INFÂNCIA EM RISCO
Adultização silenciosa: o que muitos pais fazem sem notar
Adultização traz riscos emocionais; famílias reconhecem práticas comuns
Por Andrêzza Moura

Nos últimos dias, a palavra adultização voltou ao centro das discussões nas redes sociais e também no meio político, após o youtuber Felipe Bressanim Pereira, mais conhecido como Felca, denunciar o influencer digital Hytalo Santos por produzir vídeos com meninas menores de idade em situações que sugerem sexualização, consumo de álcool e comportamentos inapropriados para a faixa etária delas.
No entanto, a adultização não se limita somente ao mundo digital. Ao contrário do que muitos imaginam, ela ocorre com muita frequência dentro das famílias e, muitas das vezes, de forma tão naturalizada que passa despercebida. Quem nunca ouviu ou até mesmo disse frases como: “essa vai dar trabalho quando crescer” ou “já é uma mocinha” e achou que era só uma brincadeira inocente? Ah, não podemos esquecer também aquela 'clássica' pergunta: “já tem namoradinho(a)?”.
Incentivar crianças a usar maquiagem, vestir roupas sensuais, dançar de forma provocativa, cobrar maturidade emocional ou comportamental e exigir que elas assumam responsabilidades que não condizem com sua idade também são formas comuns de adultização infantil.
Atitudes inocentes em família
A auxiliar de disciplina Patrícia Dias, 46 anos, é mãe de um jovem, de 21, e de uma menina, de apenas 5. Ela conta que, quando o filho era criança, costumava incentivar atitudes que, na época, pareciam inofensivas, mas que hoje enxerga como comportamentos que antecipavam fases da vida adulta e acabavam abreviando a infância dele.

“Patrick usava roupas, corte de cabelo no estilo da época. Ouvia músicas, reproduzia as dancinhas na rua e andava no meio de adultos com o pai e os tios. Confesso que nunca tinha parado para pensar nisso dessa forma. Acho que, muitas das vezes, a gente repete atitudes e falas sem perceber o impacto que podem ter”, diz ela, afirmando que, com a filha Liz, tenta agir de forma diferente, respeitando o tempo da infância dela.
“É verdade que, em alguns momentos, posso incentivar coisas que parecem inofensivas, mas que podem acelerar um pouco essa fase da infância. Como o uso de maquiagem, mesmo que de brincadeira, quando peço para repetir uma fala ou uma dancinha por achar engraçado e, principalmente, quando digo que ela é uma minimoça",
Entre erros e acertos, Patrícia diz que tenta encontrar um equilíbrio ao criar a filha. "Em relação às roupas, prefiro vesti-la como uma criança. Mas ainda permito o uso de maquiagem e que ela mostre as dancinhas que vê as coleguinhas fazendo, tudo dentro de casa e sempre reforçando que essas coisas não são para crianças", conclui a auxiliar.
A professora do ensino fundamental Shirlene Apolinário, 45, afirma que se esforça para preservar ao máximo a infância da filha mais nova, a pequena Sophia, de 3 anos. No entanto, reconhece que, em alguns momentos, acaba adotando atitudes que hoje considera questionáveis. Além de Sophia, Shirlene também é mãe de Maria Júlia, de 18.

“Em relação ao vestuário e usar acessórios sou bem cautelosa. Adoro crianças se vestindo como crianças. Não pinto as unhas, não incentivo maquiagem e, graças a Deus, ela ainda não despertou. Às vezes, me pego falando para ela: 'por que você fez isso? Você já está uma mocinha, não tem idade mais para isso'”, lembrou a mãe, revelando que com Maria Júlia, agia da mesma forma.
Especialistas
“Gostaria de enfatizar que a adultização das crianças não está relacionada somente à exposição precoce a conteúdos adultos como violência, músicas, danças, roupas e sexualidade. A adultização também acontece quando a criança presencia discussões conjugais, quando os pais fazem do filho um confidente dos seus problemas, quando se atribui responsabilidades de adultos, como cuidar de irmãos mais novos, por exemplo, e também quando se espera que a criança seja racional o tempo todo, controlando ou reprimindo suas emoções”, explicou a neuropsicopedagoga e educadora parental Tathiana Moráes em conversa com o Portal A TARDE.

De acordo com ela, a sobrecarga de responsabilidades ou o contato com conteúdos inadequados pode provocar na criança tensão, angústia e fadiga no cérebro ainda em desenvolvimento, comprometendo a atenção, a retenção e, consequentemente, o processo de aprendizagem.
“Ao pular etapas ou ser forçada a lidar com problemas complexos, a criança pode não desenvolver as bases cognitivas necessárias para as próximas fases de aprendizado. A criança que é induzida a assumir papéis que não estão de acordo com sua idade pode gerar conflitos internos na construção e exploração de sua verdadeira identidade. Além de perder experiências importantes da infância, como o brincar, essencial para a construção de uma identidade equilibrada e saudável”, pontuou a profissional.
A psicóloga infantojuvenil Mariana Félix, especializada em Terapia Cognitivo-Comportamental, explica que crianças submetidas ao processo de adultização, seja no ambiente familiar ou escolar, podem apresentar alguns sinais que vão desde “respostas excessivamente maduras para a idade, postura emocional de 'cuidador' em relação aos adultos, preocupação exagerada com problemas da casa ou da escola, pouca tolerância a frustrações típicas da infância e dificuldade em se engajar em brincadeiras ou atividades lúdicas”.

Para a especialista, é fundamental que pais, responsáveis e educadores permaneçam atentos para identificar quando as crianças estão sendo expostas a situações que possam afetar diretamente seu desenvolvimento emocional, psicológico e social, comprometendo sua saúde e bem-estar.
Leia Também:
Ela também aponta algumas estratégias que podem ser adotadas para minimizar esses impactos: “Manter rotinas de brincadeiras e lazer, limitar a participação das crianças em conflitos e preocupações de adultos, utilizar linguagem adequada à faixa etária, valorizar a curiosidade e a expressão lúdica, além de garantir que as responsabilidades atribuídas sejam compatíveis com a idade”, finalizou.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes