e razão”, ressaltando que, neste contexto, “a participação delas em cargos de liderança é de extrema importância para as corporações e para o setor público”. Em 2020, foi eleita vice-prefeita, assumindo a gestão municipal depois do adoecimento e morte do prefeito Herzem Gusmão.
Primeira prefeita do município, é empresária, formada em Administração e pós-graduada em Gestão Empresarial e Marketing em Varejo. Com a mãe, a ex-vice-prefeita Irma Lemos, ajudou a fundar o Movimento das Donas de Casa (MDC) para incentivar que as mulheres sejam protagonistas das suas histórias. Em 15 anos, ofertou cursos profissionalizantes para mais de 4 mil mulheres.
Foi a segunda mulher presidente da CDL local. Como gestora municipal, foi vice-presidente da Comissão da Região Nordeste da Frente Nacional dos Prefeitos, em que integra também a Comissão das Prefeitas, criada para estimular a participação feminina na política. Em 2023, foi designada vice-presidente da Comissão de Empreendedorismo feminino da instituição.
JULIANA ARAÚJO
‘Acreditem e lutem para garantir maior representatividade’
Advogada e empresária, Juliana Araújo é a primeira mulher a assumir a prefeitura de Morro do Chapéu e avalia como “um grande desafio” a participação delas na política. Para Juliana, quando elas têm oportunidade, “mostram trabalho e resultados que impactam diretamente a vida das pessoas”.
Ela asseverou que movimentos interessantes estão acontecendo, com avanços através das cotas de gênero, além de ações dos próprios partidos para reverter o processo histórico, que anulou a participação feminina nas decisões em geral durante séculos.
“Acreditem e lutem”, disse para incentivar outras mulheres e afirmou que o caminho é garantir oportunidades e ferramentas para assegurar maior “representatividade delas na vida pública”.
ELIANA GONZAGA
‘Não tenham medo de levantar vozes e ocupar espaços’
“Dedico minha jornada às causas sociais e encorajo mais mulheres a ocuparem posições de destaque, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária”, afirmou Eliana Gonzaga, primeira prefeita de Cachoeira, que surgiu como liderança sindical da agricultura familiar. Feirante, tem como vice Cristina Soares. As duas têm sido vítimas de ameaças recorrentes por serem mulheres negras.
Embora persistam as dificuldades, Eliana pontuou que já existe “aumento na conscientização sobre questões de gênero, programas de apoio à igualdade de oportunidades e uma crescente rede de solidariedade entre mulheres, que promove o empoderamento e a colaboração”.
Para as mulheres no começo da jornada, ela recomendou que “não tenham medo de levantar suas vozes, compartilhar suas ideias e ocupar espaços de liderança. Não parem! Tem sempre alguém se inspirando em vocês”. Ressaltou ainda a importância de bons mentores e de redes de apoio na promoção da igualdade de gênero e a luta “pelos seus objetivos com determinação”.
ANA PAULA MATOS
‘Devemos exercer papeis de liderança também na política’
A vice-prefeita e secretária de Saúde de Salvador é advogada, professora e administradora concursada da Petrobras. Ana Paula Matos começou na gestão municipal em 2013, quando ocupou diferentes cargos como parte da reserva de 42% de mulheres em postos do alto escalão soteropolitano.
“Fortalecemos o papel delas com protagonismo técnico e cadeiras que, de fato, permitem liderar e construir novas políticas públicas”, pontuou. Ana defendeu maior presença feminina na política e outros setores. Acrescentou que o machismo estrutural se expressa de diversas formas, muitas delas veladas, e passa pela invalidação da fala às ameaças e agressões, físicas, verbais e psicológicas.
Ana Paula Matos destacou que ainda falta conscientização e que muitos destes episódios desencorajam as mulheres. Reforçou, no entanto, que elas devem exercer seus papeis de liderança, nos ambientes que desejarem, inclusive na política em defesa das suas comunidades.
“A representatividade impulsiona e transforma gerações de mulheres que passam a acreditar em seu potencial e na força da coletividade feminina”, disse a secretária, encorajando que elas sejam as melhores mulheres que puderem em qualquer lugar em que estiverem.
Valorização do trabalho passa por capacitação
A capacitação e conscientização são apontadas como ferramentas poderosas para alavancar o número de mulheres em posições de poder e para valorizar o trabalho feminino. Apesar do crescimento da atuação delas nos diferentes setores da vida contemporânea, a igualdade no tratamento ainda está longe de ser uma realidade para grande parcela desta população.
Neste cenário ainda difícil, as mulheres se destacam geralmente por uma junção de fatores aos quais nem todas têm acesso. Daí a importância de democratizar o conhecimento e fortalecer instituições voltadas à proteção dos direitos delas, considerando que muitas ainda são subjugadas dentro dos lares, nos locais de trabalho e na vida social.
A pesquisa Panorama Mulheres 2023 apontou que a presença feminina em posição de alta liderança no Brasil passou de 13% em 2019 para 17% em 2022. Elaborado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pelo Talenses Group, o estudo foi divulgado em maio do ano passado e reflete a atuação na área empresarial, que se assemelha a outras atividades.
De acordo com a pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (Neim/Ufba), Márcia Tavares, as pesquisas “mostram que nós ainda passamos por um processo de segmentação operacional e que não existe igualdade de gênero no tocante a ocupações”.
Ela frisa que o aumento de mulheres em postos de comando significa que, em muitos casos, elas têm que abdicar de algumas coisas e sempre provar sua capacidade. “Se a mulher for negra, as dificuldades se intensificam”, ponderou, salientando que esta situação está presente na maioria dos grupos sociais, políticos e econômicos.
Mais espaço na gestão pública
Das 25 secretarias do estado da Bahia, oito são coordenadas por mulheres, representando pouco mais de 25% do total. Duas das secretarias estaduais com mais atribuições, as de Educação e Saúde, são pilotadas por elas.
A feirense Roberta Santana é a titular da Secretaria de Saúde. Casada e mãe de duas filhas, ela reconhece que não é fácil dar conta de todas as responsabilidades, principalmente porque, além da atuação profissional, tem as necessidades da mulher que se cuida, da função de mãe, de esposa, da vida social e de filha que cuida da genitora.
“É preciso ter foco, ser firme na gestão e no propósito de vida, bem como é fundamental ter uma rede de apoio”, afirmou, acrescentando que conta com muita ajuda do companheiro neste sentido. Roberta Santana enfatizou que faz malabarismo com o tempo em busca do equilíbrio entre as suas funções.
Especializada em Administração Pública, ela começou a carreira como estagiária e passou por diferentes cargos do serviço público. Secretária de Saúde da Bahia desde janeiro deste ano, disse que a função requer trabalho na perspectiva técnica, na busca pela eficácia e responsabilidade na gestão dos recursos públicos.
ADÉLIA PINHEIRO
‘Somos capazes de alcançar grandes feitos’
Secretária de Educação da Bahia, Adélia Pinheiro é professora da Universidade Estadual de Santa Cruz desde 1990, onde atuou também como reitora por duas gestões. Médica formada na UFBA em 2019, assumiu a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) e depois a Secretaria Estadual de Saúde.
“Equilibrar responsabilidades profissionais com expectativas sociais e familiares pode ser particularmente desafiador para as mulheres em cargos de liderança”, disse, lembrando que a mulher tem “desafios adicionais, devido a questões relacionadas a estereótipos de liderança”.
Para Adélia Pinheiro, o principal aprendizado na sua trajetória foi a percepção do valor do acesso à “educação de qualidade para o desenvolvimento individual e social dos estudantes”. Ao mencionar os avanços das mulheres como resultado de séculos de luta, ressaltou que ainda existem desafios, “que variam de acordo com contextos culturais, sociais e econômicos”.
Adélia salientou, na mensagem para mulheres e meninas, “que se lembrem do seu valor, sua força e do poder que nós temos para transformar o mundo. Não tenham medo de desafiar expectativas e lutar por igualdade em todas as áreas da vida. Nós somos capazes de alcançar grandes feitos e inspirar mudanças significativas”.
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